3Então Jesus contou-lhes esta parábola:
11“Um homem tinha dois filhos. 12O filho mais novo disse ao pai: ‘Pai, dá-me a parte da herança que me cabe’. E o pai dividiu os bens entre eles.
13Poucos dias depois, o filho mais novo juntou o que era seue partiu para um lugar distante. E ali esbanjou tudo numa vidadesenfreada. 14Quando tinha gasto tudo o que possuía, houve uma grande fome naquela região, e ele começou a passar necessidade.
15Então foi pedir trabalho a um homem do lugar, que o mandou para seu campo cuidar dos porcos. 16O rapaz queria matar a fome com a comida que os porcos comiam, mas nem isto lhe davam.
17Então caiu em si e disse: ‘Quantos empregados do meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome. 18Vou-me embora, vou voltar para meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra Deus e contra ti; 19já não mereço ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados’.
20Então ele partiu e voltou para seu pai. Quando aindaestava longe, seu pai o avistou e sentiu compaixão. Correu-lhe aoencontro, abraçou-o e cobriu-o de beijos.
21O filho, então, lhe disse: ‘Pai, pequei contra Deus e contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho’.
22Mas o pai disse aos empregados: ‘Trazei depressa a melhortúnica para vestir meu filho. E colocai um anel no seu dedo e sandáliasnos pés. 23Trazei um novilho gordo e matai-o. Vamos fazer um banquete. 24Porque este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado’. E começaram a festa.
25O filho mais velho estava no campo. Ao voltar, já perto de casa, ouviu música e barulho de dança. 26Então chamou um dos criados e perguntou o que estava acontecendo.
27O criado respondeu: ‘É teu irmão que voltou. Teu pai matou o novilho gordo, porque o recuperou com saúde’.
28Mas ele ficou com raiva e não queria entrar. O pai, saindo, insistia com ele. 29Ele,porém, respondeu ao pai: ‘Eu trabalho para ti há tantos anos, jamaisdesobedeci a qualquer ordem tua. E tu nunca me deste um cabrito para eufestejar com meus amigos. 30Quando chegou esse teu filho, que esbanjou teus bens com prostitutas, matas para ele o novilho cevado’.
31Então o pai lhe disse: ‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. 32Mas era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado’.
«Um pai tinha dois filhos…». Basta ouvir estas palavraspara que quem tem uma mínima familiaridade com o Evangelho exclameimediatamente: a parábola do filho pródigo! Em outras ocasiões, sublinhei osignificado espiritual de parábola: dessa vez eu gostaria de sublinhar nela umaspecto pouco desenvolvido, mas extremamente atual e próximo da vida. Em seufundo, a parábola não é senão a história de uma reconciliação entre pai efilho, e todos sabemos quão vital é uma reconciliação assim para a felicidadetanto de pais como de filhos.
Por que será que a literatura, a arte, o espetáculo, a publicidade, seaproveitam de uma só relação humana: a de fundo erótico entre o homem e amulher, entre esposo e esposa? Publicidade e espetáculo não fazem mais quecozinhar este prato de mil maneiras. Deixamos, no entanto, sem explorar outrarelação humana igualmente universal e vital, outra das grandes fontes dealegria da vida: a relação pai-filho, a alegria da paternidade. Na literatura,a única obra que trata realmente desse tema é a «Carta ao pai», de F. Kafka (afamosa novela «Pais e filhos», de Turgeney, não trata na verdade da relaçãoentre pais e filhos, mas entre gerações diferentes).
Se, ao contrário, mergulhássemos com serenidade e objetividade no coração dohomem, descobriríamos que, na maioria dos casos, alcançar uma relação intensa eserena com os filhos é, para um homem adulto e maduro, não menos importante e satisfatóriaque a relação homem-mulher. Sabemos quão importante é esta relação também parao filho ou a filha e o grande vazio que deixa sua ruptura.
Assim como o câncer ataca habitualmente os órgãos mais delicados do homem e damulher, a potência destruidora do pecado e do mal ataca os núcleos vitais daexistência humana. Não há nada que se submeta ao abuso, à exploração e àviolência como a relação homem-mulher, e não há nada que esteja tão exposto àdeformação como a relação pai-filho: autoritarismo, paternalismo, rebelião,rejeição, falta de comunicação.
Não podemos generalizar. Existem casos de relações belíssimas entre pai e filhoe eu mesmo conheci várias delas. Mas sabemos que há também, e mais numerosos,casos negativos de relações difíceis entre pais e filhos. No profeta Isaías selê esta exclamação de Deus: «Eu criei filhos e os eduquei, e eles se rebelaramcontra mim» (Is 1,2). Creio que muitos pais hoje em dia sabem, por experiência,o que estas palavras querem dizer.
O sofrimento é recíproco; não é como na parábola, onde a culpa é única eexclusivamente do filho… Há pais cujo sofrimento mais profundo na vida é serrejeitados ou até desprezados pelos filhos. E há filhos cujo sofrimento maisprofundo e inconfessado é sentir-se incompreendidos, não estimados ou inclusiverejeitados pelos pais.
Insisti no aspecto humano e existencial da parábola do filho pródigo. Mas nãose trata só disso, ou seja, de melhorar a qualidade de vida neste mundo. Entrano esforço de uma nova evangelização a iniciativa de uma grande reconciliaçãoentre pais e filhos e a necessidade de uma cura profunda de sua relação.Sabe-se o muito que a relação com o pai terreno pode influir, positiva ounegativamente, na própria relação com o Pai celestial e, portanto, a própriavida cristã. Quando nasceu o precursor João Batista, o anjo disse que uma desuas tarefas seria a de «fazer voltar os corações dos pais aos filhos e oscorações dos filhos para os pais» [cf. Lc 1,17. ndr], uma missão mais atual quenunca.