«Antes de mais, dou graças ao meu Deus por todos vós, por meio de Jesus Cristo… É que eu anseio por vos ver, para vos comunicar algum dom espiritual e assim vos fortalecer, ou antes, para, estando convosco, ser reconfortado pela fé que nos é comum, a vós e a mim» (Rom 1, 8-12)
Com estas palavras do Apóstolo Paulo dirijo-me a vós, queridos sacerdotes, pois nelas encontro perfeitamente reflectidos os meus sentimentos e pensamentos, os desejos e as orações. Saúdo em especial o Cardeal Józef Glemp, Arcebispo de Varsóvia e Primaz da Polónia, a quem apresento as minhas mais cordiais felicitações pelo 50.º aniversário da Ordenação sacerdotal, que ocorre precisamente hoje. Cheguei à Polónia, à dilecta Pátria do meu grande Predecessor João Paulo II, para haurir – como ele mesmo costumava dizer – deste clima de fé no qual viveis e para «vos comunicar algum dom espiritual e assim vos fortalecer». Estou certo de que a minha peregrinação nestes dias «reconfortará a fé que nos é comum, a vós e a mim».
Hoje encontro-me convosco na arquicatedral de Varsóvia, que em cada pedra recorda a história dolorosa da vossa capital e do vosso país. A que provações fostes expostos em tempos não distantes! Lembremo-nos dos heróicos testemunhos da fé, que ofereceram a sua vida a Deus e aos homens, santos canonizados mas também homens correntes, que perseveraram na rectidão, na autenticidade e na bondade, sem nunca cederem ao desânimo. Nesta catedral recordo particularmente o Servo de Deus Card. Stefan Wyszynski, por vós chamado «o Primaz do Milénio» que, abandonando-se a Cristo e à sua Mãe, soube servir fielmente a Igreja mesmo no meio de provações dolorosas e prolongadas. Recordamos com reconhecimento e gratidão os que não se deixaram subjugar pelas forças das trevas, deles aprendemos a coragem da coerência e da constância na adesão ao Evangelho de Cristo.
O sacerdote, servidor de Cristo
Hoje encontro-me convosco, sacerdotes chamados por Cristo para O servirem no novo milénio. Fostes escolhidos entre o povo, constituídos nas coisas que dizem respeito a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados. Acreditai no poder do vosso sacerdócio! Em virtude do sacramento, recebestes tudo o que sois. Quando pronunciais as palavras «eu» ou «meu» («Eu te absolvo… Este é o meu Corpo…»), fazei-lo não em vosso nome mas em nome de Cristo, «in persona Christi», que quer servir-se dos vossos lábios e das vossas mãos, do vosso espírito de sacrifício e do vosso talento. No momento da vossa Ordenação, mediante o sinal litúrgico da imposição das mãos, Cristo tomou-vos sob a sua especial protecção; vós estais escondidos sob as suas mãos e no seu Coração. Mergulhai no seu amor e dai-lhe o vosso amor! Quando as vossas mãos foram ungidas com o óleo, sinal do Espírito Santo, elas foram destinadas a servir o Senhor como mãos suas no mundo de hoje. Elas já não podem servir o egoísmo, mas devem transmitir ao mundo o testemunho do seu amor.
A adoração eucarística
A grandeza do sacerdócio de Cristo pode incutir temor. Podemos ser tentados a exclamar com Pedro: «Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador» (Lc 5, 8), pois sentimos dificuldade em acreditar que Cristo nos tenha chamado precisamente a nós. Não poderia ter escolhido alguém mais capaz, mais santo? Jesus, contudo, olhou com amor justamente para cada um de nós, e devemos confiar neste seu olhar. Não nos deixemos levar pela pressa, como se o tempo dedicado a Cristo em silenciosa oração fosse tempo perdido. Pelo contrário, é precisamente aí que se escondem os frutos mais maravilhosos do serviço pastoral. Não se deve desencorajar pelo facto de que a oração exige um esforço, nem pela impressão de que Jesus se cala. Ele cala, mas actua. Apraz-me recordar, a este propósito, a experiência vivida em Colónia no ano passado. Lá fui testemunha de um profundo, inesquecível silêncio de um milhão de jovens, no momento da adoração do Santíssimo Sacramento! Aquele silêncio orante uniu-nos, deu-nos uma grande consolação. Num mundo em que há tanto ruído, tanta perturbação, temos necessidade da adoração silenciosa de Jesus escondido na Eucaristia. Sede assíduos na oração de adoração e ensinai-a aos fiéis. Nela encontrarão conforto e luz, sobretudo as pessoas que sofrem.
O sacerdote, perito na vida espiritual
Dos sacerdotes, os fiéis esperam somente uma coisa: que sejam especialistas em promoverem o encontro do homem com Deus. Ao sacerdote não se pede para ser perito em economia, em construção civil ou em política. Dele espera-se que seja perito na vida espiritual. Para este fim, quando um jovem sacerdote dá os seus primeiros passos, é preciso que possa apoiar-se num mestre experiente, que o ajude a não desanimar no meio de tantas propostas da cultura do momento. Diante das tentações do relativismo ou do permissivismo, não é de facto necessário que o sacerdote conheça todas as actuais e mutáveis correntes de pensamento; o que os fiéis esperam dele é que seja testemunha da eterna sabedoria, contida na palavra revelada. A solicitude pela qualidade da oração pessoal e por uma boa formação teológica traz frutos na vida. Viver sob a influência do totalitarismo pode ter gerado uma inconsciente tendência a esconder-se debaixo de uma máscara exterior, com a consequência de cedência a uma certa forma de hipocrisia. É claro que isto não ajuda a autenticidade das relações fraternas e pode conduzir a uma exagerada concentração sobre si mesmos. Na realidade, crescemos na maturidade afectiva quando o nosso coração adere a Deus. Cristo precisa de sacerdotes que sejam maduros, vigorosos, capazes de cultivar uma verdadeira paternidade espiritual. Para que isto se dê, ajuda a honestidade consigo mesmos, a abertura ao director espiritual e a confiança na divina misericórdia.
Igreja santa e com membros pecadores
O Papa João Paulo II, por ocasião do Grande Jubileu, exortou várias vezes os cristãos a fazerem penitencia das infidelidades passadas. Cremos que a Igreja é santa, mas nela há homens pecadores. É preciso afastar o desejo de se identificar somente com aqueles que não têm pecado. Como poderia a Igreja excluir das suas fileiras os pecadores? Foi para sua salvação que Jesus encarnou, morreu e ressuscitou. Portanto, é necessário aprender a viver com sinceridade a penitencia crista. Ao praticá-la, confessamos os nossos pecados individuais em união com os outros, diante deles e de Deus. Contudo, convém evitar a pretensão de apresentar-se com arrogância como juízes das gerações precedentes, que viveram noutros tempos e em diferentes circunstâncias. É precisa uma sinceridade humilde para não negar os pecados do passado, e ao mesmo tempo não cair em fáceis acusações em ausência de provas reais ou ignorando as diferentes pré-compreensões de outros tempos. Além disso, a confessio peccati, para usar uma expressão de Santo Agostinho, deve ser sempre acompanhada da confessio laudis, da confissão do louvor. Ao pedir perdão pelo mal cometido no passado, devemos recordar também o bem realizado com a ajuda da graça divina que, embora depositada em vasos de argila, produziu com frequência frutos excelentes.
Assistência aos emigrados
Hoje a Igreja na Polónia encontra-se diante de um grande desafio pastoral: cuidar dos fiéis que deixaram o País. A praga do desemprego obriga numerosas pessoas a partirem para o estrangeiro. É um fenómeno difundido em vasta escala. Quando as famílias ficam deste modo divididas, quando se quebram os laços sociais, a Igreja não pode permanecer indiferente. É necessário que as pessoas que partem sejam acompanhadas por sacerdotes que, unindo-se com as Igrejas locais, assumam a obra pastoral no meio dos emigrantes. A Igreja que está na Polónia já deu numerosos sacerdotes e religiosas, que desempenham o seu serviço não só em favor dos Polacos fora dos confins do país, mas também, e às vezes em condições dificílimas, nas missões da África, da Ásia, da América Latina e noutras regiões. Não vos esqueçais, queridos sacerdotes, destes missionários. O dom de numerosas vocações, com as quais Deus abençoou a vossa Igreja, deve ser acolhido em perspectiva verdadeiramente católica. Sacerdotes polacos, não tenhais medo de deixar o vosso mundo seguro e conhecido para servir onde faltam os sacerdotes e onde a vossa generosidade pode produzir abundantes frutos.
Permanecei firmes na fé! Também a vós confio este lema da minha peregrinação. Sede autênticos na vossa vida e no vosso ministério. Olhando para Cristo, vivei uma vida modesta, solidária com os fiéis aos quais sois enviados. Servi a todos; sede acessíveis nas paróquias e nos confessionários, acompanhai os novos movimentos e as associações, ajudai as famílias, não descuideis o relacionamento com os jovens, recordai-vos dos pobres e dos abandonados. Se viverdes de fé, o Espírito Santo sugerir-vos-á o que devereis dizer e como devereis servir. Podereis sempre contar com a ajuda d’Aquele que precede a Igreja na fé. Exorto-vos a invocá-lo sempre com as palavras a vós bem conhecidas: «Estamos próximos de Ti, recordamos-te, vigiamos».
A todos a minha Bênção!
Bento XVI