Dra. Amida Bergamini Miotto
Juspenitencialista, Professora de Criminologia e de Vitimologia
1 – Instrumentos normativos internacionais
1.1 – O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, promulgado no Brasil pelo Decreto n° 592/92 (portanto: lei no Brasil), dispõe, no art. 6: “Every human being has the inherent right to life. This right shall be protected by law. No one shall be arbitrarily deprived of his life “.
O texto inglês é o original. Nas traduções, a expressão human being é traduzida por personne humaine, no texto francês; por persona humana, no texto espanhol; por pessoa humana, no português. A expressão human being é mais ampla que personne humaine, persona humana, pessoa humana – significa o ser humano vivo, com inerente direito à vida, desde a concepção; vale o original.
A palavra personne, persona, pessoa tem-se prestado a tergiversações; realmente, conforme certa linguagem médica, é embrião, até “tantas” semanas após a concepção – permitido o aborto; todavia, após “tantas” semanas, já é feto – não mais permitido o aborto (abortamento)… já se tratando de pessoa. O human being, o ser (o ente) humano, tem inerente direito à vida, direito humano, que deve ser legalmente protegido, ele não pode – ninguém pode – ser arbitrariamente privado da sua vida; tem os demais direitos humanos e, bem assim, os adquiridos (legalmente outorgados). A proteção legal inclui todos os cuidados que devem ser-lhe prestados, conforme necessite para manter ou restabelecer a sua saúde e a sua integridade física e psíquica, sem as quais poderia ser arbitrariamente privado da vida, por omissão. Não há de ter sido por um lapso que o Pacto usou esta expressão, human being, no art. 6, a palavra person, pessoa, em vários artigos, e a palavra citizen, cidadão, no art. 25. Com efeito, a expressão human being tem sentido mais amplo; é de notar que toda pessoa é um ser humano, e que só o ser humano pode ser pessoa: nem toda pessoa é cidadão, mas somente quem, natural de um país ou naturalizado, tem certos direitos e deveres legalmente (constitucionalmente ) previstos.
Na linguagem jurídica, diz-se nascituro, sem distinguir “fases”, mas, ao contrário, numa só linha vital, desde a concepção até ao nascimento. O Código Civil Brasileiro (1916) “põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro” (art 4°, segunda parte); alguns dos direitos são especificamente mencionados em artigos diversos do Código.
1.2 -A Convenção Americana sobre Direitos do Homem, (Pacto de São José da Costa Rica). promulgada no Brasil pelo Decreto n° 678/92, é, pois, igualmente, lei no Brasil. Dispõe o art. 1.2: “Para los efectos de esta Convención, persona es todo ser humano “. Dispõe no art. 4.1: “Toda persona tiene derecho a que se respete su vida. Este derecho estará protegido por la ley y, en general, a partir del momento de la concepción. Nadie puede ser privado de la vida arbitrariamente “.
Isto é: sendo dado o mesmo sentido, com a mesma amplitude, à expressão ser humano e à palavra pessoa e protegendo o direito à vida expressamente desde a concepção, é a disposição da Convenção Americana que os não abortistas costumam citar.
Parece que não se dão conta da intercalada “em geral”. Se é “em geral”, quer dizer que “não é sempre”, há exceções… Quais seriam essas exceções? Seriam: gravidez resultante de estupro… ou malformações do nascituro… ou anomalias que possam ter repercussões psicológicas… ou não haver outro meio para salvar a vida da gestante… ou para preservar a gestante, de grave dano à sua saúde… ou fundada probabilidade, comprovada, de o nascituro apresentar graves e irreversíveis anomalias que o tornem inviável… ou… ou… – como certos códigos admitem ou pretendem admitir.
É ignorada a escala de valores e respectivos bens jurídicos, a qual reconhece a vida como o mais alto valor humano, e o bem jurídico vida, de alguém, de quem quer que seja, como o mais alto bem jurídico, o primeiro a, sem nenhuma exceção, ser protegido pela lei, pois, com efeito, sem vida é inútil falar-se em qualquer outro valor ou bem jurídico. O bem jurídico vida é a conditio sine qua non de todos os demais bens jurídicos.
Em termos de direitos humanos, igualmente a vida é o primeiro deles, protegido. De fato, o art. III da Declaração Universal de Direitos Humanos dispõe: “Todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. Nos mesmos termos, o art. I da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. A Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos, no art. 6, inicia com a vida a lista dos direitos que devem ser reconhecidos e cuja proteção deve ser garantida erga omnes. Portanto, a vida é o mais elevado bem jurídico, é o primeiro dos direitos humanos a ser protegido, garantido, prevalecendo – devendo prevalecer – sobre todos os demais; todos os demais dependem dela: sem ela não existiriam.
A brecha (“en genera/ “) aberta na Declaração Americana, é muito perigosa. Com efeito, cada bem jurídico de alguém, é a especificação do valor (humano) do mesmo nome, configurando um direito, igualmente do mesmo nome. Quando, pois, se extingue um bem jurídico de alguém, viola-se o valor do mesmo nome. Quando alguém – nascituro ou já nascido, tendo a idade que tiver – é matado, é extinto o seu bem jurídico vida, e é violado o valor humano, direito humano, vida. Quando, em algum caso é permitida a extinção de um bem jurídico, isto é, violação de um valor humano, sem que haja motivos de caráter ético-jurídico devidamente fundamentados e cautelosamente circunscritos (v. g. que configuraria legítima defesa, estado de necessidade…), apresenta-se a tendência a extinguir “aquele” bem jurídico de quem quer que seja, violando-se o respectivo valor humano, com apoio em motivos ético-juridicamente inaceitáveis (interesses espúrios). Tratando-se da vida: em termos comuns a vida fica “barateada”; o valor humano vida não é somente violado, mas é degradado, na escala de valores, para abaixo de quaisquer interesses e até caprichos, ou dele se faz caso omisso. A opinião pública está impregnada de propaganda clara ou sub-reptícia em favor do aborto (abortamento), e de notícias a respeito de homicídios e tentativas de homicídios, e outros tipos de delitos que têm, indireta ou secundariamente, o resultado morte; à parte aqueles que podem ter tido motivação ético-juridicamente válida, estão sendo cada vez mais freqüentes, quase diria generalizando, os casos de tais fatos praticados com motivação ético-juridicamente inaceitável – motivos fúteis, e até ausência de motivos, contra quem é “arbitrarily deprived of his life” conforme a expressão usada nos citados artigos dos mencionados Istrumentos normativos internacionais.
2 – O aborto – injusta agressão contra o nascituro
2.1 – Além das considerações próprias da Filosofia do Direito e dos Direitos Humanos, cabem outras observações, indagações e preocupações, tais como:
A Declaração de Genebra, adotada pela Assembléia Geral da Associação Médica Mundial (setembro de 1948) apresenta o texto do juramento feito “Na hora de ser admitido como um membro na profissão médica”; é o Juramento moderno, substituindo o Juramento de Hipócrates. No seu último parágrafo (com alguma modificação na redação, ou por motivo de tradução) reza: “Mostrarei o máximo respeito pela vida humana, desde o momento da sua concepção; nem mesmo coagido farei uso dos meus conhecimentos médicos para fins que sejam contrários às leis humanas”. A Declaração de Oslo, “Pronunciamento sobre o aborto terapêutico”, adotada pela 248 Assembléia-Geral da Associação Médica Mundial (1970), repetindo o que consta da Declaração de Genebra, quanto a respeitar a vida desde a concepção, admite, como exceção – ainda que única exceção, e mediante reservas e cautelas estabelecidas em cláusulas da mesma Declaração – o aborto terapêutico em “Circunstâncias que importem em conflitos entre os interesses vitais da mãe e do feto (..)”. Todavia, permanecem os termos do juramento, sem aludir a qualquer exceção.
2.2 – Aborto terapêutico
Na primeira metade da década de 1950, Giorgio Frache, Professor Adjunto de Medicina Legal da Università degli Studi di Roma, alertava que, até mesmo em certos casos como o de gravidez extra-uterina, nos quais a gestante corre sérios riscos de vida, e o nascituro não tem possibilidade de sobreviver (não é viável) não deve ser admitido o abortamento, pois, com efeito, uma coisa é não viver – morrer de morte natura – e outra, ética e juridicamente bem diferente, ser matado – Os sérios riscos de vida que a gestante corria, podiam ser controlados, eliminados. Como exemplos ilustrativos, citava casos reais, nos quais tinha havido o desejado êxito ético-jurídico, ao mesmo tempo que fora salva a vida da gestante.
Outras situações há em que, padecendo, a gestante, de determinada doença (esta ou aquela) a gravidez estaria pondo em perigo a sua vida, perigo esse que desapareceria “interrompendo-se a gravidez”; são situações de “conflitos entre os interesses vitais da mãe e do feto”, como diz a Declaração de Oslo.
Há aproximadamente meio século, o Prof Frache observava que em todos os casos e situações de aborto dito “terapêutico”, podia ocorrer e ocorria, que médicos procurassem “Justificar” a provocação do aborto com o argumento de que a Medicina não dispunha de meios ou condições para salvar a vida da mãe sem “interromper a gravidez”; em realidade, acrescentava, eles é que, não conhecendo tais meios e condições ou não sabendo usá-los, atribuíam a falha da Medicina o que era desatualização ou despreparo deles. Esses argumentos são, por si mesmos – sem ser preciso menção expressa nem qualquer digressão de ordem jurídica – uma repulsa à invocação (equivocada invocação, em favor da gestante) da legitima defesa ou do estado de necessidade, para “justificar” abortos.
Desde então, a Medicina e, igualmente, a Biologia, a Genética e todas as ciências a elas afins ou delas acessórias, têm feito extraordinários progressos. Paralelamente, as precauções quanto ao preparo e formação dos médicos e demais profissionais da saúde, por sua vez têm aumentado em exigências de cursos e diplomas, bem como imposições diversas, de acordo com e ética médica. Não obstante, ainda hoje em dia se encontram médicos que atribuem a insuficiências ou falhas da Medicina, aquilo que é despreparo, má formação, não atualização deles.
2.3- Aborto psicossocial; aborto “político”
O aborto seria necessário: para evitar ou solucionar quaisquer problemas de ordem econômica – desemprego, baixo salário, moradia; por motivos subjetivos, da gestante – solteira ou,.sendo casada, ter engravidado extra-conjugalmente; quaisquer outros motivos, dela mesma, ou inculcados nela por quem (pessoa, entidade, órgão) tem interesse em induzi-la a abortar. Consoante observa Marciano Vidal, CSSR,.professor do Instituto de Moral de Madri: “As indicações psicossociais são as causas mais frequentes do número de abortos no mundo”, funcionando esse tipo de aborto, em realidade, mais como “método de controle da natalidade” [1]
Pode-se distinguir: problemas de ordem econômica e quaisquer outros de caráter subjetivo, e o gravíssimo problema da fome no mundo. Em qualquer das duas situações, é absurdo pretender solucionar os problemas mediante o aborto, que é a extinção da vida do nascituro, violação do valor humano vida.
Na primeira situação, aparecendo mais o aspecto psicossocial, a solução há de ser buscada em sensatas providências governamentais, aliadas à participação privada – pessoas e entidades – que se disponham a prestar, com espírito de solidariedade, a assistência em cada caso necessária e adequada.
Quanto à outra situação, aparecendo mais o aspecto ao mesmo tempo econômico e político, que não é simplesmente subjetivo, Pedro Roumié, médico ginecologista paraense – autor do livro intitulado Controle da natalidade A quem interessa? – refere-se aos países ricos e desenvolvidos, que são a minoria, para os quais a fome, no Terceiro Mundo, se deve à superpopulação, sendo necessário conter o seu aumento. Apoiado em especialistas merecedores de crédito e em documentos diversos, e nas próprias observações no exercício profissional, assegura que não é verdade que a fome seja devida à superpopulação, mas, ao contrário, a desnutrição estimula a fertilidade. Demonstra com estatísticas, que, “quanto mais baixo o nível de vida, mais alta a taxa de natalidade”, e vice-versa. Os países ricos, porém, ao invés de partilhar seus produtos com os países pobres, e oferecer-lhes ajuda solidária, preferem impor-lhes controle da natalidade mediante contraceptivos, alguns dos quais são em realidade abortivos, e mediante, também, esterilização. [2] Denis L St. Marie, sacerdote, um dos conferencistas no Congresso pela Família das Américas (Guatemala, julho de 1980), advertiu, no correr da sua conferência: “Nós devemos ter em mente, especialmente na América Latina” que muitos governos estão sob forte pressão para reduzir o crescimento populacional, como condição para receber empréstimos do exterior. Desse modo, tais governos transferem essa pressão para os Ministérios da Saúde e estes a transferem para os médicos”. [3]
Vale lembrar que os “interessados” usam de quaisquer meios para alcançar o seu intento de controle da natalidade, inclusive o de dizer, deturpando o sentido, “planejamento familiar” e “paternidade responsável”, como se fosse sinônimos de controle da natalidade (dito de outro modo: como se controle da natalidade quisesse dizer, fosse o mesmo, que planejamento familiar, paternidade responsável).
2.4 – Aborto eugênico
Esse tipo de aborto (não confundível com o terapêutico) faz lembrar as práticas nazistas de “purificação da raça”, consideradas execráveis; os especialistas que as incluíam em seus objetivos e em suas práticas, vieram a ser caçados para serem condenados como os mais abomináveis criminosos contra a humanidade. Realmente, com o aborto eugênico pretende-se impedir o nascimento de nascituros que tenham, causadas por fatores diversos, deformações físicas ou anomalias psicofísicas, verificadas pelo exame pré-natal, ou que, por doença da mãe (v. g. rubéola), haja possibilidade (probabilidade) de nascerem defeituosos ou doentes. Só teriam direito de nascer os nascituros normais, isentos de qualquer defeito, ou distúrbio da saúde (atual ou previsível).
Dernival da Silva Brandão, médico especialista em Ginecologia e Obstetrícia, Membro titular da Academia Fluminense de Medicina, observa: “A medicina fetal reconhece o nascituro como um paciente, inclusive submete-o a tratamento intra-uterino, quando necessário”. O diagnóstico pré-natal deve servir para o bem da pessoa (nascituro), “e ser adequado à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento de enfermidades e não para discriminar os que são portadores de genes patogênicos ou defeitos congênitos”. [4]
Quanto aos casos de “anencefalia” – Léo Pessini, MI, Mestre em Teologia Moral, pós-graduado em Bioética, membro da Diretoria da Associação Intemacional de Bioética, e Christian de Paul de Barchifontaine, MI, enfermeiro, Mestre em Administração Hospitalar e da Saúde, informam que “consiste na ausência, no feto, dos dois hemisférios cerebrais”, acrescentando eles: “Não corresponde exatamente, no plano médico, à ‘morte cerebral’. O sinal inequívoco desta reside na constatação da ausência funcional e definitiva do tronco cerebral. Ora, este está presente nos fetos anencefálicos e permite, em alguns casos uma sobrevivência de alguns dias fora do útero materno. [5] É também esse um caso de o nascituro não ter possibilidade de viver ou sobreviver (não ser viável), ao qual também, pois, se aplica a observação de Giorgio Frache: “uma coisa é não viver – morrer de morte natural – e outra, ética e juridicamente bem diferente, ser matado”.
2.5- Aborto humanitário ou aborto sentimental
É assim denominado o provocado em caso de gravidez resultante de estupro. Pretendem justificá-lo com explicações diversas. Entre elas: a gravidez não tendo sido fruto do amor, mas resultado de violência, a mãe não pode amar o filho concebido contra a sua vontade; o filho, rejeitado desde a concepção, nascerá rejeitado e viverá rejeitado, tendo, provavelmente, distúrbios da personalidade e problemas de conduta; ambos, mãe e filho, serão infelizes.
Não prevalecem essas explicações, apresentadas como justificativas. Com efeito, existe “no ar” essa _idéia que transparece nas pretensas justificativas, que pode ser confirmada, reforçada, até, para a estuprada gestante, por pessoas próximas a ela. Todavia, ela pode, em sentido contrário, ser esclarecida, aconselhada, por alguma pessoa da família, algum amigo ou amiga, uma assistente social, um psicólogo ou psicóloga, um ministro da sua religião (um padre, se for católica). Relevante número de casos conhecidos indica que a mãe gestante, esclarecida racional e afetivamente, deixou de rejeitar o filho nascituro, aprendeu a aceitá-lo e amá-lo, enquanto o filho, sentindo-se querido, amado, urna vez nascido criou-se normalmente, sem outras dificuldades ou problemas que não os costumeiros na vida de qualquer criança, adolescente, jovem ou adulto. Em outros casos, a gestante, concordando em não abortar, mantendo, porém a rejeição ao filho nascido, a solução pode completar-se mediante o instituto da adoção (com ou sem um período de permanência da criança em entidade apropriada). Também se conhecem casos, que não são meras exceções, de mães que queriam ou quiseram o filho de volta. Na obra de autoria coletiva, Aborto. O direito à vida, laureada em 1982, pela Academia Brasileira de Medicina, com o Prêmio GENIVAL LONDRES, de Ética Médica, lê-se: “Pelo fato de ter sido a mãe vítima de brutalidade e engravidada por violência, quer – se justificar o extermínio, pelo médico, de uma vida humana inocente e indefesa, ainda no ventre materno, violentando-se, assim, o espírito e a finalidade da Medicina, o respeito à vida humana e, conseqüentemente, o Direito e a Justiça”. [6] Na mesma obra também se lê: “É incontestável que o abortamento é uma ação contra a vida, é atentado contra uma existência humana. Afirmar contrariamente é falsear a verdade para justificar atos “convenientes às difíceis circunstâncias do momento”. [7]
Esses mesmos argumentos valem quando se trate de gravidez resultante de estupro entre cônjuges, na constância da vida matrimonial, e entre companheiros -na convivência da relação de fato. [8]
2.6 – Observações
Em todas essas figuras de pretensas justificativas do aborto provocado (isto é, abortamento) há uma extinção do bem jurídico vida do nascituro, em favor de interesse da gestante ou (nem sempre tão velada ou implicitamente) de outrem – de uma pessoa, de uma entidade ou de uma “política”. O interesse só é direito quando legítimo; quando não legítimo, é juridicamente irrelevante.
Ainda que, em todos esses casos, seja legítimo – seja direito, portanto, havendo, então conflito de direitos: o direito à vida da gestante e o direito à vida do nascituro, não é lícito o aborto. Com efeito, o direito à vida não tem gradações, segundo quem seja o seu titular; é sempre, em qualquer caso o maior direito de alguém, quem quer que seja, dele dependendo todos os demais; é, convém repetir, a conditio sine qua non de todos os demais direitos, assim como o valor vida o é de todos os demais valores humanos. A ninguém cabe decidir que o direito à vida da mãe, é maior, devendo, portanto, “ser interrompida a gravidez”. O eufemismo “interromper a gravidez” não confere licitude ao aborto (abortamento), não toma menor a crueldade de matar o nascituro – matar um inocente indefeso.
Bernhard Haering, CSSR, o conhecido Mestre da Teologia Moral dos nossos tempos, pergunta (como que para provocar a consciência do leitor) se a criança, ainda por nascer como a que já nasceu, tanto a que é normal como a que é anormal, “que não satisfaz a expectativa do adulto para a sua felicidade utilitarista, tem o direito a viver e à existência humana”. Prosseguindo, refere-se à expressão “filhos queridos” (isto é, desejados), cada vez mais ampla e abrangentemente usada, para “justificar” o aborto (dos “não queridos”…), pergunta: “Essa expressão “filhos queridos” significa, porventura, que os pais são livres em optar pela aceitação ou não dos filhos?” E acrescenta: “A maneira como o argumento ‘filhos somente queridos’ é empregada em favor do aborto (…) leva a rejeitar um número sempre crescente de filhos que, de qualquer forma não serão tratados como deveriam sê-lo, isto é como membros queridos da raça humana”. [9]
Mais adiante, a propósito da “Consulta genética e diagnóstico pré-natal” – em linguagem corrente, “exame pré-natal” – lembra Haering que esse exame se destina à verificação do estado de saúde, normalidade, bem-estar do nascituro, a fim de, se tudo vai bem, tranquilizar os pais, ou, se algo não vai bem, fazer o tratamento adequado para sanar o que não vai bem. Entende-se que o exame pré-natal é, deve ser, sempre em favor do nascituro; tem, deve ter, sempre, finalidade benéfica para ele. Entretanto, tem sido utilizado para “descobrir” alguma coisa a ser invocada como justificativa de aborto – desde anomalias físicas, psíquicas, cromossômicas, até o sexo não desejado do nascituro… Todas essas manobras entram no campo da “manipulação” do nascituro. [10]
Podemos acrescentar que, desse modo, o nascituro deixa de ser tratado como pessoa, sujeito de diretos, para ser tratado como coisa, objeto das manipulações – manobras ilícitas, fatos (isto é, ações com seu resultado) lesivos, até ao ponto de extinguir-lhe a vida, o primordial direito humano vida.
3 – Início da vida
3.1 – Sendo, como é, certo que a vida é, em termos de Filosofia do Direito – o maior valor humano e o bem jurídico vida é, por sua vez, o maior bem jurídico (o maior direito) e, em termos de Direitos Humanos, é o primeiro a ser reconhecido e respeitado, quer corresponda a valor humano quer a bem jurídico – conditio sine qua non de todos os demais valores humanos, bens jurídicos (direitos) , assim como de todos os Direitos Humanos, impõe-se indagar em que momento a vida de alguém começa? Desde que momento existe o bem jurídico, o direito humano vida?
– A esse respeito, há opiniões diversas. A dos abortistas, para os quais essa questão parece não ter importância; as dos não abortistas, para os quais essa questão tem importância, divergindo porém quanto ao momento inicial: concepção ou outro momento, mais tarde. Esse outro momento pode ser o da “nidação”, isto é, quando o óvulo fecundado se implanta no útero, o que começa entre o 6° e o 7° dias após a concepção. Antes disso, argumentam, não se pode falar em vida humana. Alguns teólogos católicos adotam esse modo de pensar. Quid, porém, ante a realidade da fecundação in vitro? – Há também os que entendem que o aparecimento do “córtex cerebral”, no 14° dia, é fator decisivo para determinar a “hominização”; entre esses, encontram-se teólogos protestantes. [11]
Por outro lado, especialistas em Medicina, Biologia, Genética e respectivas ciências afins e ancilares, apresentam sólidos argumentos em favor do início do ciclo vital de um “indivíduo humano”, no instante da concepção, isto é, união do óvulo e do espermatozóide – “fusão dos gametas”; o novo ser (ente) humano, unicelular, já tem o seu próprio código genético; o seu próprio “genoma”, resultante dessa fusão, diferente porém do genoma do pai e do genoma da mãe, o qual permanecerá o mesmo, imutável, até o fim da sua vida, conferindo-lhe individualidade, o que quer dizer que ele é e sempre será idêntico a si mesmo e diferente de todos os demais.
Sérgio Ferraz, jurista, professor, advogado, seguindo o pensamento dos aludidos especialistas, assim se expressa: “Uma coisa é indiscutível: desde o zigoto, o que se tem é vida, diferente do espermatozóide e do óvulo; vida diferente do pai e da mãe, mas vida humana, se pai e mãe são humanos. Pré-embrionária no início, embrionária, após, mas vida humana. Em suma, desde a concepção há vida humana nascente, a ser tutelada”. [12]
3.2 – Até há não muitos anos, a preocupação com a incolumidade do nascituro se traduzia em defendê-lo contra o aborto. O rápido desenvolvimento da Biologia e ciências afins e ancilares, exige que a preocupação se estenda para defende-lo contra agressões devidas a motivos ou finalidades de pesquisa, experimentos, terapia (v.g. extração de células “estaminais”, as quais, no entanto, podem ser obtidas de humanos adultos ou de tecidos fetais ou embrionários de animais de laboratório. [13]
Esse rápido desenvolvimento se deve muito a Jérôme Lejeune, doutor em Medicina, em Ciências e em Filosofia, professor de Genética, pesquisador, cujas verificações e descobertas trouxeram seguros conhecimentos sobre a vida humana e seu início. Já era conhecida a síndrome de Down que, devida a uma desordem nos cromossomas, se manifesta fisicamente, com características que levaram à denominação de “mongolismo”, e com deficiências da inteligência. Em 1959, Léjeune identificou essa desordem: um cromossoma a mais no par 21, configurando o “trissoma 2l”. A partir de então, suas verificações, descobertas e realizações, continuadas por seus seguidores, puderam comprovar cientificamente o que já se afirmava: a vida humana começa na concepção, e, mais, ali já está definido o genoma que identifica, individualiza, o novo ser (ente) humano. [14]
Uma vez que o bem jurídico vida, de cada indivíduo humano, nascituro ou nascido, decorrente do valor humano vida, do qual todos os demais dependem – a ele se subordinam todos os demais bens jurídicos. É, portanto, inaceitável destruir ou lesar o bem jurídico vida de quem quer que seja (nascido, de qualquer idade) ou nascituro (desde a concepção), ainda que não tenha possibilidade de viver, não seja viável). Esse primordial bem jurídico é um direito, não concedido pelo Estado nem por qualquer entidade supra-estatal, com suas normas jurídicas, mas que deve ser juridicamente reconhecido, respeitado e protegido pelo Estado e pelas entidades supra-estatais, porque é direito natural, inherent right, direito humano.
Tendo inerente direito à vida, direito humano, como tem, desde a concepção, o nascituro tem dignidade humana, que deve igualmente ser reconhecida, respeitada e protegida.
Além dos direitos humanos, que hão de ser-lhe juridicamente reconhecidos, podem ser outorgados outros direitos ao nascituro; aqueles e estes devem ser respeitados e protegidos. Isso significa que o nascituro, desde a concepção é titular de direitos; embora não tenho o exercício, tem o gozo de direitos Ora, juridicamente falando, o titular de direitos não é somente indivíduo, um ser idêntico a si mesmo e diferente de todos os outros, mas é algo mais: é pessoa, independentemente de ser fisicamente bem formado ou ser disforme, ser psicofisicamente normal ou anormal, ser sadio ou doente.
3.3 – O Conselho da Europa expediu (1986) uma Recomendação sobre “Os direitos do embrião humano”. Nela se lê: “5. Considerando que desde o momento da fertilização dos óvulos a vida humana se desenvolve com um projeto contínuo, (…)”. “8. Tendo a convicção de que, em vista de um progresso científico que torne possível intervir no desenvolvimento da vida humana desde o momento da fertilização, é motivo de urgência definir a extensão de sua proteção legal”. “10. Considerando que os embriões e os fetos devem ser tratados em todas as circunstâncias com o respeito devido à dignidade humana, (…)”.
3.4- A Conferência Geral da UNESCO (1997), expediu uma Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos. Assim começa: “A. Dignidade do Genoma Humano”. “Artigo 1° – O genoma humano (…). Num sentido simbólico, e a herança da humanidade. Artigo 2° – a) Todos têm direito ao respeito por sua dignidade e seus direitos humanos, independentemente de suas características genéticas. b) Essa dignidade faz com que seja imperativo não reduzir os indivíduos a suas características genéticas e respeitar sua singularidade e sua individualidade. (…). Artigo 6° – Ninguém será sujeito a discriminação baseada em características genéticas que vise infringir ou exerça o efeito de infringir os direitos humanos, as liberdades fundamentais ou a dignidade humana”.
4 – O Magistério da Igreja (Católica)
4.1 – A vida, o respeito que lhe é devido, desde o momento da fusão dos gametas, não é “questão que interessa à religião, aos religiosos” como se tem ouvido clamar e proclamar. É uma questão de interesse legítimo para a ciência e os cientistas, a tecnologia e os tecnólogos, o direito e os juristas, independentemente de religião ou ausência de religião.
Para os católicos, acolhendo todos esses fundamentos que servem a quem tem religião ou não tem, a legitimidade desse interesse tem um acréscimo: a vida é um dom de Deus. Daí, o respeito à vida e à dignidade de todos os humanos vivos, desde a concepção até à morte. O Magistério da Igreja tem-se repetidamente manifestado nesse sentido.
Como exemplos ilustrativos dessas manifestações, vale citar: Concílio Vaticano n (1965) – Constituição Pastoral Gaudium et Spes: “Deus, com efeito, que é o Senhor da Vida, confiou aos homem o nobre encargo de preservar a vida para ser exercido de maneira condigna ao homem. Por isso a vida deve ser protegida com o máximo cuidado desde a concepção” (n° 51, terceiro parágrafo).
A instrução Donum vitae (1987) é toda dedicada à proteção do nascituro, com argumentos de ordem moral, jurídica e espiritual.. Afirma: “O ser humano deve ser respeitado e tratado como pessoa, desde a sua concepção e, por isso, desde aquele momento devem ser-lhe reconhecidos os direitos de pessoa, entre os quais, antes de tudo, o direito inviolável à vida de cada ser humano inocente”. A mesma proteção e respeito merecem o ser humano concebido no útero e o gerado in vitro. 0 embrião e o feto hão de receber, como qualquer pessoa, o tratamento médico de que venham a precisar; enquanto que representa um delito contra a sua dignidade de ser humano, usar um ou o outro como objeto ou instrumento de experimentação. [15]
0 Catecismo da Igreja Católica (1992) dispõe: “A vida humana deve ser respeitada e protegida de maneira absoluta a partir do momento da concepção. Desde o primeiro momento da sua existência, o ser humano deve ver reconhecidos os seus direitos de pessoa, entre os quais o direito inviolável de todo ser inocente à vida (n° 2270) .(…). O direito inviolável de todo indivíduo humano inocente à vida constitui um elemento constitutivo da sociedade civil e da sua legislação (n° 2273). (…). Visto que deve ser tratado como pessoa desde a concepção, o embrião deverá ser defendido em sua integridade, cuidado e curado, na medida do possível, como qualquer ser humano (n° 2274)”.
A Carta aos Profissionais da Saúde (1993) [16] do Pontifício Conselho da Pastoral para os Profissionais da Saúde, adota (n°s 35-36), quanto ao “Início de um novo indivíduo humano”, a afirmação feita pela Declaração sobre o aborto provocado, da Congregação para a Doutrina da Fé (1974): “A partir do momento em que o óvulo é fecundado, inaugura-se [17] uma nova vida que não é aquela do pai ou da mãe, mas a de um novo ser humano que se desenvolve por conta própria. E não será jamais humano se não o tiver sido desde então… Desde a fecundação é iniciada a aventura de uma nova vida humana. (…)”. As recentes aquisições da biologia humana vêm confirmar que no ovo que deriva da fecundação já se encontra constituída a identidade biológica de um novo indivíduo humano”. Adiante, após reconhecer “a individualidade biológica e por isso a natureza pessoal do ovo, desde a concepção”, declara que “é errado, podendo inclusive afastar da reta doutrina. falar em pré-embrião, se por isso se entende um estágio ou uma condição de vida pré-humana do ser humano concebido”. Referindo-se à solicitude, que os profissionais da saúde devem ter, com “o mesmo respeito, a mesma proteção e o mesmo cuidado devido a uma pessoa humana. “reafirma:” A vida pré-natal é vida plenamente humana em todas as fases do seu desenvolvimento”.
A Carta Enciclica Evanlgelium Vitae, sobre o valor da vida e a inviolabilidade da vida humana (1995), do Papa João Paulo II, é uma condensação das diretrizes do Magistério da Igreja, a respeito da vida – valor humano fundamental, assim como do correspondente bem jurídico, que deve ser respeitado e defendido desde a concepção, durante todas as etapas e situações vitais, até à morte ( entendendo-se que o desrespeito ao bem jurídico vida, leva a violar e negar o próprio valor humano vida). A vida – valor humano fundamental e correspondente bem jurídico, direito humano fundamental, direito erga omnes -, é, como repetidamente dito nesta Encíclica, um dom divino, daí ter “um caráter sagrado e inviolável no qual se reflete a própria inviolabilidade do Criador”.
Como tantas vezes tem acontecido com os pronunciamentos do Magistério, esta Encíclica concorda com as modernas evoluídas e bem fundadas verificações da Medicina, da Bioética e da Genética, desde que feitas com o método científico próprio de cada uma delas – quando não as antecipa, como tem ocorrido. Tratando-se da vida nascente e do nascituro: quando não se tenha antecipado ou acompanhado a evolução, concorda, em termos, isto é, com tudo aquilo que não viola o valor humano da vida nascente nem destrói ou lesa o inerente direito à vida, do nascituro, nem faz caso omisso da sua, também ela, inerente dignidade humana. Violar tal valor assim como destruir Ou lesar tal direito, fazer caso omisso de, tal dignidade, significa dispor arbitrariamente da vida do inerente direito à vida e inerente dignidade humana do nascituro. Ora, a Encíclica lembra autorizadamente: “O Criador confiou a vida do homem à sua solicitude responsável, não para que disponha arbitrariamente dela, mas a guarde com sabedoria e administre com fidelidade” (n° 76, 2° parágrafo). A Encíclica inclui também observações e considerações de ordem a ético-jurídica, e repele os excessos daquele pluralismo que conduz a “total autonomia para dispor da própria vida e da vida de quem ainda não nasceu”, assim como o seu oposto, isto é, a adequação das normas de conduta garantidoras da convivência social, “exclusivamente à vontade da maioria”. (n° 68, 4° parágrafo, e 69, 10 parágrafo). Ambas essas posições têm servido para pretender “liberar” ou “legalizar” o aborto. As leis que atendam a essas pretensões são “radicalmente não só contra o bem do indivíduo, mas também contra o bem comum e, por conseguinte, carecem totalmente de autêntica validade jurídica (n° 72, 3° parágrafo). “Leis desse tipo (…) geram uma grave e precisa obrigação de opor-se a ela através da objeção de consciência” (n° 73, 1° parágrafo). O Cap. IV da Encíclica tem como subtítulo “Por uma nova cultura da vida humana”, que é a cultura do Evangelium Vitae – Cultura da Vida, contrapondo-se à Cultura da Morte.
4.2 – Essa amostra do ensinamento do Magistério da Igreja. parece que é bastante para se saber, ter certeza de que a Igreja se preocupa com o grave problema da vida – seu início, a condição de pessoa, isto é sujeito de direitos, sendo a vida o primordial, tendo as intrínsecas concomitâncias e conseqüências ético-jurídicas e espirituais. Servindo a essa preocupação, a Igreja tem acompanhado a evolução da Medicina, da Biologia, da Genética e respectivas ciências afins e ancilares, assim como da técnica e da tecnologia que as acompanham e servem. Esse acompanhamento não é de mero espectador, mas de participante, quando não de protagonista. por intermédio de respeitáveis especialistas que atuam quer individualmente quer em grupo, equipe.
Assim sendo, esses ensinamentos do Magistério da Igreja são válidos não só para quem é católico, mas para quem não o é, embora seja cristão, como, igualmente, para quem não é cristão e para quem não tem religião nem fé.
4.3 – Nessa linha de preocupação e atividades, foi instalada. em 1994, a Pontifícia Academia para Vida. É composta de setenta especialistas, do mundo todo, escolhidos independentemente de serem católicos ou não, de terem ou não religião, mas que sejam reconhecidamente grandes especialistas, e procedam de acordo com o Código de Ética das respectivas profissões. A Academia não se propõe substituir a ciência. nem estar acima dela. mas ao lado, estimulando-a nas pesquisas e nas conclusões práticas e aplicações. Cada um dos acadêmicos pontifícios assina um documento, pelo qual “se compromete a reconhecer em cada membro da espécie humana uma pessoa à qual é devida a mesma dedicação desde a concepção até aos últimos instantes da vida”. Daí, direitos humanos inalienáveis, próprios de cada momento da vida, desde a concepção até aos últimos instantes – morte. – que devem ser defendidos, contra qualquer agressão ou manipulação. Daí, também: a proibição do aborto e da eutanásia; a proteção do genoma humano, como patrimônio da humanidade; o alívio do sofrimento e a cura de doenças; a salvaguarda da saúde e correção de defeitos hereditários… “preservando o respeito da dignidade e da sacralidade da pessoa”.
O presidente da Academia é escolhido pelo Papa. Devendo ser o primeiro, foi escolhido Jerôme Lejeune, o incansável estudioso, pesquisador, realizador, já atrás citado, a cujas pesquisas, experimentos e realizações, muito devem as que podemos denominar “Ciências da Vida”, principalmente o rápido e constante progresso que elas têm feito a partir da identificação do “trinômio 21” (1959). Lejeune, porém, faleceu em 3/4/1994.
Os setenta membros (ordinários) da Academia são nomeados pelo Papa, “escolhidos de várias nações, que representam as disciplinas ligadas à vida (…)”. A Academia tem também membros correspondentes, “que servem como contatos entre os institutos e centros de estudos e prática da cultura da vida existente no mundo”. Com o esclarecimento de que “a Igreja não quer substituir nem colocar-se acima do trabalho da ciência, mas estar ao lado dela e estimula-la tanto na pesquisa como nas suas conclusões e aplicações práticas”, é lembrado que “a Igreja sabe – como disse o Concílio Vaticano II – que servindo à vida, não pode entrar em choque com a ciência”17
5 – O binômio vitimário-vítima
Em todos os fatos humanos (isto é, praticados por uma pessoa) lesivos se encontra o binômio “vitimário-vítima” (“delinquente-vítima”). Tanto aquele como esta, pode ser unipessoal ou pluripessoal ou coletivo; a vítima pode estar incluída numa vitimização difusa, indistinta, indefinida. Quando tais fatos atingem a vida (extinguindo-a), ou a saúde ou a integridade física ou psíquica, vítima é sempre um ser (ente) humano, desde a concepção até à morte; isto é, um só (ser humano) ou dois ou mais ou uma coletividade ou difusamente, indistintamente, indefinidamente. Vitimário é quem tenha praticado o fato lesivo ou tenha concorrido para ele. Se a vítima é um nascituro, a mãe, gestante, pode ser o vitimário exclusivo ou pode sê-lo em concurso com outrem. profissional da saúde ou não, inclusive o pai. Quando em concurso, ela será vitimário se, isenta a sua vontade, de qualquer vício, livremente quis aborto; se, porém, viciada a sua vontade, por ter sido induzida ou mantida em erro de qualquer natureza, ela quer ou admite o aborto, será ao mesmo tempo, vitimário do nascituro e vítima de quem a induz ou mantém em erro, isto é, do vitimário unipessoal ou pluripessoal, dela. Caso, porém a sua vontade tenha sido, por qualquer meio, violento ou astucioso, inteiramente anulada ou impossibilitada de se manifestar, ela será somente vítima, assim como quando o aborto é feito contra a sua vontade; ela e o nascituro serão vítimas. Essas considerações valem em quaisquer casos de vitimização do nascituro – seja ele concebido no útero ou gerado in vitro; seja ele perfeito ou tenha alguma anomalia, leve, grave ou gravíssima. É sempre uma vítima inocente, indefesa.
Fonte: ACI Digital