Reconhece-se nos direitos humanos conceitos admitidos pela razão universal em defesa da dignidade e da liberdade humana, capazes de agir em proteção aos direitos e deveres da consciência individual. Nesse sentido, “o movimento rumo à identificação e à proclamação dos direitos do homem é um dos mais relevantes esforços para responder de modo eficaz às exigências imprescindíveis da dignidade humana.”[1]
De fato, atendendo à transcendência humana, as coisas devem submeter-se às pessoas, e nunca o contrário[2], sob pena de comprometer-se a dignidade do homem; pois, denegrindo valores autenticamente sociais, provoca-se uma sociedade doente. Para evitar, o progresso precisa observar o bem do ser humano de maneira ética, ou seja, evitando qualquer tipo de instrumentalização do homem e respeitando a sua liberdade, uma vez que “o exercício da vida moral atesta a dignidade da pessoa.”[3]
O essencial dos Direitos Humanos
Uma vez que “a religiosidade representa a expressão mais elevada da pessoa humana porque é o ápice da sua existência racional”[4], a ordem natural reclama a presença do sobrenatural para manter-se firme, de modo que a compreensão dos direitos humanos apresenta consistência também na medida em que se ancora na verdade revelada por Deus sobre a criação humana.
Contudo, atualmente, corre-se o risco de afastamento dos direitos humanos para longe do referencial religioso. Tal clivagem, no entanto, não agrega, mas ao contrário, fragiliza a relevante teoria. De fato, ao se apartar do valor do sagrado, a boa ideia fundada nos direitos humanos encontra-se sob a ameaça por ser conduzida a uma indevida multiplicação de direitos que, ao invés de realizar, desmantela o direito daquele que se pretende proteger.
O Papa Francisco, ao animar o diálogo aberto, respeitador, permeado de generosidade entre as religiões, entre as ciências e uns com os outros, realça que “é ingênuo pensar que os princípios éticos possam ser apresentados de modo puramente abstrato, desligados de todo o contexto, e o fato de aparecerem com uma linguagem religiosa não lhes tira valor algum no debate público. Os princípios éticos, que a razão é capaz de perceber, sempre podem reaparecer sob distintas roupagens e expressos com linguagens diferentes, incluindo a religiosa.”[5]
Pode haver direitos sem deveres?
De fato, as diferentes perspectivas e visões que caracterizam o mundo globalizado conseguiram aglutinar direitos, mas ainda precisamos todos sedimentar o indispensável edifício dos deveres que lhes são correspondentes, para evitar que tudo se torne direito de todos, num movimento contrário à própria teoria. Em resumo, esse complexo de direitos evidencia-se potente instrumento para um atropelo mútuo, sendo capaz de fazer ruir o que há de concreto na sempre frágil e desafiante proteção aos direitos humanos.
Numa miscelânea de direitos, até mesmo a Regra de Ouro, não faças a ninguém o que não queres que te façam, – assim considerada por testemunhar a existência de um “patrimônio de valores morais comuns a todos os homens”[6] – é negada. Nesse sentido, ao privilegiar-se a acepção de direitos humanos que sobrepõe sempre novos direitos sem observar o referencial valorativo fundamental humano construído ao longo da história humana, a teoria se esvai numa inflacionada hermenêutica.
Um hierarquia de Direitos
Sobre o tema, um exemplo atual. Vejamos a interpretação do princípio da dignidade da pessoa humana, invocado pelo Estado Brasileiro, num caminho que vem sendo traçado em vista da polêmica descriminalização do aborto. Entre diversos argumentos, fala-se da liberdade, autonomia e autodeterminação da mulher, pelo “direito de fazerem escolhas existenciais básicas e tomarem suas próprias decisões morais”[7], flexibilizando, desse modo, o direito à vida do feto.
Essa é, de fato, uma amostra do entendimento sobre direitos humanos que se contrapõe as convergências valorativas das religiões construídas ao longo da história da humanidade, uma vez que desalinhados de um referencial básico valorativo, que considera inegociável a vida humana, posicionando-a como o direito que é evidentemente o pressuposto para o exercício dos demais direitos da pessoa humana.
Reconhece-se que a liberdade é um valor a ser protegido com vigor, mas a negação do valor moral ao qual deve estar a serviço emudece nela o referencial humano, embrutecendo-a. Assim exercida, ela se torna capaz de voltar-se contra aquilo que pretende proteger, fragilizando ainda mais os mais fracos.
Para subsistir, a liberdade precisa de um conteúdo comunitário[8] capaz de ordenar todas as liberdades envolvidas. Os valores da verdade, da justiça e do bem são os que integram a liberdade para que ela não pereça. Como já ensinou Bento XVI, “a liberdade conserva sua dignidade apenas quando ligada ao seu fundamento moral e à sua incumbência moral.”[9] E arremata o Sumo Pontífice, o Papa Francisco: “a verdade é uma companheira inseparável da justiça e da misericórdia. Se, por um lado, são essenciais – as três juntas – para construir a paz, por outro, cada uma delas impede que as restantes sejam adulteradas.”[10]
Na Carta Encíclica de João Paulo II, Centesimus Annus, foram elencados direitos humanos reconhecidos como principais:
“O direito à vida, do qual é parte integrante o direito de crescer à sombra do coração da mãe depois de ser gerado; o direito de viver numa família unida e num ambiente moral favorável ao desenvolvimento da própria personalidade; o direito a maturar a sua inteligência e liberdade na procura e no conhecimento da verdade; o direito a participar no trabalho para valorizar os bens da terra e a obter dele o próprio sustento e dos seus familiares; o direito de fundar uma família e a acolher e educar os filhos exercitando responsavelmente a sua sexualidade.”[11]
Destarte, “os direitos humanos e liberdades fundamentais são direitos naturais de todos os seres humanos; sua proteção e promoção são responsabilidades primordiais dos Governos.”[12]Eles se projetam além da pessoa individualmente considerada em vista de proteger os grupos mais frágeis, e com a natural expansão dos direitos humanos aos povos e nações, a Igreja compreende incluída em sua missão religiosa a defesa e promoção dos direitos fundamentais da pessoa humana.
Regma Janebro, Juíza de Direito e coordenadora da Escola de DSI do Instituto Parresia.
[1] Pontifício Conselho Justiça e Paz. Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Paulinas. 7ª. Ed 2011. 7ª. Reimpressão 2018. 152.
[2] Pontifício Conselho Justiça e Paz. Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Paulinas. 7ª. Ed 2011. 7ª. Reimpressão 2018.
[3] João Paulo II. Catecismo da Igreja Católica. 1706.
[4] Pontifício Conselho Justiça e Paz. Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Paulinas. 7ª. Ed 2011. 7ª. Reimpressão 2018. 15.
[5] Papa Francisco. Carta Encíclica Laudato Si, 199.
[6] Comissão Teológica Internacional. Em busca de uma ética universal: Novo olhar sobre a lei natural, 1.1. 12.
[7] HC STF 124.306 RJ
[8] Bento XVI. Liberar a liberdade. Paulus. 2019.
[9] Idem. P. 82
[10] Papa Francisco. Fratelli Tutti, 227.
[11] João Paulo II. Carta Encíclica Centesimos Anus. 47.
[12] Declaração e programa de ação de Viena, adotada consensualmente pela Conferência Mundial dos Direitos Humanos, em 25/06/1993. Item I.1.
MASTERCLASS
No dia 15 de maio, às 15h, o Instituto Parresia estará promovendo uma Masterclass sobre Bioética.
Quem estará conosco é o Prof. Dalton Ramos, professor titular de Bioética da USP e membro da Pontifícia Academia para a Vida e a Dra. Elizabeth Kipman, médica Ginecologista-Obstetra e Coordenadora do Departamento de Bioética do Hospital São Francisco, Jacareí-SP. Logo traremos mais informações.
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