“Meu coração diz a teu respeito: Procura sua face[1]’’
Neste versículo, ecoa firme a voz do salmista, apropriando-se do gemido contido no interior de cada homem. “É tua face, Senhor” que é buscada por cada “eu vivente” sobre esta terra! É este o clamor do coração de todos nós: “não nos escondas a Tua Face”[2]!
Ainda que um homem seja capaz de desconhecer completamente o seu fim, é incapaz de não aspirar pelo encontro com o Rosto de Deus. Ainda que a humanidade enumere todos os seus objetivos, nada que ela venha a almejar pode sobrepor-se ao intrínseco desejo do coração humano de ver a Face de Deus. Contemplar o semblante de Deus – inclusive para aqueles que ignoram ou desconhecem este Deus – é a meta última da existência de todo e qualquer homem.
Durante um tempo tão valioso como é o do Advento, é difícil não nos remetermos a esta busca profunda e fundamental do homem pela Face de Deus. O Advento é o grito de uma Igreja expectante, ansiosa por ver o Rosto daquele a quem ama. É o tempo por excelência de, com a voz unida não só à do salmista, mas a todo o Corpo de Cristo, bradar: Não nos escondas a Tua Face! Queremos Te ver!
A Igreja nos dá este tempo de “piedosa e alegre expectativa[3]” para voltarmos o nosso coração para o verdadeiro fim de nosso existir: Deus! Não se trata, portanto, de um preparar-se para mais um Natal. O Advento é antes de tudo um preparar-se para O Natal que é a vinda do tão esperado Rosto de Deus, revelado no divino Menino. Este advento verdadeiro é um tomar posse do grito convicto de Moisés: “Rogo-te que me mostres a Tua glória![4]”, e não repousar enquanto tal desejo, na “Noite Feliz”, não tiver se tornado manifesto.
Ver a Deus… ver a Deus… Desejo e destino dos puros de coração. Prêmio do qual, por ignorância, tantas vezes nos privamos porque não sabemos bem o que buscar. Quiséramos nós compreender profundamente este nosso destino feliz: poder ver a Deus e com Ele se regozijar para sempre!
Cumpre-se para nós o que o Senhor prometeu a Moisés: “Farei passar diante de ti toda a minha beleza[5]” E a Beleza se fez carne: Seu esplendor afigurou-se no Rosto do Menino Deus. E a Face de Deus, outrora inacessível, torna-se acessível a todos[6]. No lugar de uma pseudo-realização de vida, apartada de Deus, abre-se uma perspectiva salvífica: a de realizar-se no “contemplar Deus face-a-face[7]”.
A Moisés, amigo de Iahweh, foi negado o acesso à visão da Face do Deus da glória. A nós, no Natal, se mostra “a Luz verdadeira que ilumina todo homem”[8], Jesus Cristo, Rosto do Pai, Semblante de Deus! O Verbo de Deus, infinita glória do Pai, cujo excesso não se mostrou a Moisés sob pena de matá-lo, entra no tempo e no espaço, faz-se Homem, para dar-se a conhecer a nós.
Diante desta Face que quer se dar a conhecer, resta-nos gritar mil vezes: Mostra-te a mim! Neste advento, eu te suplico, deixa-me ver-Te! Tamanho será nosso prêmio no Natal se, ao nos prepararmos pelo Advento, aplicarmos todo o nosso ser nesta súplica pela visão da Face divina.
Celebramos no Advento a memória da manifestação do Senhor ao mundo. É tempo, sobretudo, de vislumbrarmos tal manifestação de Deus na sua misericórdia, exercida em nosso favor na Encarnação: Deus se despoja, assume nossa condição humana, sem apegar-se ciosamente ao seu “ser igual a Deus[9]”. Deus se faz pequeno, o Verbo é criança! Com quanto amor Deus concede à nossa humanidade o acesso à vida divina!
O Advento é tempo excelente de buscar a conversão, preparando nosso coração para o “justo juízo de Deus”.[10]
Como este “tempo de preparação” será transformador para nós se escolhermos vivê-lo não só como mais um tempo litúrgico! Sábio será quem souber aproveitar este tempo para, nele, cultivar uma incessante busca da Face do Senhor. Esta busca é imbuída de um espírito de alegria, pois no Natal não nos depararemos com uma “mesmice”, mas encontraremos Aquele em quem “todas as promessas de Deus encontram o seu sim[11]”.
Alegria! Alegria! Vigilância e alegria! Vem a nós a Face libertadora de Deus! Neste tempo em que nos preparamos para celebrar a vinda do Filho, o próprio Pai nos dará muitas oportunidades de conversão, pois é intento seu que nos apresentemos ao Menino tal qual manjedouras desejosas não só de contemplá-lo, mas também de acolhê-lo.
“No Advento, toda a Igreja vive a sua grande esperança[12]”, pois o Emanuel, o Deus que é “para nós” e é “conosco”, vem educar o nosso coração para que desejemos uma vida de “altas medidas”, isenta de mediocridade. Cada homem que estiver imerso na solidão encontra no Advento um verdadeiro e oportuno kairós, um tempo de graça no qual Deus se avizinha dele e enche o seu coração de renovada esperança na vida eterna. Este Deus nos visita ao fazer-se homem, e assim nos dá um novo futuro, renova todas as coisas e “eleva-nos acima da nossa miséria”.[13]
Que não prefiramos coisa alguma àqueles “bens elevados” que Deus nos proporciona pela Sua Igreja no Advento. Não cessemos de suplicar, junto a Moisés e ao salmista, pela Face de Deus. Ao nosso clamor, Deus se mostrará, deitado na manjedoura, e nós, saciados pela Beleza de Cristo, exclamaremos diante do Rosto do Menino Deus: “Como és Belo”![14]
[1] Sl 27,8
[2] Sl 27,9
[3] BERGAMINI, Augusto. Cristo, Festa da Igreja.
[4] Ex 33, 18b
[5] Ex 33,19b
[6] Trecho do Akhatistos.
[7] Ex33,11
[8] Jo 1,9
[9] Fl
[10] Cf. Rm 2,1-16
[11] 2Cor 1,20
[12] BERGAMINI, Augusto. Cristo, Festa da Igreja.
[13] Idem.
[14] Ct 1,16
Cristiano Pinheiro
Missionário da Comunidade Católica Shalom