Para compreender o papel das mulheres no ambiente do Médio Oriente antigo, é necessário considerar algumas estruturas da vida comum deste período, essencialmente a importância das relações familiares, que formavam a base das várias sociedades. No Antigo Testamento por ex., a família (núcleo mais estreito) era definida como bet’ ab (“casa do pai”) ou simplesmente bajit (“casa”), este termo também pode referir-se à “grande família”, onde além do marido e sua mulher (ou mulheres), dos filhos, dos escravos e escravas, também convivem os filhos casados e outros parentes dependentes[1]; já o termo bet em (“casa da mãe”), raramente aparece[2].
O papel da mulher na sociedade hebraica do Antigo Testamento
Do ponto de vista econômico, a “grande família” era uma unidade produtiva capaz de sustentar-se. A unidade sucessiva, em ordem crescente, é o clã (mishpacha), o círculo de consanguíneos em sentido mais amplo. Uma tribo, ou seja, uma comunidade social, é formada por diversos clãs. Entre outras coisas o clã tem funções jurídicas como a propriedade da terra e funções cultuais[3].
Nos Estados próximos a Israel as mulheres podiam e até conseguiam um alto grau de envolvimento político e real. Na Mesopotâmia e no Egito, por exemplo, ainda que em pequeno número, existiram as rainhas[4]; na sociedade israelita, porém, a mulher não desfrutava de uma posição social de influência na corte, exceto a rainha-mãe (gebîrâ). A grande influência que a mulher israelita exercia era através do exercício da maternidade:
A mãe é o coração da casa e das suas múltiplas atividades: ela mói o trigo, sova a massa e assa o pão, fia a tecelagem transformando os produtos agrícolas cultivados na região montanhosa de Judá e Israel em produtos comestíveis, em vestimentas que podem ser negociados ou vendidos. O Talmud registra tais atividades com as seguintes palavras: “se um homem leva trigo para casa, ele por acaso mói o grão?”. Em tempos de guerra, além destas tarefas as mulheres realizavam todas as outras até o retorno dos homens, garantindo, assim, a sobrevivência da família.[5]
A maternidade era um símbolo tão forte que o Deus de Israel o usa como analogia para falar do seu amor pelo seu povo.
“Porventura a mulher esquece a sua criança de peito, esquece de mostrar sua ternura ao filho de sua carne? Ainda que elas os esquecessem, eu, eu não te esquecerei!” [6].
O Matrimônio
Numa época de grande mortalidade infantil, uma família numerosa era essencial para garantir a descendência, mas também por questões políticas e econômicas[7]. Por isso Jeremias escreveu aos exilados: “Tomai esposas para vossos filhos e casai vossas filhas, para que elas gerem filhos e filhas; crescei aí e não diminuais”[8]. Aqui vemos o matrimônio ligado à fertilidade e à possessão da terra. Em Ml 2,14-15 o profeta confirma a importância da descendência, mas acrescenta um novo elemento: “Perguntais por que; por que o Senhor dirime tua causa com a mulher de tua juventude, à qual foste infiel, embora fosse tua companheira, esposa de aliança. Ele os fez um só de carne e espírito, esse “um” busca descendência divina; controlai-vos para não serdes infiéis à esposa de vossa juventude”. Diversas passagens da Bíblia utilizam o símbolo da união entre um homem e uma mulher para evocar a aliança entre Deus e Israel[9].
Na cultura israelita a mulher era dada em casamento durante a adolescência, entre os 14 aos 16 anos. Na literatura romana, a única menção feita a “solteiras” era no caso das virgens vestais[10], mas o termo “solteiro” não existia no feminino. Mesmo uma mulher que não viesse a contrair matrimônio, seria chamada de jovem virgem.
Enquanto a jovem estava na casa paterna ela era propriedade do pai, quando se casava passava a ser propriedade o marido, porém a palavra hebraica utilizada para marido (ba’al)[11] embora traga uma noção de propriedade, não é o mesmo termo utilizado para descrever a dominação de um indivíduo sobre o outro, neste caso o termo utilizado é adon. O marido exercia autoridade sobre a esposa, que lhe deveria ser submissa, porém a ideia de fundo era mais de proteção que de autoritarismo[12].
Na cultura hebraica era muito incentivado o casamento ao interno do próprio clã, o que evitaria a divisão dos territórios e garantiria a descendência da raça. Dentro deste contexto, a mulher ocupava um papel central, pois era como um elo que unia a sua família àquela do marido. Entre os beduínos ainda é comum o casamento entre parentes próximos.
Abaixo podemos observar a árvore genealógica dos Patriarcas:
Concubinato e adultério
Os múltiplos casamentos asseguravam a sobrevivência e expansão do clã, contudo era uma questão muito complexa e “não era oferecido às pessoas comuns, embora Ex 21,10 e Dt 21,15 mostrem o fato como uma normalidade”[13]. A quantidade de esposas de um homem revelava as suas posses[14], mas as relações concubina/esposa/marido não raramente apresentavam-se cheias de tensão[15].
Segundo os livros do Levítico e Deuteronômio, a pena de morte é a sanção a ser aplicada contra o pecado do adultério, de ambos os culpados; mas os casos narrados na Bíblia apresentam apenas a mulher a sofrer a pena[16]. “Ter relação sexual com uma mulher casada ou prometida era condenável por três motivos: 1) era uma violação à aliança entre o povo e Deus, era uma infração moral e era uma ameaça ao equilíbrio da comunidade; por isso a sanção deveria ser aplicada pela comunidade”[17].
A Prostituição comum e a prostituição cultual
No culto dos povos do Médio Oriente antigo existia a prostituição sagrada[18] e também o AT menciona dois tipos de prostituição: a secular e a cultual. Entre as duas existem semelhanças e diferenças. São semelhantes porque envolvem a transação comercial de um objeto sexual, e diferentes porque a primeira envolve somente as mulheres, enquanto a segunda envolve ambos os sexos. Embora a primeira ocupe uma posição moralmente inferior, existe uma tolerância pela estrutura da sociedade, enquanto a segunda é proibida e repudiada no campo moral e religioso[19], sobretudo porque esta prática está diretamente ligada a um santuário e, portanto, à adoração de falsos deuses.
A prostituição cultual ou prostituição sagrada era ligada aos ritos pagãos de fertilidade da terra e da descendência. Os hierodulos, ou seja, funcionários do templo (homem ou mulher) que se prestavam à prostituição dita sagrada, já se encontravam presentes nos templos egípcios e mesopotâmicos de Ísis e Istar, e de modo particular nos santuários de Astarte em Canaã. No direito babilônico-assirio a situação da hierodula feminina era reconhecida e regulamentada. A prática da prostituição cultual infiltrou-se no culto israelita por influência Cananéia e maobita, mas a lei de Israel lhe era absolutamente contrária e proibia que o dinheiro fosse aceito pelo templo[20]. Relatos bíblicos afirmam que durante o reinado de Manassés e Amon as hierodulas chegaram a se instalar no templo de Jerusalém e que Josias mandou demolir suas habitações[21]; no tempo dos macabeus, até os pagãos entravam no templo para procurá-las[22].
“O hebraico possui dois termos distintos para “prostituta” e “hierodulo” – zônâ e qãdēš/qedēšâ (= “um ser sagrado”, homem ou mulher), respectivamente -, os dois são frequentemente usados de modo intercambiável ou o primeiro termo é substituído na narrativa e nos textos proféticos pelo segundo. Os profetas usam o temo zônâ e usam sinônimos para as mulheres praticantes do rito de fertilidade e seus feitos. Uma mulher que trai a confiança de seu marido é também chamada de prostituta pois se “afastou” de seu marido legal. Isso é especialmente evidente na metáfora ampliada que mostra a relação entre Deus e Israel como a de uma noiva ou esposa infiel e um marido fiel e amoroso, muito empregada por Oséias, Jeremias e Ezequiel”[23].
Os dois termos aparecem na história de Tamar e Judá: quando Judá encontra Tamar na estrada, ele a toma por uma prostituta (zônâ), mas quando tenta recuperar o seu penhor, manda procurar por uma prostituta sacra (qedēšâ).[24]
O trabalho
As Escrituras atestam que as mulheres do seu tempo realizavam trabalhos exigentes seja na casa que nos campos.[25]
Nos tempos antigos, nas diversas culturas e regiões do mundo, as mulheres passavam longas horas por dia fiando, confeccionando roupas para a família e os tecidos utilizados na casa. Tal atividade representava muito mais que um trabalho doméstico, era símbolo da fidelidade e atenção à vida familiar[26]. As atividades de fiar e tecer não estavam diretamente ligadas ao status social da mulher[27], mas representava uma atividade tipicamente feminina. O livro do Êxodo fala do trabalho das mulheres que teceram para a construção da tenda do encontro e liga esta atividade à sabedoria feminina[28].
Em Pv 31, 10-31 encontramos um longo elogio à mulher ideal. São as instruções dadas pelo mestre aos seus alunos. A mulher perfeita é aquela capaz de dirigir a casa e os negócios com sensibilidade, competência e criatividade. Trata-se de uma mulher que está no centro da vida familiar e é por sua causa que a casa torna-se acolhedora; por causa dela o marido é elogiado na porta da cidade – que é o lugar das atividades públicas:
Pr 31,10-12 – são os versículos iniciais. Procuram chamar a atenção para as descrições seguintes;
Pr 31,13-18a – fala das atividades fundamentais da dona de casa, mas ressalta a excelência do trabalho desta mulher forte;
Pr 31,20 – exalta a solicitude com os mais fracos;
Pr 31,21 – a neve não era um fenômeno comum em Israel, portanto aqui se fala de situações extremas. Ou seja, a mulher perfeita pensa e age antecipadamente;
Pr 31,24-28 – sua atividade contribui de forma significativa para o bem estar econômico da casa;
Pr 31,29-31 – parte conclusiva em louvor da mulher perfeita. Uma característica essencial, mais importante que a beleza é a piedade e o respeito ao Senhor.
Pr 31,30 volta ao tema do princípio da sabedoria, que é o temor do Senhor. Este é o tema central da mensagem sapiencial, por isso é a qualidade central da mulher perfeita. São Paulo dirá que a mulher sábia é aquela que se adorna de virtudes e de boas obras.
Em outros textos da Bíblia encontramos exemplos onde a função da mulher assume o papel central como elemento dinâmico de ação dentro da história, onde a Palavra de Deus é escutada pela mulher que se faz promotora da ação do homem[29].
O livro de Rute
É um pequeno livro, composto de quatro capítulos e que tem como personagem central Rute (“amiga”, “companheira”).
A narração do livro é desenvolvida com uma coerente linearidade narrativa e teológica:
– Introdução que explica o motivo por que a família de Noemi transferiu-se para Moab (1,1-5),
– Corpo central do livro (1,6—4,12),
– Conclusão final (4,13-17)
– Apêndice que delineia a genealogia de Davi a partir de Farés (4,18-22).
Os quatro capítulos nos quais se distribui o corpo do livro correspondem a quatro cenas sucessivas de um drama com final feliz: a viagem de retorno de Noemi, juntamente com sua nova Rute, de Moab a Belém; a respigadura de Rute no campo de Booz, para o sustento próprio e o da sogra; a noite passa na eira, quando Rute, seguindo o conselho da sogra, apela ao direito de resgate e à lei do levirato, e o matrimônio aprovado pela assembléia dos anciãos.
Além da sua importância histórica pela ligação com o rei Davi, o livro de Rute é um hino de louvor à providência divina que age muitas vezes em silêncio, mas é o fio condutor que sustenta e conduz a história.
O livro de Ester
O livro recebe o nome da personagem central. O nome Ester ou tem raiz persa (Stara = estrela) ou babilônica (Istar = nome de uma deusa). O nome judaico de Ester era Hadassa (= murta). Nesse livro compreende-se a ação de Deus que passa pela responsabilidade humana na construção da história.
O seu conteúdo pode ser dividido em quatro partes:
– Repudio de Vasti e eleição de Ester como rainha (1—2)
– O decreto de extermínio dos hebreus, motivado por Amã (3)
– A intervenção de Ester diante do rei Assuero (4—5)
– A desgraça de Amã e a salvação dos judeus (6—10)
O livro parece sublinhar a responsabilidade humana na construção da história. Ele apresenta uma teologia dialética que une a presença “escondida” de IHWH no mundo com a responsabilidade humana no desenrolar dos acontecimentos.
É provável que desde o séc. V a.C. (cf. 2 Mac 15-27), os hebreus tenham celebrado a festa chamada “purim,” em memória da eliminação do perigo de extermínio decretado contra os seus antepassados durante a dominação persa. O livro de Ester narra os fatos que deram origem a essa festa, mostrando a providência especial usada por Deus com o seu povo eleito, naquela ocasião tão crítica.
Duas redações nos chegaram deste livro: a hebraica e a grega dos LXX, com a única diferença, entre si, de que a grega, além da versão fiel do hebraico, contém mais seis seções, que, tomadas em conjunto, igualam a dois terços do livro hebraico.
Os acréscimos gregos ao texto hebraico de Ester, sem perder a sua dimensão humana como mensagem de encorajamento e de esperança, torna-se uma história de fé, de oração, e intervenções explícitas de Deus. A tradução grega adaptou o texto com explicações e explicitações para um público menos preparado a colher as sutilezas do texto hebraico. Evidencia, portanto, que Deus é aquele que, com auxilio do homem, orienta todos os acontecimentos da história e muda as situações humanamente críticas.
Muitos autores medievais interpretam Ester como figura de Maria que intercede eficazmente em favor do povo de Deus.
O livro de Judite
Deus protetor do fraco que a Ele se confia
O texto do livro de Judite apresenta um caso muito semelhante ao de Tobias: o original semítico (hebraico ou aramaico) perdeu-se e tomou-lhe o lugar uma antiga versão grega, diferenciada, nos numerosos códices, em três recensões especiais.
O texto apresenta várias incongruências, tais como a apresentação, no início do livro (1,1) de Nabucodonosor como rei dos assírios, que reina em Nínive e empreende guerra contra Arfaxad, rei dos medos; segundo a narração, a história teria acontecido após o exílio (cf. 4,3) porém, neste período Nínive já tinha sido destruída. Além disso, jamais ouve um rei assírio que se chamou Nabucodonosor, nem entre os medos houve um rei Arfaxad. Outras incongruências do gênero notam-se ainda no correr do texto: O próprio nome de Betúlia, cenário dos acontecimentos e lugar de suma importância estratégica, jamais é citado na Bíblia. Aqui devemos entender a intenção do autor que, provavelmente usa nomes fictícios e simbólicos, que representam os atuais inimigos da nação; trata-se de um artifício do gênero literário que não diminui em nada o valor e a veracidade do escrito.
O livro recebe o título em função da personagem central, Judite (a judia[30]), e pode ser dividido em duas partes:
- 1—7 – a primeira parte apresenta o contexto histórico com o assédio de Betúlia por parte do general do exército assírio Holofernes;
- 8—16 – a segunda parte narra a intervenção de Judite em favor do seu povo.
O capítulo 16 constitui um epílogo contendo o cântico de Judite, uma descrição da sua vida virtuosa e da sua morte.
A trama do livro é toda encentrada sobre um episódio memorável da vida nacional do povo de Israel: o ato heróico de Judite, jovem viúva, rica, virtuosa e bela, que liberta a pequena cidade de Batúlia, ponto estratégico sobre a via que leva ao norte, em direção a Jerusalém, do potente exército de Holofernes. A figura de Judite entra na lista das grandes figuras do mundo bíblico como modelo de mulher piedosa e temente a Deus.
Mensagem teológica
O livro segue um tema habitual na narrativa bíblica: a proteção que Deus dispensa ao seu povo quando é fiel, por meio de personagens fracos que Nele confiam. Neste sentido o ensinamento de Judite vai além do episódio particular e ganha um caráter paradigmático, válido para interpretar toda a história que se apresenta como uma grande batalha entre Deus e as potências do mal. O que é peculiar em Judite, porém, é que a intervenção divina acontece “velada”; não existem intervenções angélicas, nem prodígios miraculosos, nem ações inexplicáveis de Deus. A trama é plenamente humana, e concentra-se na presença de Deus que inspira a decisão de Judite em vista da salvação do povo. De fato, todo Israel reconhece que a vitória é de Deus, de um Deus que opera através daqueles que a Ele recorrem, como está expresso em 13,18-19:
“Bendita sejas, filha, pelo Deus altíssimo, mais que todas as mulheres da terra, e bendito seja o Senhor Deus, Criador do céu e da terra, que te conduziu para cortar a cabeça do chefe dos nossos inimigos. Jamais tua confiança se afastará do coração dos homens, que recordará para sempre o poder de Deus”.
As mulheres no Novo Testamento
Ao longo das Sagradas Escrituras encontramos figuras femininas que com grande personalidade contribuíram com os planos de Deus na história da salvação: Miriam irmã de Moisés, Débora, Rute, Judite, Ester, Raab, Maria mãe de Jesus. Não é difícil ver interpretações negativas acerca da mulher na Bíblia, mas basta um olhar atento a diversos textos do NT[31] para compreendermos a verdade do pensamento bíblico sobre a mulher. De forma particular o Evangelista Lucas apresenta diversas mulheres que são alvos da misericórdia de Jesus, seja através de uma cura milagrosa, uma palavra consoladora ou o perdão dos pecados, além de serem citadas como modelos de fé e perseverança em algumas parábolas. No primeiro capítulo ele testemunha a história de “três mulheres que desempenham um papel fundamental no projeto divino da salvação: Isabel, Maria e Ana. Isabel é reconhecida como justa e irrepreensível como o seu marido”, Ana a profetisa é apresentada como um exemplo de oração, doação e serviço a Deus, no Templo, e Maria é a “kekaritomene”, a mulher escolhida por Deus para colaborar com a plena realização das suas promessas em vista da salvação de toda a humanidade.
Jesus e as mulheres
Como já conhecemos, do ponto de vista religioso e social o papel da mulher era muito limitado e sua maior realização estava no âmbito familiar, sobretudo no exercício da maternidade. No tempo de Jesus esta realidade não era diferente. É muito significativo o fato de, nas duas narrações da genealogia de Jesus[32] aparecer o nome de mulheres, o que não era comum na cultura judaica. Também causa admiração que as primeiras testemunhas da ressurreição sejam as mulheres[33], uma vez que dentro da cultura da época o testemunho feminino não tinha valor.
Jesus, porém, apresenta a visão divina sobre a mulher quando lhes apresenta como modelo de fé (como na parábola de Lc 18,1-8), quando dirige-se diretamente a elas e porque “lhes restitui um papel ativo na escuta da Palavra que salva e no encontro direto com ele, sem necessidade de mediações masculinas”[34]; ele rompe, assim, com uma serie de costumes e mentalidades da época no que tange as mulheres.
Os textos do NT mostram o lugar ocupado pela mulher no círculo de Jesus e sua promoção nos meios cristãos; especialmente Lc 8,2ss; Lc10,38-42 (episódio de Marta e Maria); Lc 23,27ss (quando da paixão); assim como Jo 12,3ss (unção de Betânia) ou Mt 27,19 (episódio da mulher de Pilatos). Nota-se uma atenção muito particular dedicada por Jesus à condição feminina. Ele evidencia a hipocrisia de uma legislação que condena a mulher à lapidação enquanto fecha os olhos diante do pecado do homem (Jo 8,1-11). Ele acolhe as prostitutas do mesmo modo que as mulheres retas (Mt 21,31s). são mulheres que são as primeiras testemunhas da ressurreição (Mt 28,1-9; Jo 20,11-18). Outras serão associadas aos inícios da evangelização (At 12,12; 16,11-15; 18,2.18, confirmado por Rm 16,3; 1Cor 16,19 ou 2Tm 4,19). Contudo seu papel não se sobrepõe ao dos homens que estão em torno de Jesus e que serão constituídos apóstolos do Evangelho.[35]
Ministérios femininos na Igreja primitiva
À luz de muitos escritos neotestamentários, sabemos que muitas mulheres participavam do ministério apostólico e que os Apóstolos permaneceram fiéis ao modo de agir de Jesus com relação às classes marginalizadas ou menos favorecidas da sociedade. Surge, porém a pergunta de ‘qual era o papel específico da mulher nas primeiras comunidades cristãs?’ Lucas mostra que elas ajudavam materialmente os discípulos[36]. Na Igreja de Filipos encontramos duas mulheres, Evódia e Sínteque, que Paulo chama de colaboradoras junto com Clemente e outros: “Elas lutaram comigo pelo Evangelho”[37]; outras mulheres aparecem nos Atos dos Apóstolos, das quais pouco sabemos[38]. Priscila é chamada por Paulo, juntamente com o seu marido Áquila, de ‘colaboradora em Cristo’.[39]
O texto mais discutido, porém, sobre a colaboração feminina na comunidade primitiva é Rm 16,1-2:
Eu vos recomendo Febe, nossa irmã diaconisa da Igreja de Cencréia. Acolhei-a no Senhor de maneira digna dos santos, ajudai-a em toda tarefa em que ela tiver necessidade de vós. Pois ela protegeu muitos, e a mim mesmo.
O título de ‘diaconisa’ empregado a mulheres parece, porém, referir-se a um serviço feminino ao interno da comunidade eclesial. A maioria dos exegetas discordam que se trate de um ministério ordenado, visto que tais ministérios, nos primeiros séculos ainda se encontravam em via de “desenvolvimento”.[40]
Com base nestas fontes, podemos concluir que as mulheres exerciam um papel fundamental ao interno da Igreja apostólica, que não se limitava à ajuda material e ao trabalho doméstico oferecido aos discípulos, mas estendia-se na colaboração para a difusão do evangelho, e este fato é comprovado pelo tom de gratidão e reconhecimento que o Apóstolo expressa ao referir-se a muitas delas. As referências neotestamentárias sobre as mulheres, expressam a novidade que Cristo veio trazer sobre a situação da mulher.
Maria, a Mulher
Mas ao chegar a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher, nascido sujeito à lei.[41]
A ‘plenitude dos tempos’ revela a verdadeira dignidade da mulher, porque a autorevelação de Deus à humanidade encontra seu ponto central no ‘sim’ da Virgem de Nazaré. Maria é, assim, “a representante e o arquétipo de todo o gênero humano”.[42]
O Filho, Verbo consubstancial ao Pai, nasce como homem de uma mulher, quando chega a “plenitude dos tempos”. Este acontecimento conduz ao ponto chave da história do homem sobre a terra, entendida como história da salvação. É significativo que o Apóstolo não chame a Mãe de Cristo com o nome próprio de “Maria”, mas a defina como “mulher”: isto estabelece uma concordância com as palavras do Proto-Evangelho no Livro do Gênesis (cf. 3, 15). Precisamente essa “mulher” está presente no evento salvífico central, que decide da « plenitude dos tempos »: esse evento realiza-se nela e por seu meio.[43]
O NT reafirma a dupla dimensão da vocação da mulher, a maternidade e a virgindade, onde sob diversos aspectos ela encontra a plena realização da sua pessoa na oblação de total de si. A analogia matrimonial para referir a relação entre Cristo e a Igreja sua esposa comporta em si uma grande riqueza sobre a dignidade da mulher, que deve encontrar na Igreja-Esposa e em Maria, o protótipo daquilo que ela é, além dos condicionamentos culturais, e daquilo que deverá ser.
Josefa Alves,
Doutoranda em Teologia
Consagrada da Comunidade Católica Shalom
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Referências Bibliográficas
BRENNER, ATHALYA. A Mulher Israelita. Papel social e modelo literário na narrativa bíblica, São Paulo: Paulinas 2001
COMPAGNONI, F., PIANA, G., PRIVITERA, S. Dicionário de Teologia Moral, São Paulo: Paulus 1997
HAUKE, MANFRED. Il Sacerdozio femminile nel recente dibattito teologico, in: Rivista Teologica di Lugano, Lugano: Eupress 1996
LACOSTE, JEAN-YVES (dir). Dicionário Crítico de Teologia, São Paulo: Paulinas e Ed. Loyola 2004
ORSATTI MAURO. Introduzione al Nuovo Testamento, Lugano: Eupress 2005
VAMOSH, MIRIAM F. Les femmes aux temps de la Bible, Palphot, Herzlia, 2009
TÁBET, Michelangelo. Introduzione al Pentateuco e ai libri storici dell’Antico Testamento, Roma: Apollinare 2001.
FABRIS, Rinaldo e col.. Introduzione Generale alla Bibblia, Torino: Elle di Ci 1999.
VAUX, R. De. Instituições de Israel no Antigo Testamento, São Paulo: Paulus 2003.
STRUS A. – PICCA J.. La Bibbia nel suo Ambiente. Introduzione alla Sacra Scrittura, Roma: USP 2003.
JOAO PAULO II. Carta Apostólica Mulieris Dignitatem, São Paulo: Paulinas 1988.
[1] Um caso semelhante é o de Lot em Gn 12s.
[2] Encontramos o termo bet em apenas em: Gn 24.28; Rut 1,8; Ct 3,4; 8,2.
[3] Cf. Lv 25,24s.
[4] Cf. ATHALYA BRENNER, A Mulher Israelita. Papel social e modelo literário na narrativa bíblica, São Paulo 2001, 17.
[5] MIRIAM F. VAMOSH, Les femmes aux temps de la Bible, Herzlia, 2009, 5-6.
[6] Is 49,15.
[7] Cf. Gn 34,3-31; 1Sm 18,17; 2Sm 3,3; 2Rs 8,18.
[8] Jr 29,6.
[9] Para expressar a sua relação de amor e fidelidade para com o seu povo, o Deus de Israel apresenta-se como o Esposo, usando alegoria nupcial. Cf. Is 54,1-8; 61,10; 62,4-6; Jr 2,2. 31-32; Ez 16,8s; Os 2,21-22. A imagem nupcial é importante porque revela que, se Deus usa a realidade do matrimônio como símbolo do seu amor, o matrimônio já era compreendido como uma realidade de amor e fidelidade total; por outro lado o matrimonio encontra no Deus-Esposo a sua medida e o seu verdadeiro sentido.
[10] As virgens vestais eram as sacerdotisas da deusa Vesta. Elas serviam no templo por 30 anos após terem sido escolhidas e tinham a missão de zelar para que o fogo que protegia a cidade não apagasse. Eram escolhidas entre famílias nobres e moralmente retas e deveriam manter a castidade, caso violassem a regra, recebiam duras penas, como por exemplo, ser enterradas vivas.
[11] “O ugarítico também tem o duplo sentido de senhor e do nome de uma divindade. A raiz, na maioria das línguas semíticas, quer dizer ou “senhor” ou, quando seguida de um genitivo, “dono”.” Cf. R. LAIRD HARRIS, GLEASON L. ARCHER, BRUCE K. WALTKE, Dicionário Internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo 1998, 199.
[12] Cf. Gn 3,16; 18,12; Sl 44,12.
[13] Cf. Myriam F. Vamosh, 32.
[14] Cf. Gn 25,6; 1Rs 11,3.
[15] Cf. Gn 16,4-6.
[16] Gn 38,24; Jo 8,3-11.
[17] Myriam F. Vamosh, 31.
[18] “Sua apresentação se revestia de caráter de ato social piedoso, no qual as relaçãoes sexuais coletivas eram legítimas como cumprimento de ritual sagrado”. F. COMPAGNONI, G. PIANA, S. PRIVITERA, Dicionário de Teologia Moral, São Paulo 1997, 1043.
[19] Dt 23,18; Os 1-3; 14,14; Jr 2; Ez 23; Nm 25,1ss; 1Rs 14,24; 15,12; 22,47; 2Rs 23,7.
[20] Cf. Dt 23,18s.
[21] Cf. 2Rs 23,7.
[22] Cf. 2Mc 6,4.
[23] Cf. Athalya Brenner, 114-115.
[24] Cf. Miriam F. Vamosh, 97.
[25] Cf. Gn 18,6; 27,9-16;Ex 11,5; 1Sm 8,13; 2Sm 13,8.
[26] Cf. Miriam F. Vamosh, 17.
[27] A tecelagem era considerada como uma das atividades que mulheres da alta sociedade deveriam privilegiar “para não cair no tédio”. Mesmo a filha e a neta do Imperador Augusto aprenderam essa técnica. Cf. Miriam F. Vamosh, 19.
[28] “Todas as mulheres dotadas de sabedoria teceram com suas mãos e trouxeram, já prontos, a púrpura roxa e a púrpura vermelha, o carmesim brilhante e o linho. Todas as mulheres dotadas de sabedoria teceram o pelo de cabra”, Cf. Ex 35,25-26.
[29] Podemos citar Ester, Judite e Débora.
[30] No sentido de verdadeira filha de Israel.
[31] Rm 16,1-20; Ef 5; Gl 3,28; Mt 15,21-28; Lc 1—2; 7,11-15; 7,36-50; 8,2-3; 10,38-42; 15,8-10; 18,1-8; 23,27-31; Jo 2,1-11; 4,1-42; 8,1-11; 12,1-8; 19,25-27; 20,11-18.
[32] Cf. Mt 1,1-17; Lc 3,23-38. Todas as genealogias, também chamadas toledot (Gn 2,4) são feitas segundo a sucessão masculina (Gn 5; 10; 11,10-27; 19,36-38; 22,20-24; Nm 36; 1Re 21,3; Rt 4,18-22).
[33] Cf. Mt 28,1-10; Mc 16,1-8; Lc 24,1-11; Jo 20,1-11.
[34] MAURO ORSATTI, Introduzione al Nuovo Testamento, Lugano 2005, 206.
[35] JEAN-YVES LACOSTE dir., Dicionário Crítico de Teologia, São Paulo 2004, 2003.
[36] Cf. Lc 8,1-3. Parece que a situação social de algumas mulheres era comparável a dos homens influentes da época (cf. também At 13,50).
[37] Cf. Fil 4,2-3.
[38] Tabita em Jope (At 9,36), Lídia (At 16,14), Dâmaris em Atenas (At 17,34) e as quatro profetisas, filhas do diácono Felipe (At 21,9).
[39] Rm 16,3.
[40] Cf. MANFRED HAUKE, Il Sacerdozio femminile nel recente dibattito teologico, em Rivista Teologica di Lugano, 1 (1996), 257-281.
[41] Gl 4,4.
[42] Cf. João Paulo II, Carta Apostólica Mulieris Dignitatem, 4.
[43] Idem, 3.
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