O mundo contemporâneo é marcado, de modo especial, pela palavra. A técnica da comunicação permite uma circulação indescritível, em volume e rapidez, da informação. A palavra é o insubstituível amálgama das relações na definição das estratégias de programas governamentais e privados, nas configurações institucionais. É a palavra também que configura, concretamente, o amor que se experimenta e faz desabrochar nos corações entendimentos e sentidos que sustentam a vida a cada dia.
A singularidade e a importância da palavra que compõe esses discursos todos é ciência própria, complexa e vasta. Exigem hermenêuticas para lidar com os desafios incontáveis das interpretações e dos sentidos que alavancam o amor, a superação do ódio, o entusiasmo pela paz e a convicção de que é preciso lutar incansavelmente pela justiça e a concórdia entre todos. Nessa avalanche tsunâmica, em se pensando que em cada cabeça há uma sentença, em cada coração um mundo e em toda inteligência infinitas possibilidades de leituras e entendimentos, fala-se muito e, muitas vezes, de forma irrefletida.
A palavra causa também descompassos, fere, destrói, prejudica, atrasa, inviabiliza. Exige ciência e amor. O amor é a fonte da verdadeira palavra. Não existe outra fonte inesgotável do amor a não ser Deus. Todo amor vem de Deus. Nenhum outro, por si e em si, é fonte do amor. Deus é amor que fala. A palavra de Deus é dom, dom de si mesmo, total e pleno. É Jesus Cristo, o Filho unigênito que se encarnou.
As páginas do Evangelho perenizam esta verdade e apontam o caminho duradouro para o amor. Dá ao amor experimentado nos corações pela força de sentimentos, a purificação e a consistência que produz vida e ilumina inteligências nos diferentes campos do saber, nas decisões importantes para a sociedade, na vida familiar e no recôndito das consciências. É preciso, pois, pensando o quanto cada qual usa a palavra, por direito e por necessidade, a cada instante da vida, voltar-se permanentemente para a fonte desta palavra que é Deus. A Palavra de Deus é esta fonte, por ser amor é ciência insuperável.
Essa reflexão integrou o amplo horizonte motivacional que levou a Igreja Católica, no Concílio Vaticano II, 1962/65, a retomar, com a Constituição Dei Verbum, a Palavra de Deus, esta fonte para revitalizar sua vida secular. Esta retomada periódica necessária se deu em outubro de 2008, durante o XI Sínodo Ordinário, em Roma, presidido pelo Papa Bento XVI, congregando bispos delegados, religiosos, leigos, peritos, observadores e convidados do mundo inteiro. As proposições oferecidas ao Papa inspiraram em seu coração de pastor, a exortação pós-sinodal A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja.
A riqueza da palavra do Papa Bento XVI remete a todos, como convocação especial à Igreja Católica, à fonte do amor, Deus. Esse precioso documento indica caminhos de conhecimento, atenções e horizontes bem delineados para qualificar a palavra de todo aquele que crê. A Igreja Católica no Brasil recebe, portanto, uma fecundação particular, já trilhando, com mais audácia missionária, os caminhos de sua missão desde a 5ª Conferência dos Bispos da América Latina e do Caribe, em Aparecida, ao retomar a força espiritual do discipulado no seguimento de Jesus Cristo.
A Palavra de Deus em primeiro lugar é o compromisso para dar às responsabilidades, aos entendimentos e às decisões, a força que só vem de quem escuta o amor, Deus. Vale debruçar sobre a Palavra de Deus, ainda que inicialmente por razões poéticas, literárias, hermenêuticas e culturais. O resultado será o encontro mais precioso que se pode ter na vida – com Jesus Cristo. Encontro que qualifica todos os outros. A vida que vale ser vivida é duradoura, mesmo para além do tempo, quando é amor – amor que é Deus, aquele que se revela em Cristo, o Dom da Palavra.