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O problema do aborto – Dom Eduardo Koaik

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É mais do que problema. É o dom da vida no seu nascedouro usurpado das mãos de Deus. No Salmo 36,10, rezamos a Javé: “a fonte da vida está em ti”. Costuma-se chamar o aborto de “interrupção da vida indesejada”. Vejo, nesse eufemismo, uma expressão ofensiva Àquele que é a fonte da vida. Pode-se desejar que a gravidez não ocorra, por justo motivo, quando se faz planejamento familiar. Mas, o casal não querer ter filho, por egoísmo ou comodismo não são motivos justos. Evitá-lo com uso dos conhecidos “métodos seguros” fere a dignidade e a santidade da união conjugal. No entanto, nada mais grave do que a interrupção da gravidez, considerada literal desrespeito ao mandamento divino: “não matar”. Chamar a gravidez de “indesejada”, quando menos, é menoscabo dos planos do Criador. O que pode acontecer é a gravidez “inesperada” que, assim mesmo, deve ser motivo de ação de graças, como tantas coisas inesperadas da vida, que nos fazem reconhecer que Deus “escreve certo por linhas tortas”. Evidente, quando a gravidez se torna uma agressão no corpo da mulher há procedimentos previstos no campo médico. A gravidez é que não pode sofrer agressão gratuita.

Procura-se justificar a legalização do aborto considerando-o meio eficaz para controlar sua incidência e evitar os males por ele causados. Para corroborar a necessidade do aborto busca-se apoio nas estatísticas: mais de um milhão de abortos realizados na clandestinidade a cada ano. Diz-se ainda: os abortos ilegais são responsáveis por um quarto da mortalidade materna no Brasil. Em defesa da legalização do aborto não faltam os que são sensíveis à situação dos pobres em relação aos ricos. Estes estão em condições de usar métodos seguros e ter a seu alcance hospitais com todo conforto e segurança; aqueles, por sua vez, submetem-se a métodos contaminados e dolorosos com risco da própria vida.

Diante dessa deplorável realidade deve-se concluir: o aborto em si é sempre um mal, fora ou dentro da lei. Quem defende sua legalização, levanta a voz com ênfase: “Ninguém em sã consciência é a favor do aborto”. E acrescenta sempre: “Legalizá-lo é a maneira certa de controlá-lo”. Duas afirmações contraditórias. Proclamar que não há quem esteja a favor do aborto, há de ser pela razão de que não há quem não veja nele um mal. Por que, então, legalizá-lo? A “sã consciência” não pode estar dos dois lados. Justifica-se também “a interrupção da gravidez voluntária” com a categórica declaração: “A mulher é dona do seu corpo”. Na verdade, ela o é em tantas coisas que não a deixam ser, mas não o é para mutilá-lo ou destruí-lo. Esclareça-se ainda: o embrião dentro dela não é o seu corpo, mas uma outra vida gerada por ela, por isso não se pode falar em corpo estranho.

O Código Civil, artigo 2º, confere personalidade civil somente a partir do nascimento. O Código Penal, contudo, garante ao nascituro o direito à vida desde a concepção. Nossa atual Constituição, artigo 5º, declara, de sua parte, inviolável o direito à vida. Como, então, justificar a promoção do plebiscito para o povo decidir se o nascituro tem ou não direito à vida? Outro lado do problema: se o aborto é uma questão de saúde pública – não há como negar – o certo é o poder público empenhar-se para acabar com esse mal e não com a vida do nascituro, legalizando o mal para que ele se torne um bem. Insisto em dizer que o aborto é um mal em si (desrespeito ao direito à vida) e não apenas pelas suas conseqüências, quando praticado na ilegalidade. Como se combate o tráfico de drogas, deve-se fazer o mesmo com as clínicas clandestinas que praticam o aborto e não procurar descriminalizá-lo. O pobre, na situação de miséria, é também questão de saúde pública. Quantos males sociais têm sua causa na miséria! A preocupação primeira do poder público é extirpar a miséria, protegendo os direitos sociais e não a de reduzir o número de filhos nas famílias pobres. Sei que a questão do aborto (criminalizar ou descriminalizar), permanecendo nos limites do moralismo e do legalismo, não vai resolver o problema no seu aspecto social. É onde falhamos todos, principalmente o poder público, quando não se praticam medidas concretas para assegurar o direito à vida na fase da gravidez da mulher: dar todo apoio médico, psicológico, de assistência social e religiosa às gestantes; criar centros de acolhimento da Mãe-Solteira para que as gestantes, por falta de amparo não sejam induzidas ao aborto; multiplicar o número de creches e outras medidas que signifiquem mais solidariedade que assistencialismo.

Certos sociólogos, economistas e outras cabeças festejarão a vitória da campanha do aborto no Brasil, vendo nessa pseudo-solução o meio mais seguro para o controle da explosão demográfica. Minha convicção é outra: o Brasil não fica mais próspero com menos filhos nas famílias pobres. O problema situa-se fundamentalmente no sistema econômico vigente que distribui a renda de modo injusto. Lembro-me de uma intrigante expressão do Papa Paulo VI: “Nos planos da Divina Providência, todo filho vem ao mundo com seu pão debaixo do braço”. O que me permite perguntar: quem é que lhe tira esse pão?

Dom Eduardo Koaik

Bispo emérito de Piracicaba

Fonte: CNBB


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