O direito do descanso é fonte de repouso em Deus
A narrativa bíblica projeta em Deus uma necessidade muito humana, o descanso: “Foram concluídos o céu e a terra com todos os seus elementos. No sétimo dia, Deus concluiu toda a obra que tinha feito; e no sétimo dia repousou de toda a obra que fizera. Deus abençoou o sétimo dia e o santificou, pois nesse dia Deus repousou de toda a obra da criação” (Gn 2, 1-4). E faz parte dos mandamentos da lei de Deus a observação do Dia do Senhor: “Lembra-te de santificar o dia do sábado. Trabalharás durante seis dias e farás todos os trabalhos, mas o sétimo dia é sábado, descanso dedicado ao Senhor teu Deus. Não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem teu escravo, nem tua escrava, nem teu gado, nem o estrangeiro que vive em tuas cidades. Porque em seis dias o Senhor fez o céu e a terra, o mar e tudo o que eles contêm; mas no sétimo dia descansou. Por isso o Senhor abençoou o dia do sábado e o santificou” (Ex 20, 9-11).
Quando veio Jesus, a observância do dia de descanso, sábado para os Judeus, havia se transformado numa norma legalista e pesada. Várias vezes questionado por realizar curas no dia de sábado, ou pelos discípulos que fazem coisas proibidas no dia de descanso, Jesus manifesta total liberdade e anuncia um tempo novo e um novo modo de viver a lei de Deus: “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado. Deste modo, o Filho do Homem é Senhor também do sábado” (Mc 2, 27-18).
A Igreja explicita assim o segundo mandamento: Guardar domingos e festas de guarda. No Antigo Testamento, o mandamento prescrevia que se guardasse o sábado. No entanto, após a Ressurreição do Senhor, que deu início a uma Nova e Eterna aliança com a humanidade, o primeiro dia da semana, Domingo – Dia do Senhor, substituiu a observância do dia de Sábado. O domingo deve ser guardado em toda a Igreja como o dia de festa de preceito por excelência.No domingo e nos outros dias de festa de preceito, os fiéis participam da Santa Missa (Cf. Código de Direito Canônico, 1246-1247) e devem se afastar das atividades e negócios que impeçam o culto a ser prestado a Deus nesses dias.
O primeiro compromisso do cristão no dia de Domingo é a participação na Santa Missa, na atualização perene do único e eterno sacrifício redentor de Nosso Senhor Jesus Cristo. É a oportunidade privilegiada de beber nas fontes da salvação, que acompanha toda a vida do cristão alimentando-se da Palavra de Deus e da Eucaristia. Como não há Domingo sem Missa, não haja cristão sem Missa de Domingo! Também o descanso no dia de Domingo seja considerado como dever a ser observado, primeiro para participar da Eucaristia e depois para restaurar as forças físicas e psicológicas necessárias ao dia a dia.
Durante o Concílio Vaticano II, corria pelo mundo um tema ao qual o Papa Francisco se referiu recentemente, uma possível revisão do Calendário, incluindo uma possível data fixa para a celebração da Páscoa. Naquela ocasião, foi acrescentado um Apêndice à Constituição Sacrosanctum Concilium, que assim de expressa: “Entre os vários sistemas em estudo para fixar um calendário perpétuo e introduzi-lo na sociedade civil, a Igreja só não se opõe àqueles que conservem a semana de sete dias e com o respectivo domingo”. Ao insistir na semana de sete dias, a sabedoria da Igreja parte do ritmo bíblico que se mostrou adequado para a vida humana e ao mesmo tempo estava atenta aos riscos e práticas de sociedades que sobrecarregam, em suas empresas e organizações, a capacidade de trabalho das pessoas. Não é difícil observar as graves consequências para a saúde humana decorrentes da falta de descanso e de férias nas diversas classes sociais. E em tempos de crise econômica, podem multiplicar-se as atividades e buscas de “bicos” para reforçar o orçamento familiar e fazer frente às dificuldades atuais, ao preço de um desgaste no relacionamento entre as pessoas e prejuízo psicológico e espiritual para tantos.
Há que se buscar o equilíbrio entre o sentido religioso e as exigências humanas que se encontram no dever do descanso. Parece-me encontrar justamente numa realidade que buscamos, o Céu, o encontro definitivo com o Senhor na eternidade, o rumo para tal equilíbrio. Santo Agostinho descreveu o Céu com uma frase lapidar: “Ali descansaremos e veremos. Veremos e amaremos. Amaremos e louvaremos, eis o que será num final sem fim” (Ibi vacabimus et videbimus. Videbimus et amabimus. Amabimus et laudabimus, ecce quod erit in fine sine fine).
O Céu será o lugar do descanso de nossas fadigas. Merece descanso quem se aplica ao que faz, evitando a ociosidade e a preguiça. Aplicar-se significa ter o sentido dos deveres do próprio estado, atenção ao bem que nos é possível fazer, significa não desperdiçar tempo no trabalho. Chegar ao final do dia num agradável cansaço, depois de ter preenchido bem todas as oportunidades de encontro com as pessoas e ter contribuído para o bem da coletividade já é fonte de repouso. Mais ainda será no ocaso de nossa vida, quando nos apresentarmos diante do Senhor.
No Céu nós veremos! Encontraremos tudo o que esperamos na fé durante esta vida, contemplaremos a face do Senhor. Até lá, o descanso do dia a dia ou das férias é feito também de tempo para contemplar a natureza, as pessoas, identificar o crescimento dos filhos e demais familiares, enxergar detalhes que nos passam despercebidos no cotidiano da lida da vida.
No Céu nós amaremos! Depois da caminhada nesta terra, só levaremos o amor, que ultrapassa as fronteiras entre o tempo e a eternidade. De fato, “O amor jamais acabará. Agora nós vemos num espelho, confusamente; mas, então, veremos face a face. Agora, conheço apenas em parte, mas, então, conhecerei completamente, como sou conhecido. Atualmente permanecem estas três: a fé, a esperança, o amor. Mas a maior delas é o amor” (1 Cor 13, 8.12-13). Quem ama não se estressa, pois se sente feliz ao fazer o bem. Quando repousamos, seja para amar mais e melhor no dia seguinte. Ao fazer férias, não seja este o tempo de vícios e abusos, mas tempo de relacionamento digno e qualificado com as pessoas, o que será fonte de sadio relaxamento.
No Céu nós louvaremos! O ponto de partida da oração é o louvor, antes da ação de graças, do pedido de perdão ou da súplica. E será também o seu ponto de chegada na eternidade, onde proclamaremos para sempre os louvores de Deus. Aqui na terra, sabemos que Deus é glorificado no ser humano vivo, e que experimentamos desde já um antegozo da eternidade, quando somos capazes de elevar expressões de louvor a Deus. Rezar louvando, cantar a glória de Deus, edificar as pessoas pela liturgia bem celebrada e vivida. Tudo isso é fonte de repouso em Deus!
Dia de folga, Domingo, Férias! Tudo pode ser diferente olhando para o Céu!
Dom Alberto Taveira Corrêa