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Narrativas de missão: “O Pão doce”

Neste capítulo do livro “Filhos de Chaves”, descubra qual o doce preferido de uma criança que mora em uma comunidade ribeirinha do Marajó.

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FOTO: COMSHALOM

O balançar do barco apontava que estavam chegando. Mas não só isso, uma melodia alegre recebia o último grupo de voluntários da Expedição das Ilhas de 2018. É o coral de crianças da comunidade de São Sebastião, também conhecida como Ilha de Arrozal, por causa do Rio que traz esse nome. 

Os jitinhos, como são chamadas as crianças em Chaves, estavam reunidos para acolher aqueles que eles esperam durante todo o ano. Esta recepção aqueceu o coração da paulista e consagrada da Comunidade Aliança Shalom, Karina do Carmo. Assim que os viu, neles enxergou amor. Ela e mais três voluntários passaram dez dias em Arrozal, que para ela é a mais pobre de todas as comunidades ribeirinhas de Chaves. Os outros participantes dessa expedição também estavam divididos em pequenos grupos de quatro, nas demais comunidades.

O planejado era que Karina e seu grupo ficassem alojados na capela, que transmitia mais simplicidade que as das outras comunidades. E esta simplicidade se revelou para quando ao entrar viu uma lata de sardinha que era o “castiçal” da vela. Havia também uma imagem de Nossa Senhora que, por estar bem desgastada, não sabiam afirmar qual o título de devoção. Mas o grupo que estava preparado para dormir nesse lugar, logo no primeiro dia foi surpreendido. Eis que uma moradora de Arrozal se aproxima da consagrada e lhe faz um convite inusitado. Patrícia queria receber em sua casa a paulista que, sem hesitar, aceitou a oferta.

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A moradia marajoara tornou-se o lar das voluntárias. A casa possuía um cômodo só que servia para tudo: cozinha, quarto. Um detalhe chamou a atenção da paulista: “eles colocam a rede de um modo que só eles puxam a cordinha e a rede fica no ponto de deitar” destacou ela.

A família de Patrícia não se distinguia muito das demais que se costuma conhecer na região. Ela era uma jovem mulher de 30 anos que cuidava da casa e dos filhos, tinha três filhas: Jeovana de cinco anos, Débora de quatro e uma bebê de apenas um ano, Paola. O homem assim como a maioria, pescava e caçava para alimentar a família. A casa possuía ainda um outro integrante,  Chico o macaco, que ficará lembrado na memória de Karina, como aquele que lhe pegou o Tau (cruz franciscana que os membros da Comunidade Shalom usam no pescoço com um cordão). 

Apesar das refeições principais acontecerem juntamente com os rapazes voluntários, o café da manhã acontecia com a família de Patrícia. Ao acordarem as missionárias esperavam o café com os biscoitos Cream Cracker sentadas no chão, pois não havia cadeiras, nem banquinhos.

Aquela que foi para o Marajó para proporcionar uma experiência de fé à população, foi contagiada pelo modo de viver e de se relacionar dos marajoaras. A consagrada percebeu que para chegar ao céu “não se vale o que se tem, mas o que se dá” . 

Minha maior experiência na verdade foi ver que eles não tem nada e são felizes.  Eles me ensinaram que para chegar no céu não vale o que se tem, mas o que se dá. Eles não tinham nada para oferecer materialmente, mas o amor com que eles faziam as coisas me fazia tocar no Céu. A alegria deles em nos receber, sem preocupar com o que tinham ou não para nos oferecer para comer.” revela Karina. 

A rotina dos missionários em Arrozal se dava em visitar as casas fazendo um mapeamento para saber a situação de saúde dos ribeirinhos e também quem queria receber os sacramentos, para quando a médica e o sacerdote chegassem já soubessem quem precisaria ser atendido. 

Algumas moradias eram de mais difícil acesso, para chegar até elas eles precisavam pegar uma rabeta (pequena embarcação motorizada). Esse era o momento de aflição para Karina que não largava mão do baldinho que trazia para retirar a água de dentro do transporte furado. A missionária se viu entre o medo de a rabeta afundar e o desejo missionário de ir ao encontro daqueles que precisavam de atendimento médico, mas também da presença espiritual que eles representavam por suas palavras feitas de oração. 

Já que esta comunidade não possuía acesso a internet, eles se comunicavam por meio do rádio do barco com os demais voluntários para relatar a realidade de saúde e necessidade de sacramentos . 

Enquanto o dia em que o sacerdote e a médica não chegava, os quatro voluntários se dedicavam a realizar brincadeiras e momentos de espiritualidade com as crianças e com seus pais. O grupo levou doces, brinquedos e bolas de futebol. 

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Quando estavam fazendo dinâmica com as crianças, em que quem acertasse alguma pergunta bíblica ganhava um doce, ela percebeu que o envolvimento dos adultos na brincadeira não era simplesmente para incentivar os jitinhos, mas porque eles mesmo estavam empolgados em ganhar. 

O contato com as crianças em Chaves é muito comum para quem se voluntaria para região. Karina ainda mantém contato com Patrícia e suas filhas. Entretanto ela não fez amizade apenas com elas, guarda no seu coração até hoje as palavras de Cristiano, jitinho que se aproximou dela durante a expedição. Diariamente às quatro da tarde ele se unia a ela para rezarem o terço sentados na ponte. Os dois ficavam admirando os botos passarem pelo rio. 

Os poucos dias em que ela esteve em São Sebastião foram suficientes para o menino alimentar um afeto filial. O carinho era tanto que Cristiano chegou a pedir à sua mãe biológica para ir embora junto com a missionária. A mãe dele permitiu, mas Karina não o levou. 

Em uma das tardes ensolaradas em que rezavam o terço, uma senhora ofereceu café para os dois amigos. Enquanto tomavam, o menino a interpelou:

-Você quer saber qual o meu doce preferido? 

-Qual Cristiano? 

-É o pão doce

Não. Em Arrozal não tem padaria. E o menino não se referia ao “Sonho”. Esse doce cujo gosto é um pouco amargo e a textura um tanto seca era a saudade da criança. O pão doce preferido dele era a eucaristia. Mas por quê ? 

Cristiano que apesar de morar em um lugar que não dispõe de docerias, conhece bem o gosto de bombons. Ele revelou para Karina a sua preferência pois compreendia mesmo pequeno, jitinho, que a Eucaristia que lhe chega uma vez por ano era sagrada. Não era apenas uma experiência gustativa, era tudo o que aquele pequeno pedaço de pão podia lhe oferecer. Ele entendia, talvez mais que os outros, que a justificativa primeira das expedições de “levar Jesus”, proporcionava também novas amizades, como a que ele fez com Karina. 

Chaves faz parte de uma prelazia da Igreja Católica. Nas demais regiões do país costuma-se falar em diocese, porém em regiões em que não há muitos sacerdotes e onde a igreja local não possui muitos recursos financeiros existe a prelazia, que é o caso do Marajó. Enquanto que no município há a presença de sacerdotes residindo, as ilhas e comunidades ribeirinhas de Chaves recebem visita uma a duas vezes no ano.

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