Em meu giro pela Itália no mês de novembro passado, deixou-me uma marca profunda minha estadia na cidade de Battipaglia, na região sul: Lá encontrei dois amigos de 50 anos atrás: o Pe. Antônio Riccardi e Pe. Flavio Formenti. Da estação ferroviária fui diretamente ao apartamento do Pe. Antônio. Logo que me reconheceu, foi aquela euforia, em que os gestos se cruzavam com as vozes; disse algumas palavras em português e cantou alguns versos de nossos antigos cânticos populares que cantávamos quando vivemos juntos em Verona, no início da década dos anos cinqüenta. O diálogo não foi muito longo, mas ficou certo de eu voltar no dia seguinte para o almoço.
Retomei o caminho em direção à residência dos Padres Estigmatinos. Lá encontrei o Pe. Flávio, que foi meu discípulo nos anos de 1955-56. Eu era clérigo, encarregado de acompanhar a formação duma classe de seminaristas. Muitas gratas recordações revividas nos três dias que passei em Battipaglia.
Fico pensando como um tão longo tempo não conseguiu apagar a lembrança desses velhos amigos. É assim mesmo! A verdadeira amizade não se apaga com o tempo.
A fonte da qual brotou nossa amizade foi o ideal comum de servir a Cristo e aos irmãos através da consagração na vida sacerdotal. Podia ter sido também o simples amor ao estudo, como aconteceu com São Basílio e São Gregório, que são modelos de amizade cristã; a festa litúrgica desses dois grandes santos é celebrada no dia 2 deste mês.
A amizade pode ter também a sua origem num encontro fortuito durante uma viagem. Foi assim que nasceu minha amizade com o casal canadense Mary e Daniel e seus três filhos – ainda crianças – quando fizemos juntos, no mesmo coletivo, o percurso de Belém a Jerusalém. Isso foi em 1984. Nossas cartas se cruzam pelo menos quatro vezes ao ano.
Mas a amizade verdadeira é muito mais do que isso; ela atinge o âmago da pessoa humana, iluminando-a e aquecendo-a. O verdadeiro amigo só se realiza quando vê o coirmão feliz. O amigo faz os maiores sacrifícios, renúncias e esforços para ver seu irmão realizado; jamais o abandona no tempo da provação, da amargura. Aliás, é nessa hora que se conhece o verdadeiro amigo, como dizia Cícero: AMICUS CERTUS IN RE INCERTA CERNITUR: O verdadeiro amigo se conhece nos momentos de dificuldades e lutas.
Na minha longa experiência de vida sacerdotal tenho visto luminosos exemplos de amigos que se sacrificam e se desdobram em gestos concretos de solidariedade e amor diante do amigo que passa momentos de carência, de dores e de angústia. Nessa área, os primeiros modelos são as boas mães.
Infelizmente presenciei também muitas cenas, em que as pessoas, passando por dificuldades, foram abandonadas por seus amigos nos momentos que mais precisavam
A amizade pode nascer por diversos e variados motivos, fatos ou circunstâncias. Mas a verdadeira e sólida amizade se fundamenta na pessoa de Cristo. Sou seu amigo, porque ambos somos amigos de Cristo. É por isso que as pessoas que se reúnem, levando vida em comum para seguir o evangelho, se tornam profundamente amigas. Não seria este o motivo de a minha amizade com Pe. Riccardi e Pe. Flávio estar perdurando, não obstante à distância e os longos anos?
O certo é que aprofundando nossa amizade com Cristo, vamos encontrar nele nossos verdadeiros amigos; aprofundando a sadia amizade com os irmãos, vamos encontrar a pessoa de Cristo. Fundamental é termos segurança e firmeza na afirmação de Cristo: “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu Senhor. Eu vos chamo AMIGOS, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai” . (Jo 15,15).
Dom Antônio de Sousa
Bispo emérito de Assis (SP)