Isso de estarmos tranqüilos, e termos as nossas correspondências livres de bisbilhotices, para chegarem aos destinatários em absoluto sigilo, parece cada vez mais inseguro. As técnicas modernas de abrir cartas, sem deixar vestígios, se aperfeiçoam progressivamente. As nossas contas bancárias podem ter suas movimentações “acompanhadas” por olheiros, e os temidos “hackers” não assistem passivamente ao crescimento dos saldos, sem deles muitas vezes se apoderar. O poder público vigia as ruas, sabe se estamos no limite da velocidade prescrita, e assiste às violações dos sinaleiros das avenidas, que os motoristas infringem. E ainda aparece em muitas repartições públicas o hilário aviso: “sorria, você está sendo filmado”… Os bancos e as lojas comerciais – em péssima qualidade de imagens – monitora toda a freguesia, potencialmente mal intencionada. Até câmaras indiscretas foram descobertas em banheiros públicos!
A privacidade na internet parece ser um ideal cada vez mais distante. As forças da segurança pública monitoram pessoas suspeitas. A escuta telefônica, praticada sub-repticiamente há muito tempo, ocupa milhares de agentes, que invariavelmente se defendem, dizendo que tem ordem judicial, aliás difícil de comprovar. O dizer da Constituição Federal, nº 10 de que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” preocupa pouca gente.
Por que o ser humano tem direito à privacidade? Desde que temos uso da razão, nos tornamos seres livres. E filhos de Deus, revestidos de dignidade e de direitos. Aquilo que julgamos de âmbito reservado, não deve sofrer invasão alheia, a menos que abramos mão em favor de profissionais: médicos, psicólogos, nosso confessor. Também o Estado tem o direito de invadir nosso círculo privado, quando está em questão o bem comum, e a segurança da população. Mas o que estamos vendo acontecer, é a banalização desse direito. Até um casal que se ama, e troca livremente intimidades, respeita certos círculos particulares: o homem não costuma ir mexer na bolsa da mulher, nem esta nas gavetas de ferramentas do marido. Chegamos a um tempo em que o único momento de segredo absoluto é a confissão sacramental. Mas isso se não houver microfones escondidos…
Dom Aloísio Roque Oppermann
Arcebispo de Uberaba, MG
Fonte: Site CNBB