O demônio, o satanismo e outros fenômenos relacionados são de grande atualidade e inquietam frequentemente a nossa sociedade. Nosso mundo tecnológico e industrializado está repleto de magos, bruxos urbanos, ocultismo, espiritismo, escrutinadores de horóscopos, vendedores de feitiços, de amuletos, assim como de autênticas seitas satânicas. Expulso pela porta, o diabo entrou pela janela. Ou seja, expulso pela fé, voltou a entrar com a superstição.
O episódio das tentações de Jesus no deserto (Mt 4,1-11; Lc 4,1-13; Mc 1,12ss), ajuda-nos a oferecer um pouco de clareza a este tema. Antes de tudo, existe demônio? Isto é, a palavra “demônio” indica de verdade alguma realidade pessoal, dotada de inteligência e vontade, ou é simplesmente um símbolo, um modo de falar que indica a soma do mal moral do mundo, o inconsciente coletivo, a alienação coletiva e coisas pelo estilo? Muitos, entre os intelectuais, não crêem no demônio segundo o primeiro sentido. Mas se deve observar que grandes escritores e pensadores, como Goethe ou Dostoievski, levaram muito a sério a existência de satanás. Baudelaire, que não era certamente trigo limpo, disse que “a maior astúcia do demônio é fazer crer ele que não existe”.
A principal prova da existência do demônio nos evangelhos não está nos numerosos episódios de libertação de possessos, porque na interpretação destes fatos pode haver influência de crenças antigas sobre a origem de certas doenças. Jesus tentado no deserto pelo demônio: esta é a prova. Provas são também os muitos santos que lutaram em vida contar o príncipe das trevas. Não são Quixotes que brigam contra moinhos de vento. Ao contrário: foram homens e mulheres concretos e de psicologia saudável.
Se muitos acham absurdo crer no demônio, é porque se baseiam em livros, passam a vida em bibliotecas ou no escritório, enquanto o demônio não se interessa por literatura, mas pelas pessoas, especialmente os santos. O que pode saber sobre satanás quem jamais teve nada a ver com sua realidade, mas só com sua idéia, isto é, com as tradições culturais, religiosas, etnológicas sobre satanás? Esses tratam habitualmente deste tema com grande segurança e superioridade, liquidando tudo como “obscurantismo medieval”. Mas trata-se de uma falsa segurança. Como se alguém deixasse de temer o leão aduzindo como prova o fato de que viu muitas vezes sua imagem e jamais lhe deu medo. Por outro lado, é totalmente normal e coerente que não creia no diabo quem não crê em Deus. Seria até trágico se alguém que não crê em Deus acreditasse no diabo!
O mais importante que a fé cristã tem a dizer-nos não é, no entanto, que o demônio existe, mas que Cristo venceu o demônio. Cristo e o demônio não são para os cristãos dois princípios iguais e contrários, como em certas religiões dualistas. Jesus é o único Senhor; satanás não é senão uma criatura que “se perdeu”. Se lhe concede poder sobre os homens, é para que estes tenham a possibilidade de fazer livremente uma escolha e também para que “não se ensoberbeçam” (2Cor 12,7), crendo-se auto-suficientes e sem necessidade de redentor algum. “Que loucura a do velho satanás – diz um canto espiritual negro. Atirou para destruir minha alma, mas errou o tiro e destruiu por outro lado o meu pecado.”
Com Cristo não temos nada a temer. Nada nem ninguém pode fazer-nos dano se nós não quisermos. Satanás – dizia um antigo padre da Igreja –, após a vinda de Cristo, é como um cão atado na árvore; pode latir e balançar quanto quiser; se não nos aproximamos, não pode morder. Jesus no deserto se libertou de satanás para libertar-nos de satanás!
Frei Raniero Cantalamessa, ofm (pregador da casa pontifícia)
Deus é a inteligência suprema causa primeira de todas as coisas. Esta inteligência é incompatível com a manutenção de seres chamados de demônios. O que existe são espíritos inferiores mas perfectíveis.