Nasci Reginilda, em homenagem às minhas duas avós: Regina que significa rainha, indica voluntarismo e firmeza de decisão, é próprio de mulheres que, da mesma forma que os antigos sofistas gregos, usam todos os recursos verbais para convencer seus interlocutores; e Nilda que significa linda, suave, afável e guerreira. Hoje, sou filha de Deus, mulher, mãe, cristã, católica apostólica romana, mariana, Guadalupana, professora, assistente social, consagrada e celibatária na Comunidade Católica Shalom.
Chegar a alcançar essa descrição não foi fácil. Apesar de ser de família católica, de ter participado de grupos de jovens e até cantar no “coral da Igreja”, isso ainda em Solânea/PB, cidade onde vivi até minha juventude, eu saí dos trilhos. Após entrar na universidade, passei a crer em outras formas de viver e me afastei completamente da Igreja.
Um longo caminho distante de Deus
Caminhei por longos anos num percurso distanciada de Deus… Ele, porém, jamais se afastou de mim. Nessas estradas que fui selecionando tive vários relacionamentos, fui noiva por duas vezes, tive um filho, outros não. Infelizmente. Minha caminhada já não era um trajeto “normal”. Era arriscado, como uma pontezinha estreita amarrada por cordas puídas, desgastadas e prestes a cair num fogo eterno. Assim eu pensava. Faltava uma palavra no meu dicionário de professora de português que era vital não só conhecê-la, mas encarná-la em mim: misericórdia!
“Ser misericordioso é próprio de Deus e é pela misericórdia que Ele principalmente manifesta sua onipotência” (Tomás de Aquino, Suma Teológica, II-II, q. 30, a. 4).
Conhecendo a Comunidade Católica Shalom
Um dia, através de uma amiga, Ana Tenório (in memoriam), conheci a Comunidade Católica Shalom quando ela me convidou para participar de um curso, e surpreendentemente e estranhamente, aceitei. Era o Tecendo o Fio de Ouro, ministrado por Remilson, hoje meu grande amigo, e Lane Aires, hoje minha formadora pessoal. Ao terminá-lo não quis mais sair dali, porque a “experiência” com o Amado, o desejo de ser santa, a graça de ter experimentado da misericórdia Divina, tudo me fazia perceber que naquele carisma tão radical estava a minha salvação.
Deus me elegeu e me concebeu para Ele, mas agora, o que fazer? Tinha um obstáculo: só existia na missão de João Pessoa um “grupo de jovens” e um “grupo de casais”, onde obviamente, não me encaixava. Com muita insistência, após pedir em tom de brincadeira, mas literalmente, para “fazer uma plástica” e entrar no grupo de jovens ou “arrumar um noivo ligeiro para casar e entrar no grupo de casais”; minhas autoridades, obviamente muito mais coerentes que eu, criaram o grupo misto, o “Ori Adonai”. Foi onde iniciei meu caminho com 42 anos de idade. Jesus certamente viu que tudo em mim precisava de celeridade.
Entrar no vocacional não foi nem um passo a mais, foi um pulo, um grande salto. Decidi escolher esse novo trajeto e meu coração decidiu junto que eu seria só de meu Amado. Foi uma decisão absoluta, drástica, decisiva e completa: eu agora era só Dele. Só que ainda não conhecia o celibato, não sabia que existia essa possibilidade, mas no meu obscurantismo, Deus me escolheu: ali entreguei tudo, uma vida ordinária por uma vida extraordinária.
A Comunidade faz 30 anos, eu descubro o celibato
Algum tempo depois, já discípula, na comemoração dos 30 anos da Comunidade, estava na missa em Fortaleza, no Shalom da Paz, admirada com a presença da Emmir e do Moysés, quando uma senhora, dona Carmem Melo, numa breve conversa, me falou que me achava com “cara de celibatária”. Eu disse-lhe que achava que não poderia, porque tinha um filho… Sim, sou mãe biológica ímpar de Diego, “meu bebê”, e hoje, espiritualmente, de um pequeno prelado, desde que tutelei em minha soberania o padre Mário, o outro filho.
Nesse momento, bebendo da graça de ser Shalom, descobri através de Carmem que mesmo assim poderia seguir esse itinerário, e mais ainda, em oração, compreendi que já era celibatária desde a minha origem, desde que fui criada, e Jesus sempre me protegeu de um mal maior. Logo eu que tinha me afastado, escolhido atalhos e vielas em minha trajetória que me levaram a calabouços e as masmorras que pensava ser perpétuos. Mas Deus tinha Seus planos. Só Ele é eterno. O meu Amado foi mudando meu rumo e me trazendo de volta para o Seu roteiro, para juntos completarmos a viagem.
>>> 5 pontos sobre o celibato segundo Moysés Azevedo
Meus filhos espirituais, os sacerdotes
Quanto mais vivia esse “namoro” com meu Amado, mas Ele me mostrava que Seu perdão e Sua misericórdia me haviam alcançado. Fui gerando uma contínua e especial dileção por alguns sacerdotes, e pouco a pouco, fui experienciando amizades, e com muita ternura e determinação, a intrepidez de amar e cuidar deles. Alguns vieram fazer parte de minha vida. Outros, nutro esse amor materno, os tenho perto e rezo sempre por todos.
O primeiro me evangelizou, padre José Cláudio, meu grande amigo e espelho de humildade. Através de padre Marcelo Monte, na época ainda seminarista da Comunidade Shalom, a quem tenho uma grande e incondicional estima, Jesus foi trazendo para perto alguns outros: Pe. Mário Silva, que Jesus quis que ele precisasse morar em minha casa por um tempo e se tornou filho adotado (quase que no papel… rsss), Pe. Valdézio Nascimento (meu amigo confessor), Pe. Cláudio Amorim, Pe. Daniel Cruz, Pe. Irapuan Ramos, Pe. Felipe Batista, Pe. Jairo Neves, padre Deivson Santana, Pe. Paulo Cordeiro, Pe. João Paulo, Pe. Aristóteles Oliveira, Pe. Dorivaldo, Pe. Fábio Calisto, Pe. José Luís, Pe. Luciano, Pe. Luiz Júnior, Pe. José Romualdo Oliveira, Pe. Caio Cézar, Pe. Sérgio Santos, Pe. Vamberg Soares, Pe. Carlos Barbosa, Pe. Éliton Costa, Pe. Emmanuel Bandeira, Pe. Daniel Alves… e os que Ele quiser enviar. Por eles luto, enfrento, recebo pancadas, amparo nas agonias, mas sou toda alegria diante de suas vitórias.
“A fecundidade do celibatário é de natureza esponsal. Os filhos são gerados pela união com o Esposo” (Cardeal Raniero Cantalamessa).
O dia do SIM, em plena pandemia
A Comunidade demorou muito em me responder sobre meu desejo de iniciar o caminho do celibato. Eu sempre dizia às minhas autoridades que não tinha pressa, que tudo seria no tempo certo, só que queria colocar “meu anel”, extravasar esse amor esponsal e iniciar meu percurso. Em 2022, em plena pandemia, recebi minha resposta. Adentrei na nave da paróquia São Francisco com alguns desses filhos e amigos sacerdotes, para dar meu primeiro “SIM”, oficialmente, como Celibatária pelo Reino de Deus. Foi um dos melhores dias de minha vida. Eu, finalmente, iria peregrinar com meu Amado, num caminho sem volta, num roteiro a dois pelo Seu Reino.
Desde então, valido todos os dias de minha vida para corresponder com esse “SIM”, a legitimar todo o tempo que Ele me forjava para ser Sua esposa. Eu, concretamente, transito nessa estrada afortunada por uma graça que já pensei não merecer, mas que agora reconheço como uma trilha para o céu. E o céu é logo. Sem hesitar, porque essa graça me é dada por Ele, meu Amado.
“Eu sou do meu amado e meu amado é meu. Ele apascenta entre os lírios” (Cântico dos cânticos, 6, 3).
Nilda Vaz,
Celibatária e Consagrada na Comunidade de Aliança.
Que testemunho lindo. Que faz a pessoa querer amar ainda mais o Amado.