Formação

Nas pegadas de Pedro

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Por Pe. Xavier Masdeu (*)

Nos dias que antecedem a visita do Santo Padre ao Brasil, tem-se falado muito a seu respeito. De sua história aos seus pronunciamentos, de sua alimentação à sua hospedagem, da estrutura dos eventos aos gastos e benefícios que teremos enquanto nação. Entretanto, fala-se pouco sobre a importante missão de conduzir a Igreja de Cristo. E, sendo discípulos deste Cristo, como podemos acompanhá-lo nesta importante missão de guiar seu rebanho no peregrinar terrestre de nossa história rumo a Jerusalém celeste?

São Josemaría Escrivá, após morar em Roma muitos anos, pede que se grave em uma lápide, no ponto mais alto da sua casa: “Como brilhas, Roma! Como resplandeces daqui, em panorama esplêndido, com tantos monumentos maravilhosos de antigüidade! Mas a tua jóia mais nobre e mais pura é o Vigário de Cristo, de quem és a única cidade que se gloria”[1].

Como muitas igrejas da antiguidade, a basílica de São Pedro está construída sobre a sepultura de um mártir que, neste caso, é o Apóstolo Pedro. João Paulo II, por ocasião da missa inaugural de seu pontificado, fez memória à história de “Quo vadis Domine? – Onde ides, Senhor?”[2]. Tal citação recorda-nos que, no ano 63 d.C., iniciou-se, em Roma, a grande perseguição de Nero contra os cristãos. Neste período, o apóstolo já morava na cidade. A Igreja, em expansão, era perseguida e os cristãos reuniam-se escondidos nas casas. Por medo dos romanos, segundo a tradição, iniciou-se uma fuga em massa daqueles que professavam a fé em Cristo. Eles mesmos, por sua vez, tinham convencido o apóstolo a fugir. Sobre está fuga, João Paulo II nos diz que “o Senhor interveio e teria vindo ao encontro dele. Pedro, então, dirigindo-se ao mesmo Senhor perguntou: ‘Quo vadis Domine? — Onde ides, Senhor?’. E o Senhor imediatamente lhe respondeu: ‘Vou para Roma, para ser crucificado pela segunda vez’. Pedro voltou, então, para Roma e aí permaneceu até a sua crucifixão”[3]. A opção de Pedro fizera de Roma a “cidade dos papas”.

A partir desta afirmação, não podemos negar que as raízes de nossa fé estão em Roma. Torna-se natural que, como cristãos, nosso coração se translade para Roma nas datas importantes, assim como a Festa da Cátedra de São Pedro, celebrada dia 22 de fevereiro de cada ano. Sobre esta festa, Bento XVI afirma que “é antes de tudo uma festa da catolicidade. É sinal do Pentecostes a nova comunidade que fala em todas as línguas e une todos os povos num único povo, numa família de Deus”[4].

Ser católico é sinônimo desta catolicidade, deste pertencer à família de Deus, é amor ao papa, à sua vida, ao seu ser, à sua postura e orientações. Este amor deve ser incondicional, pois acreditamos que o Vigário de Cristo é instrumento escolhido por Deus para guardar-nos e conduzir-nos à vida eterna.

Passado pouco mais de dois anos que João Paulo II abandou este mundo, talvez nos lembremos das milhares de pessoas que faziam filas na praça de São Pedro, passando horas e horas para oferecer-lhe uma singela homenagem, num gesto de amor, carinho e unidade. Na ocasião, certo canal televisivo entrevistou uma pessoa que, logo depois de concluir seu trabalho, agregou-se à fila. Mas, depois de algumas horas, não havia conseguido chegar perto da basílica e decidiu ir embora. Já era hora de voltar ao trabalho! O jornalista, por sua vez, perguntou assombrado: “Doze horas de fila para nada. Valeu a pena?”. A resposta do entrevistado foi simples, mas singela: “Valeu sim! Porque esta é minha homenagem ao papa. Estou bem contente.”.

Sem dúvida João Paulo II possuía algumas condições naturais, pelas quais era fácil amá-lo: afetuoso, de simpatia natural, era capaz de colocar-nos, quando necessário, diante das exigências da vida cristã com palavras fortes e claras. Seu sucessor, o Papa Bento XVI, em sua primeira missa como Sumo Pontífice aos Cardeais na Capela Sistina, referindo-se ao seu antecessor, dizia: “Tenho a impressão de sentir a sua mão forte que estreita a minha; parece que vejo os seus olhos sorridentes e que ouço as suas palavras, dirigidas neste momento particularmente a mim: ‘Não tenhas medo!”[5]. O bispo de Roma sente a responsabilidade da missão que lhe fora confiada, ou seja, a responsabilidade de conduzir todos os homens para o céu. Mudaram as circunstâncias, mudaram as pessoas e, com elas, as condições da realidade histórica. No entanto, o amor permanece. Continuamos tendo conosco, na pessoa do Papa, “il dolce Cristo in terra – o doce Cristo na terra”, como dizia Santa Catarina de Sena. Este pensamento ajuda-nos na superação de nossas diferenças, para vibrar, em unidade, como Igreja povo de Deus, com todos os cristãos.

Um escritor do século II, Santo Ireneu de Lião, expressava o ministério de unidade com estas palavras: “a mesma fé com uma só alma e um só coração, a mesma pregação, ensinamento, tradição, como se tivesse uma só boca. São diversas as línguas, segundo as religiões, mas a força da tradição é única e a mesma. As Igrejas da Alemanha não tem fé ou tradições diversas, nem as da Espanha, da Gália, do Egito, da Líbia, do Oriente, nem as do centro da Terra; como o sol, criatura de Deus, é um só e idêntico em todo o mundo, assim a luz da verdadeira pregação resplandece em toda a parte e ilumina os homens que desejam chegar ao conhecimento da verdade” (Adv. Haer. I 10, 2).

A unidade e a fidelidade para com o Santo Padre podem ser expressas, principalmente, pelo amor e pela oração, como dizia São Josemaría Escrivá. Chegando a Roma pela primeira vez e observando a cúpula da basílica de São Pedro, fez sua profissão de fé diante de tal esplendor. De sua residência era possível observar perfeitamente a biblioteca da residência do Vigário de Cristo que, por sua vez, estava com as luzes acessas. Nesta noite, São Josemaría Escrivá ficou o tempo todo observando o palácio episcopal e acompanhando-o com sua oração. Esta oração, dirigida ao Santo Padre, era acompanhada por seu sacrifício: o sacrifício de velar, noite adentro, após uma longa viagem, e o de esperar alguns dias até visitar a basílica. Este era o modo de manifestar seu carinho pelo Papa. Do Brasil, não podemos acompanhá-lo em sua janela, mas, com os olhos da fé, podemos acompanhá-lo com nossas orações e preces, com reta intenção de ajudá-lo em seu ministério Petrino.

Ao versar sobre a fidelidade, São Josemaria escreve que “a fidelidade ao Romano Pontífice implica uma obrigação clara e determinada: a de conhecer o pensamento do Papa, manifestado nas Encíclicas ou em outros documentos, fazendo quanto estiver ao nosso alcance para que todos os católicos prestem ouvidos ao magistério do Santo Padre e ajustem a esses ensinamentos a sua atuação na vida” (Forja 633).

Já no primeiro ano de seu pontificado, Bento XVI publica uma Carta Encíclica intitulada “Deus Caritas Est – Deus é Amor”. Conhecer o verdadeiro significado deste amor é, sem dúvida, fundamental para compreender o pensamento do magistério e conseqüentemente do Santo Padre. Por outro lado, em nosso peregrinar terrestre, procurar colocá-la em prática é um modo simples e delicado de seguir as pegadas de Pedro.

Para facilitar esta tarefa de esclarecimento de nossa fé, Bento XVI, na missa da festa dos santos Apóstolos Pedro e Paulo, ao entregar o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, dizia sentir-se feliz por entregar à Igreja “um novo guia para a transmissão da fé”, que pudesse nos ajudar a conhecer e viver melhor a fé que nos une.[6] Este é o desejo de nosso Pastor: proporcionar-nos um instrumento que nos ajude a conhecer, de modo simples, os pontos principais de nossa fé e as coisas que devemos apreciar para alcançar mais facilmente o Céu. Ao mesmo tempo, nos pede uma decisão concreta, de tempo e leitura, para conhecer, amar e defender a fé que professamos.

Nos dias do falecimento de João Paulo II, os meios de comunicação entrevistaram muitas pessoas, entre elas uma moça romana de aproximadamente vinte anos. Estava na longa fila para se despedir do Santo Padre. Dizia ser a primeira vez que estava em São Pedro. Não tinha fé. Mas, naquele momento, professava publicamente: “Há tantos anos que moro nesta cidade e sempre tenho vivido com as costas para o Papa. Agora, sinto o desejo de conhecer o que escreveu. Vou começar a ler os escritos do Papa”.

Estamos às portas de receber o Vigário do Cristo. Questionamo-nos se vale a pena enfrentar longas viagens, filas, aglomerados e desconfortos. Entretanto, pode não passar por nossas mentes o fato de poucas pessoas ao redor do mundo possuírem a oportunidade de estar tão próximas do sucessor de Pedro. Sabemos das dificuldades físicas e materiais, mas não podemos “virar as costas para o Papa” e deixar passar despercebido este momento ímpar de nossa história. Com os olhos da fé, voltemos nosso olhar para felicidade daqueles que puderam, de alguma forma, aproximar-se do Vigário de Cristo, “jóia mais nobre e pura”, e o bem que lhes fizera. Renovemos nosso compromisso de professar, rezar e compartilhar, como povo de Deus, assembléia reunida, num ato público de fé, o amor que nos translada para junto do Santo Padre, o Papa Bento XVI.

(*) Doutor em Filosofia

Site: Visita do Papa


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