“Quem puder compreender, compreenda” – assim termina o versículo 12 do capítulo 19 no Evangelho de Mateus, muito frequentemente utilizado para fundamentar o chamado de Deus ao celibato. Mas quem são esses homens e mulheres de idades e temperamentos diferentes, jovens e adultos que se descobrem chamados a viver algo que Jesus mesmo sinalizava não ser compreensível a todos?
Eu mesmo sou celibatário há alguns anos e sempre gosto de me fazer a seguinte pergunta: Porque nem todos podem compreender? Às vezes parece que alcançar esta compreensão é para alguns ainda mais difícil que para outros, inclusive entre aqueles que trazem em si este chamado, esta escolha de viverem com o coração na terra do contrário.
E a pergunta me vem diante dos olhos enquanto escrevo neste exato momento:
Porque nem todos podem compreender?
Talvez não consigamos esta resposta sobre esta terra e nem tenho a pretensão de traçar sequer um esboço até o fim deste texto, mas feliz com o fato de ter feito esta escolha para sempre, me aventuro nesta reflexão junto com você, que me acompanha neste momento.
Errará o alvo da reflexão aquele que tentar compreender este chamado apoiado na lógica desta terra, pois o celibato é sinal de algo que está para além do que vemos e experimentamos em nossos dias aqui. Sim, o celibato está na lógica do céu e não pode ser vivido, ou sequer refletido se não na lógica da “terra do contrário”, na lógica do Reino de Deus onde quem perde ganha, quem se sacrifica vive feliz e quem renuncia recebe muito mais.
Na lógica desta terra será incompreensível não construir uma família sem ganhar nenhuma recompensa, não terá lógica a continência e a castidade em um mundo que diz que você precisa de satisfação imediata, não terá sentido perder noites de sono para ajudar desconhecidos. Os bons cuidariam dos seus enfermos em seus leitos, mas quem cuidaria dos que não tem ninguém por si, dos que perderam ou nunca tiveram pai ou mãe?
Na lógica da terra do contrário, na lógica do Reino dos céus abre-se mão de uma família humana para se dedicar à família divina com seus incontáveis filhos, abre-se mão das satisfações imediatas para preparar a alma para o gozo da presença de Deus que habita a alma e o corpo, nesta lógica contrária abre-se mão da licitude de cuidar dos seus para cuidar dos de Deus e ser pai e mãe de quem desconhece tal cuidado.
Na terra do contrário o não é um grande sim e jamais será uma negação ou fuga. Será uma escolha livre movida unicamente por um Amor maior que ao nascer e viver sobre esta terra também foi incompreendido. “Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam.” (Jo 1, 11)
Aceitamos enfim que nunca seremos capazes de esquadrinhar os porquês mas poderemos mirar o coração no lugar de onde tal chamado provém e ver ainda que de forma misteriosa que a resposta está apenas lá: no céu, na eternidade, onde o contrário é o direito e o logicamente humano desconhece os caminhos.
Mas por fim, quem são eles? Quem são estes homens e mulheres, jovens e adultos? Quem são eles?
Somos homens e mulheres feitos da mesma natureza que qualquer outro sobre esta terra, com anseios e medos, alegrias e dores, expectativas… Não somos heróis do tempo ou portadores de uma força angélica. Somos os fracos abrigados na força de um chamado. Apoiados na Graça desejamos apenas corresponder ao pedido de Deus para sermos seus lembretes. Sinais de uma realidade que espera a todos sem exceção. Somos concidadãos do Céus, espalhados pelo mundo dizendo que o Reino está próximo.
João Carlos Nascimento
Consagrado da Comunidade de Vida com Promessas definitivas
Celibatário pelo Reino dos Céus com votos perpétuos