Deveria ser umas nove ou dez da noite. Mais de quarenta redes no segundo andar do barco. Dizem que o segundo é melhor porque não entra tanta água, nem há muito barulho. Mas a verdade é que ele é melhor por causa da vista. É a contemplação do azul marinho celeste.
Mayra Beatriz, cearense natural de Coreaú (CE), era uma das missionárias da Expedição Voluntária para Chaves de 2020. Com apenas vinte anos, era sua primeira viagem para tão longe de casa.
O mar estava agitado. Dentro da embarcação havia um tumulto de sons. “Quem está nos empurrando?” , era a pergunta que ecoava em meio às risadas, “vaias” e palavras de espanto da tripulação não nativa. As redes de dormir dos viajantes balançavam de um lado para o outro, chocando-se umas nas outras, numa velocidade tamanha que dava a impressão de que se não estivessem tão amontoados seriam jogados Rio adentro.
A maresia grande nas primeiras horas da noite, não assustou Mayra a ponto de ela fechar os olhos. Deitada na rede, mesmo cansada das horas de viagem do avião, ela admirava as estrelas no céu e a imensidão do Rio Amazonas. ‘Eu não quero esquecer isso nunca’, dizia para si. Uma calmaria questionável diante do pavor de alguns.
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Sem diploma, ou outros conhecimentos científicos que pudessem colaborar com a população, ela levava como oferta a si mesma. Estava designada a pregar sobre o “Amor de Deus” para os “gitinhos” (como as crianças são conhecidas na região) no retiro de Carnaval.
Eis que já no município uma surpresa: ela terá que pregar vestida de um personagem. Interpretará uma jovem francesa da década de oitenta, Thérèse Françoise Marie Martin, popularmente conhecida como Santa Teresinha do Menino Jesus.
Uma saia longa preta doada de uma voluntária, uma blusa de manga princesa também preta doada de outra. Seu hábito religioso estava completo. Um coque no alto do cabelo. Flores vermelhas artificiais em sua mão. Teresa estava pronta!
O traje nada adequado à temperatura daquela tarde pareceu não incomodar tanto a cearense. Seu olhar estava sereno. Seu sorriso doce e cor de cereja atraía os olhos das crianças. Uma beleza quase angelical.
Dezenas de gitinhos de todos os tamanhos, estavam sentados no chão, escutando a “Tia Teresinha” falar sobre o tal amor de Deus. Mas não era apenas pelo encantamento com sua beleza que eles estavam tão atentos. Para pregar para as crianças, ela usou a linguagem deles. Agachava-se pertinho, falava com calmaria e ao mesmo tempo com um certo tom de brincadeira.
-Olhem o Rio Amazonas… ele é grande? – após a confirmação deles, ela continuou – O amor de Deus por vocês é maior ainda!
Eles conhecem o Rio muito mais que ela. Confiam, veneram, se devotam ao Amazonas. Talvez por isso tenham alargado seus olhos quando ela fez a comparação. Mayra tão logo havia compreendido o que para eles era precioso e expressava generosidade, imensidão e profundidade. Nesta riqueza deles, ela estava percebendo o que em sua vida representava tudo isso: sua experiência com Deus.
Enquanto que o Rio era um tesouro inesgotável que eles sabiam que sempre iriam possuir, o amor pessoal de Jesus para Mayra era a abundante fonte que a saciava e a qual ela queria dar para os gitinhos.
“Descobri que para eu ir para Chaves eu não precisava de conquistas humanas”, contou ela. Mayra não esperou se formar em Pedagogia, curso à distância que fazia na época para participar da Expedição. Por estar nos primeiros semestres da graduação ela tinha pouca experiência com crianças, mas isso não foi um problema, a inteligência e esperteza dos gitinhos facilitou a comunicação dela.
“Eu acho que por elas terem que se responsabilizar muito cedo pelos irmãos, desenvolvem raciocínio rápido. Elas são muito inteligentes” afirmou a missionária.
Se com o amor divino ela quis enriquecê-los, com a sabedoria dos gitinhos ela foi consolada. Em uma das tardes nubladas do retiro de carnaval, pelo janelão do Centro Pastoral, o olhar da voluntária pousou sobre o movimento das águas do Rio Amazonas. A maré estava mais alta do que o já visto naqueles dias de expedição. Ela teve medo.
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Sorrindo, mas preocupada, ela perguntou para um gitinho se não era perigoso. Ele não hesitou em tranquilizá-la:
–Não Tia Teresinha, isso aqui é normal, não precisa ter medo não…
Era perceptível o carinho dos gitinhos por ela. Tal como uma onda forte, eles corriam para abraçá-la com tanta força que ela quase caía.
Eis me aqui, envia-me
O Espírito missionário (cf. Mc 16,15-20) é constitutivo do nosso carisma. (Estatutos CCSh, Da Natureza e da Finalidade art.7)
O envio missionário é a concretização do novo de Deus na vida de um missionário e de um povo que anseia conhecer a pessoa de Jesus; é também sinal de esperança e alegria, a alegria daquele que encontrou o seu tesouro e quer apresentá-lo aos outros.
Assim, a Comunidade conta com vários tipos de envio missionário, para membros da comunidade, da obra ou para pessoas que estão conhecendo o Carisma, por exemplo: Comunidade de Aliança Missionária, Aliança Externa, Jovem em Missão e Voluntariado Shalom. Clique aqui e conheça as modalidades de envio missionário para você!