No início da Criação, em face da queda de nossos primeiros pais, Deus falou para o homem: “Porque escutaste a voz de tua mulher e comeste da árvore que eu te proibira de comer, maldito é o solo por causa de ti. Com sofrimentos, dele te nutrirás todos os dias de tua vida. Ele produzirá para ti espinhos e cardos e comerás a erva dos campos. Com o suor do teu rosto, comerás teu pão até que retornes ao solo, pois dele foste tirado.” (Gn 3,17-19).
Aparentemente, o trabalho foi colocado para o homem como um castigo, mas há que se ver que Deus, na sua misericórdia para com a sua obra-prima, a quem tinha criado à sua imagem e semelhança, quis desde logo colocar o trabalho para o homem como uma forma para redimi-lo.
Veja-se que o próprio Jesus, nosso Redentor e Salvador, trabalhou até os 30 anos de idade, como carpinteiro, demonstrando a todos que todo trabalho é santo, não levando em conta a sua importância dentro do contexto social, quer seja o mais humilde e simples ou o mais nobre e relevante.
Como nos ensina Felipe de Aquino, no livro “Sede Santos”, p. 109, “trabalhando, como homem, Jesus tornou sagrado o trabalho humano e fonte de santificação”.
O Catecismo da Igreja, no seu cânon 378, ensina que o trabalho não é uma penalidade, mas sim a colaboração do homem e da mulher com Deus no aperfeiçoamento da criação visível”. Mais adiante, no cânon 2427, acrescenta: “O trabalho honra os dons do Criador e os talentos recebidos. Suportando a pena do trabalho unido a Jesus, o artesão de Nazaré e o Crucificado do Calvário, o homem colabora de certa maneira com o Filho de Deus na sua obra redentora. Mostra-se o discípulo de Cristo carregando a cruz cada dia, na atividade que está chamado a realizar. O trabalho pode ser um meio de santificação e uma animação das realidades terrestres no Espírito Santo”.
Com efeito, quanto nos lamentamos e até mesmo murmuramos em relação ao nosso trabalho em si, ao quanto percebido como remuneração, em relação às tarefas espinhosas que nos são cometidas por nossas autoridades, ou aos nossos colegas de trabalho, muitas vezes gerando para nós uma inaceitação total daquilo que é justamente uma forma de servirmos e de colaborarmos para o aprimoramento da sociedade em que vivemos.
Em outras ocasiões, colocamos todas as nossas esperanças de vida, expectativas e anseios no fruto que advirá de nosso labor e aí o trabalho tem invertida a sua finalidade, porque passamos a ser verdadeiros escravos de nossas atividades, comprometendo nossa disponibilidade de tempo, nossa família e o tempo que devemos dar a Deus.
Na realidade, o trabalho deve ser entendido como dom de Deus para com a criatura dele. É forma, caminho e meio de santificação. É forma de servir o irmão. É meio de por Ele sermos co-criadores, instrumentos de evangelização da humanidade tão sedenta de Deus.
Jesus, na sua vida terrena, disse para todos: “O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos” (Mt 20,28). E veja que Jesus, sendo Deus e homem, serviu até a morte, e morte de cruz, para nos resgatar do pecado e nos conduzir à vida eterna. Deu seu exemplo para cada um de nós.
Consoante ensina Felipe de Aquino (ibidem, p. 110), “não podemos dividir a nossa vida em duas dimensões, uma religiosa, que se desenvolve na Igreja, nas horas de oração e de Encontros, e outra, que é a vida do trabalho, como se uma fosse sagrada e a outra profana. Não. Isso é um grave engano. Toda a nossa vida é sagrada, tanto a espiritual quanto a profissional. Nada é profano na nossa vida”.
E seguindo esse raciocínio, Santo Inácio de Loyola nos ajuda quando diz esta bela oração: “Rezai como se tudo dependesse de Deus e trabalhai como se tudo dependesse de vós”.
São Paulo, na sua Carta aos Colossenses (3,17), afirma: “Tudo o que fizerdes, por palavra ou por obra, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai” e, no versículo 12, aduz: “Tudo o que fizerdes, fazei-o de bom coração, como para o Senhor e não para os homens. Sabeis que recebereis como recompensa a herança das mãos do Senhor. Servi ao Senhor Jesus Cristo”.
E no exercício do trabalho, por mais árduo e difícil que seja, ofereçamo-lo ao Senhor, porque sem o trabalho o homem jamais poderia ter construído todas as civilizações que já se sucederam na história e que ainda hão de se suceder; não haveria pão para o alimento, casa, transporte, remédios, cultura etc.
Em assim fazendo, estamos cumprindo aquilo que Deus dispôs: “Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e a submetei; dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a terra” (Gn 2,28).
Com o trabalho o homem se sente útil, identifica-se com o próprio Cristo que veio servir, apesar de ser Deus. No serviço, na ajuda ao próximo, na doação de si mesmo, na fruição dos dons que o Senhor nos deu, estaremos reproduzindo os talentos que gratuitamente nos foram dados pelo Senhor.
Através do trabalho honesto, do suor despendido nas nossas atividades laborais, por mais difíceis e penosas que sejam, teremos a missão de santificar o mundo, a família, a política, a universidade, a música, a arte, a pesquisa, enfim, tudo o que nos é dado fazer em todos os campos da atividade humana.
Pelo trabalho de cada um, concretamente realizado, haveremos de ser “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5,12). Se eu sou um cientista, que eu procure sê-lo na busca daquilo que possa ser útil ao meu irmão, em particular, e à sociedade, como um todo; se sou um operário, que procure cumprir as minhas obrigações que me são ordenadas pelo meu patrão; se sou médico, que seja um verdadeiro missionário na busca de levar lenitivo àqueles que sofrem os males do corpo; se sou advogado, que veja na causa do meu irmão uma forma de buscar a realização da justiça e do direito. Assim, no trabalho, busquemos ser santos, como o Pai quer que o sejamos – “Portanto, deveis ser perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48).
E, finalmente, lembremo-nos de que, pela fadiga de cada dia, estaremos em comunhão com o Cristo ressuscitado, colaborando com o Senhor na redenção do mundo e, dessa forma, “completando na minha carne o que falta à paixão de Cristo no seu corpo, que é a Igreja” (Col 1,24).
Assim, realizando o trabalho, estaremos dando nossa resposta de amor, de fé e de confiança em Nosso Senhor Jesus Cristo, seremos testemunhas para os nossos irmãos de que através do labor possamos ser instrumentos de paz, de concórdia, de unidade e, dessa forma, tornaremos o nosso trabalho uma contínua oração, um caminho perfeito de vida e de busca da santidade.
Fonte: Arquivo Shalom
Formação de 3 de março de 2008