«Alguns membros da Comunidade de Aliança são chamados pelo Senhor ao Celibato pelo Reino dos Céus, permanecendo no modo de vida próprio da Comunidade de Aliança» ECCSh, 149
Quando me deparei com este artigo dos nossos Estatutos, vi a mim mesmo e a resposta para todos os anseios mais profundos do meu ser, que me acompanharam desde uma experiência com o amor do Senhor, diante do Corpo Eucarístico de Jesus, numa Adoração comunitária: o desejo de saber e seguir a vontade dEle, ser todo de Deus, da Igreja e da Comunidade.
Permanecendo na família e na vida profissional, apontando tanto para uma predileção pelo Reino dos Céus, como mostrando isso aos homens desta terra, por meio do meu corpo entregue, que não foge das feridas e nem renuncia somente ao matrimônio mas escolhe ser desposado pela Paz, uma pessoa com nome e rosto, Jesus, que viveu celibatário, e assim sou pai de todos, seja os que não suplicam sejam os que suplicam «reza por mim».
Um coração apaixonado pelas coisas que não passam e dão sentido a nossa vida cristã (o amor e a eternidade) e nunca está só, pois traz em si os nomes e os rostos dos casais da Obra Shalom, dos jovens afastados de Deus, dos pobres de amor e de pão. Até o desejo de discernir o primeiro voto, em 2016 (Ano da Misericórdia), ajudado sim pelos formadores, e a vivência do estado de vida do celibato em cada renovação do voto temporário (2017, na Missão Arapiraca, e 2018-2019-2020, na Missão Braga-Portugal).
Desafios e dificuldades, alegrias e graças me acompanham nestes anos: minha carne, decaída pelo erro original, orgulhosa e soberba, às vezes, continua a resistir, a não querer crescer nem morrer pela Vida, escondida e eterna, que pulsa em mim. Entretanto, permaneço aqui, no chão do Carisma Shalom, e até hoje e agora com o passo para o voto perpétuo, mais uma vez rendido, pois, num dos retiros dos celibatários (Missão Natal, 2017), ouvimos de Deus «rendidos vocês deram este passo, rendidos vocês chegaram até aqui, somente rendidos vocês permanecerão até o fim».
Só temos isso para amar, o ontem se foi e o amanhã, existirá? Pois Tu, ó Esposo, poder vir à meia-noite, ao meio-dia ou às três horas… E esta vida foi selada mesmo pelo Pai das Misericórdias, ao me criar com um coração indiviso, para a continência perfeita, a disponibilidade total, a fecundidade máxima e ser sinal escatológico, no céu não nos damos em casamento, uma vez e para sempre que todos seremos almas esposas do único Esposo.
Quão feliz sou e pedirei, até o último dia neste Caminho, nesta peregrinação que ora vivemos no mundo deste presente século, a ajuda de Maria, Mãe da Divina Providência, junto com todos os anjos, virgens consagradas, monges, franciscanos, carmelitas, santos: «Ave, ó tu que aniquilas o grão sedutor. Ave, ó tu que dos castos nos dás o Autor» (Akathistos).
E termino com uma poesia, escrita no Retiro de preparação ao voto perpétuo, que antecede a Missa, a ação de graças (Eukaristos) que, de novo, unirá o passado, o presente e a eternidade na minha história e na história da Igreja, onde há, desde seus primórdios, corações virgens e revirginizados em suas fileiras, marcados pela busca de uma entrega total ao Reino dos Céus.
Ora, já disse Fernando Pessoa «na alma ninguém manda, ela simplesmente fica onde se encanta» e a minha se encantou pelo Filho de Deus, Palavra e Sabedoria, Início e Fim, que reúne em si espaços, tempos e pessoas, pelos quais se encarnou, se abaixou a lavar nossos pés, morreu e ressuscitou salvando-nos numa Cruz, nunca mais somente um instrumento de tortura, mas também de loucuras de amor.
Ser celibatário é ser louco de amor e viver esta loucura de amor em acreditar que minha alma tem desejos, se não mais fortes, tão fortes quanto os do corpo; pois quando me perguntam «e depois do voto perpétuo, podes desistir?», «se aparecer alguém por quem te apaixones perdidamente, desistirás?» eu ouço «queres desistir?» e respondo a Ele – um segredo entre nós dois que agora exponho, talvez ajude aqueles que se sentem chamados ao celibato a buscarem seriamente um discernimento – Já sou apaixonado perdidamente por Ti e não quero desistir, ó Majestade. Já sei que «não é fácil, mas eu desejo, eu quero, eu vou» (ON, 12) insistir em viver tua Vontade. Santa insistência tua pelo homem pecador; feliz insistência minha pelo eterno amor! Eis a poesia, enfim:
O Eterno
Vigor e fecundidade
É pelo Reino dos Céus
Oferta que não se acabe
Viver como o Filho seu!
Chamou sim quem Ele quis
Cativou-me com amor
A uma vida bem feliz
Entrego alegria e dor!
Corpo, sangue, suor, tudo
Por esta obra sem fim
Que começa neste mundo
O Eterno se faz em mim!
Everaldo Bezerra
Celibatário na Comunidade de Aliança
Missão Arapiraca