Para se entender o que aconteceu após Pentecostes, é necessário compreender ao menos um elemento fundamental, mesmo que com poucas palavras, sobre a pessoa do Espírito Santo. O teólogo Ratzinger, ao comentar a passagem de Jo 20,22, constata que o Espírito é comunicado pelo Filho aos discípulos, e que para recebê-Lo é necessário estar muito próximo de Jesus; próximo ao ponto de sentir o seu “respiro”, ao ponto de receber o “Hálito” do Ressuscitado”¹. Podemos então concluir que o Espírito é a vida de Jesus Cristo, a sua respiração. O “Sopro” que “sai” de dentro de Jesus entra nos discípulos, constituindo-se deste modo a “Vida”, o “Respiro” daqueles que crêem em Jesus. Deste modo, o princípio que animou a vida terrena do Filho de Deus é também o princípio vital da Igreja.
Nos discípulos
Os discípulos “percebem” esta “Vida do Ressuscitado” imediatamente no dia de Pentecostes: o medo se transforma em vigor, a apatia em audácia, os complexos pessoais dos discípulos em parresia, ou seja, em liberdade interior e em confiança no anúncio da verdade de Cristo (cf. At 2). Porém, é necessário notar que não se trata somente de uma mudança comportamental, mas sim essencial. A vida dos discípulos não será mais a mesma. Paulo expressa este fato com uma fórmula sintética e eficaz: “vivo eu não, vive Cristo em mim” (Gal 2,22). Há nos discípulos, a partir de então, um novo princípio de vida que não anula a biologia ou a psiquê, mas as eleva, colocando o homem inteiro a serviço de Cristo. Como podemos constatar isto? Ao olharmos os discípulos, particularmente nos Atos dos Apóstolos, vemos que eles realizam aquilo que Cristo realizou, com o grande diferencial de que, enquanto Cristo realiza as suas obras por própria potência, os discípulos o fazem em Sua potência, em seu nome. Assim, vemos que Cristo realizou curas (Mc 2) e os discípulos também realizaram (cf. At 3,6). Cristo operou a ressurreição e os discípulos fizeram o mesmo (cf. At 20,10), por vezes imitando – até mesmo – alguns dos Seus gestos (cf. Mc 5,41; At 9,41). Como Cristo anunciou a palavra da salvação assim também o fazem seus apóstolos. Como Jesus Cristo interpretou o Antigo Testamento a luz de sua vida, assim também os seus discípulos o interpretam à luz de Cristo (cf. Lc 24,27; At 8,35). Como Cristo morreu perdoando os que o matavam e em ato de confiança no Pai (cf. Lc 23,34.46), assim também Estevão, na hora da morte, se confia ao Senhor e perdoa os que atentam contra a sua vida (cf. At 7,59-60). Enfim, poderíamos continuar relatando as formas com as quais a vida de Cristo se reproduziu na Igreja primitiva, desde a oração até a perseguição. Porém, estes dados já deixam claro o quanto a Igreja não vive de uma vida própria, mas sim da Vida de cristo, nas várias fases de Seus mistérios².
Nos dias de hoje
Nos enganaríamos se pensássemos que o Espírito Santo desceu sobre os discípulos em Pentecostes e que – pelo fato de já ter sido infundido na Igreja – sua presença se tornou estática na Igreja. Se assim o fosse a Igreja deixaria de existir; Ela (Igreja) vive do “Hálito” divino, do constante “Sopro” do Ressuscitado. De fato, se analisássemos os Sacramentos da Igreja, veríamos que estes são fruto da intervenção do Espírito, cada vez que são ministrados. Ele é tão íntimo à Igreja ao ponto de ser considerado como que a sua alma. Por meio desta imagem, podemos dizer que «como a alma é perfeição, princípio último e raiz fundamental de todas as realidades e as ações do organismo humano, assim também o Espírito sustenta, guia, santifica todos os componentes eclesiais e lhes dá a força de agir»³; razão esta pela qual a Vida de Cristo se realiza realmente em seu corpo, a Igreja.
Esta relação entre Cristo e Espírito, na vida da Igreja, deve ser sempre sublinhada para a plena compreensão do mistério salvífico. «Cristo é sempre o princípio originário superior do ser e do operar na Igreja, enquanto o Espírito é o seu princípio interior de vida. Todas as operações divinas na Igreja (Sacramentos, Palavra, carismas, dons e frutos) são fruto de uma ação conjunta entre Cristo e o Espírito. Em outras palavras, são ações de Cristo cabeça, o Crucificado-Ressuscitado, que Sopra o Espírito como alma da Igreja»[4].
Um outro aspecto que manifesta uma ação fundamental do Espírito é a unidade da Igreja. Tal unidade não é simplesmente “intensiva”, ou seja, um progressivo crescimento da comunhão dos que crêem, introduzindo-os juntos na vida da Santíssima Trindade; esta é também “extensiva”, ou seja, católica: a oração de Cristo em Jo 17, para que “todos sejam um”, é o desígnio do Pai que abraça em Cristo pelo Espírito todos os homens. Por isso, é ainda o Espírito Santo que move a Igreja, sem descanso, na missão e no diálogo com o mundo[5], para que todos entrem nesta mesma unidade salvífica.
Se tivéssemos que dizer em poucas palavras o que o Espírito realizou e realiza após Pentecostes, poderíamos simplesmente dizer: o Espírito realizou e continua a realizar a Igreja. Ela é ambiente onde a Palavra de Cristo é transmitida, a salvação atualizada, os santos formados, a graça derramada, a fé plantada, a esperança renovada e a amor de Cristo, derramado por meio deste mesmo Espírito – dia após dia – no coração dos que crêem (cf. Rm 5,5).
Elton da Silva Alves,
missionário e teólogo da Comunidade Católica Shalom.
[1] Cf. J. Ratzinger, Il Dio di Gesù Cristo, Queriniana, Brescia 20124, 123.
[2] Por mistério não se entende um enigma, mas sim os próprios fatos da vida de Cristo.
[3] R. Lavatori, Lo Spirito Santo dono del Padre e del Figlio. Ricerca dell’identità dello Spirito come dono, EDB, Bologna 1987, 171.
[4] J. P. De M. Dantas, Lo Spirito Santo “anima” del Corpo Mistico. Radici storiche ed esempi scelti dell’ecclesiologia pneumatologica contemporanea, Eupress FTL – Cantagalli, Lugano – Siena 2017, 553.
[5][5] Cf. P. Coda, Lo Spirito Santo e il mistero della Chiesa,196, in: [vários autores], La Chiesa nel suo mistero, Roma 1983, 169-200.