Formação

Orar é olhar para dentro de nós

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Existem duas maneiras de se fazer a experiência pessoal e comunitária de Deus. Há aquela que o ser humano pode fazer a partir de si, de sua busca (religiões naturais) e aquela em que a experiência feita a partir de si encontra-se com o auto-desvelamento livre, que Deus historicamente fez de si (religiões reveladas). A história da experiência de Deus revelada, feita pelo povo de Deus da Antiga Aliança e da Nova e Eterna Aliança, ficou gravada, codificada, “aprisionada” em textos sagrados que chamamos de Sagrada Escritura, Bíblia.

Ela é, portanto, a fonte na qual o discípulo, isto é, o aprendiz busca a Deus. Na Bíblia há a Fonte (Deus) e as fontes, estas diversificadas em textos-fonte (por exemplo, os Evangelhos), textos animados pelos textos-fonte (por exemplo, os apócrifos Didaque, O Pastor de Ermas) e, finalmente, textos cujo interesse é usar as fontes para interesse subjetivos, quer privativos quer grupais, por exemplo, os apócrifos produzidos pelo gnosticismo.

Ao ler e estudar a Escritura precisamos analisar e refletir o modo de lê-la e estudá-la. Pode-se ler a Bíblia a partir da historiografia, da psicologia, da sociologia, da exegese, e dentro de cada uma dessas ciências, pode-se ler a partir de dezenas de especializações. A psicologia, por exemplo, poderia ler as escrituras no enfoque freudiano, junguiano, rogeriano, neo-freudiano, etc. Surge então a pergunta: como pegar a verdade da Escritura?

Poderíamos responder que ajuntando todos os enfoques possíveis. Mas logo surge um problema: quem conseguiria estudar exaustivamente todos os aspectos, todos os pontos de vista que as ciências positivas modernas apresentam hoje? E se houvesse um super-homem capaz de aprender perfeitamente todos os pontos de vista, seria ele capaz de pegar a verdade das Escrituras? Não! Por quê? Porque a Sagrada Escritura é uma realidade espiritual que só pode ser entendia espiritualmente.

O modo de ler “científico” não leva à realidade espiritual do texto, porque a busca científica não é ingênua. Toda ciência lança o seu enfoque, reduzindo a realidade ao seu interesse. A leitura científica de textos sagrados pode ser muito útil para a compreensão do texto, mas o modo espiritual capta sempre e cada vez a “palavra de Deus” no seu todo. Por isso, quem entra bem no movimento próprio da leitura “espiritual”, acerta com a verdade profunda. Como então concrescer e captar Deus e Seu mistério, realidade maior do que nós?

A história do boneco de sal ilustra bem esse caminho de conhecimento. Era uma vez um boneco de sal que após peregrinar por terras candentes e áridas, chegou a descobrir o mar que jamais conhecera e por isso, não podia compreender. Perguntou: “Quem és tu?”. “Eu sou o mar!”. “Mas que é o mar?”. O mar respondeu: “Sou eu!”. Disse o boneco: “Como poderia compreender-te?”. O mar: “Toca-me!”.

Então o boneco, timidamente, tocou o mar com a ponta dos dedos dos pés. Percebeu que o mar começou a ser compreensível. Mas logo deu-se conta: “Vê só: desapareceram as pontas dos meus pés! Que me fizeste?”. O mar respondeu: “Tu deste alguma coisa para que me pudesse compreender”. E o boneco de sal começou a entrar lentamente no mar. Na medida que entrava, ia-se diluindo. E nesta mesma medida, tinha a impressão de conhecer mais e mais o que é o mar. O boneco ia repetindo de si para consigo: “Que é o Mar?”. Até que uma onda o tragou completamente. E ele pôde ainda dizer, no momento de ser diluído pelo mar: “O mar sou Eu!”

Cada cristão deve repetir a pergunta: “Quem és tu, Senhor Deus?”. No fundo, todas as fontes estão sempre e de novo interessadas e ocupadas na pesquisa de quem é este Deus, manifestado em Jesus Cristo. Por isso, as fontes ao invés de solucionar, procuram questionar sempre de novo e mais a compreensão que temos de Deus. A única coisa que o cristão sabe de Deus é que ainda nada sabe.

Por Dom Fernando Mason
Bispo diocesano de Piracicaba


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