Formação

Os Apóstolos e a Propagação da igreja

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O Apóstolo São Pedro

 Sabe-se que São Pedro foi por Jesus constituído fundamentovisível da Igreja (cf. Mt 16,16-19; Jo 21,15-17). Os Atos dos Apóstolos mostramcomo este Apóstolo tomava a dianteira logo nos primeiros tempos da Igreja: nodia de Pentecostes (At 2,14-40), no pórtico de Salomão (At 3,12-26), diante dotribunal judeu (At 4,8-12), no caso de Ananias e Safira (At 5,1-11), ao recebero primeiro pagão, Cornélio, na Igreja (At 10,1-48), ao pregar na Samaria (At9,32-43). No ano de 42, é aprisionado em Jerusalém e, uma vez solto, “retira-separa outro lugar”(At 12,17). Para onde terá ido? – Uma tradição em voga doséculo IV em diante refere que Pedro morou 25 anos em Roma, ou seja, de 42 a67.

 Quem a aceita, dirá que Pedro passou logo de Jerusalém paraRoma. Acontece, porém, que Pedro é tido como fundador da sé episcopal deAntioquia na Síria; é certo que esteve presente ao concílio de Jerusalém em 49(cf. At 15,7-11); pouco depois estava em Antioquia (cf. Gl 2,11-14). Estesdados levam a dizer que, se Pedro passou para Roma em 42, não permaneceuininterruptamente nesta cidade. É certo, porém, que S. Pedro pregou em Roma,exercendo a plenitude dos poderes apostólicos, e ali sofreu o martírio,provavelmente crucificado de cabeça para baixo no ano de 67. Esta tese está bemdocumentada pela tradição, como se depreende dos seguintes testemunhos:

Em 1Pd 5,13, o autor (S. Pedro) fala em nome dos cristãos daBabilônia, onde reside. Ora Babilônia é a Roma pagã do séc. I d.C. (cf.Ap 18,2sS. Clemente de Roma, por volta de 96, em sua carta aos Coríntios, refere-se aPedro e Paulo, que lutaram até a morte e deram testemunho diante dos poderosos;supõe que ambos tenham morrido em Roma (cf. cc. 5-6).

S. Inácio de Antioquia († 107) escreve aos romanos nestestermos: “Eu não vos ordeno como Pedro e Paulo”. Visto que não existe carta dePedro aos romanos, admite-se o relacionamento oral de Pedro com a comunidade.

Clemente de Alexandria († 215) narra que S. Marcos,intérprete de Pedro, redigiu por escrito a pregação de Pedro a pedido de seusouvintes romanos (cf. Eusébio, História Eclesiástica II 15; VI 14).

S. Irineu de Lião, por volta de 180-190, atribui a fundaçãoda comunidade de Roma aos apóstolos Pedro e Paulo e apresenta um catálogo dosbispos de Roma desde Pedro até sua época (Contra as heresias II 3,2-3). Emconseqüência, afirma que, para guardar a autêntica tradição apostólica, épreciso concordar com a doutrina da Igreja de Roma.

O presbítero romano Gaio, por cerca de 200, atesta que,ainda nos seus tempos, se podiam mostrar em Roma os troféus (tropaia), isto é,os túmulos dos dois Apóstolos: o de Pedro na colina do Vaticano, e o de Paulona via Ostiense (Eusébio, II 25)

As escavações realizadas debaixo da basílica de S. Pedroconfirmaram, em nosso século, tal tradição. Com efeito: verificou-se que abasílica foi construída pelo imperador Constantino em 324 por cima de umcemitério e sobre um terreno que corria em declínio de 11m de altura de Norte aSul; isto exigiu a colocação de uma laje sustentada por pilastras de 5m, 7m e9m de altura, a fim se estabelecerem sobre tal laje os fundamentos do edifício,Ora uma construção em tais condições só pode ser explicada pelo fato de queConstantino e os cristãos tinham a certeza de estar construindo sobre o túmulode São Pedro. Ademais os arqueólogos encontraram na camada mais profunda dasescavações ossos de quase metade de um indivíduo só, robusto, de uns 60-70 anosde idade, muito mais provavelmente homem do que mulher; inscrições em grafitopostas nas proximidades rezavam: “Pedro está aqui” ou “Salve, Apóstolo” ou“Cristo Pedro”.

Em 258 o Imperador Valeriano, perseguindo os cristãos,proibiu que estes se reunissem nos seus cemitérios dentro da cidade de Romapara celebrar a memória dos mártires. Em conseqüência, os cristãos levaram asrelíquias de São Pedro para as catacumbas de São Sebastião na Via Ápia, e, umavez passada a era das perseguições, as trouxeram de volta ao Vaticano.

O Apóstolo São Paulo

A São Paulo tocou um papel de importância enorme na históriado Cristianismo nascente.

Judeu da Diáspora ou de Tarso (Cilícia), recebeu a culturahelênica vigente na sua pátria; aos 15 anos de idade foi enviado paraJerusalém, onde foi iniciado por Gamaliel nas Sagradas Escrituras e nastradições rabínicas. Era autêntico fariseu, quando Cristo o chamou a trabalharem prol de Evangelho por volta de ano 33 (cf. At 9, 19).

Realizou três grandes viagens missionárias em terras pagãs,fundando várias comunidades cristãs na Ásia Menor e na Grécia. São Paulo nãoimpunha aos pagãos nem a circuncisão nem as obrigações da Lei de Moisés, mas concedia-lheslogo o Batismo depois de evangelizados. Ora isto causou sérias apreensões a umafacção de judeo-cristãos chamados “judaizantes”; queriam que os gentiosabraçassem a Lei de Moisés e o Evangelho, como se este não bastasse.Levantaram, pois, certa celeuma contra Paulo.

A fim de resolver a questão, os Apóstolos que estavam emJerusalém, se reuniram com Paulo e alguns discípulos no ano de 49, como refereS. Lucas em At 15: a assembléia houve por bem não impor aos gentios a Lei deMoisés, mas pediu que em Antioquia, na Síria e na Cilícia os étnico-cristãos1observassem quatro cláusulas destinadas a garantir a paz das respectivascomunidades (que contavam numerosos judeo-cristãos): abster-se de carnesimoladas aos ídolos (idolotitos), de sangue, de carnes sufocadas (cujo sanguenão tivesse sido eliminado) e de uniões ilegítimas. Essas cláusulas tinhamcaráter provisório, e visavam a não ferir a consciência dos judeo-cristãos2,que tinham horror aos ídolos, ao consumo de sangue e à fornicação.

Estava assim teoricamente resolvida a problemática levantadapelos judaizantes; na prática, porém, estes não se tranqüilizaram e procuraramdestruir a obra apostólica de S. Paulo, caluniando-o como impostor eoportunista; Paulo, diziam, queria facilitar o acesso dos pagãos aoCristianismo para ganhar a simpatia dos mesmos, já que não tinha a autoridadedos outros Apóstolos; não acompanhara o Senhor Jesus, mas era discípulo dosApóstolos; alegavam também que, se Paulo queria viver do trabalho de suas mãose não da obra de evangelização (cf. 1Cor 9,15-18; 1Ts 2,9), ele o fazia porsaber que não era Apóstolo como os demais e não tinha o direito de sersustentado pelas comunidades dos fiéis. São Paulo sofreu horrivelmente porcausa dessas falsas acusações (cf. 2Cor 11,21-32), mas não se abateu, pregandointrepidamente a liberdade dos cristãos frente à Lei de Moisés. E por que tantoinsistiu nisto?

Eis a resposta paulina: Deus chamou Abraão gratuitamente ousem méritos de Abraão, e prometeu-lhe a benção do Messias; Abraão acreditounesta Palavra do Senhor, e tornou-se justo ou amigo de Deus por causa da suafé; é certo, porém, que esta fé não foi inerte, mas traduziu-se em obediênciaincondicional a todas as ordens do Senhor.

Ora o modelo de Abraão é válido para todos os homens,anteriores e posteriores a Cristo; ninguém é justificado ou feito amigo de Deusporque o mereça, mas porque Deus tem a iniciativa de perdoar os pecados de suacriatura; esta acredita no perdão de Deus e exprime sua fé em obras boas. -Sobre este pano de fundo a Lei de Moisés foi dada ao povo de Israel a títuloprovisório e pedagógico: ela propunha preceitos santos, que o israelita nãoconseguia cumprir, vítima da desordem de pecado existente dentro de todo homem;assim a Lei tinha o papel de mostrar à criatura que ela por si só é incapaz depraticar o bem e de fazer obras meritórias; ela precisa da graça de Deus,…graça que o Messias devia trazer; desta maneira (dura e paradoxal) a Leipreparava Israel para receber o Salvador: aguçava a consciência do pecado,tirava qualquer ilusão de auto-suficiência e provocava o desejo do dom gratuitode Deus prometido a Abraão.

A intuição desta verdade ou do grande desígnio de Deus nahistória da salvação se deve ao gênio de São Paulo, que assim evitou que o Cristianismose tornasse uma seita judaica, filiada à Lei de Moisés, e preservou aautenticidade cristã: a Lei de Moisés era um elemento meramente provisório epreparatório para Cristo.

Quanto ao fato de não querer viver do seu trabalho deevangelização, e de trabalhar com as mãos para ganhar seu pão, São Paulo ojustificava, dizendo que evangelizar para ele não era meritório (como erameritório para os demais Apóstolos); Cristo o tinha de tal modo cativado queele não podia deixar de pregar a Boa-Nova (“ai de mim, se eu não evangelizar!”,1Cor 9,16); por isto devia fazer algo mais para oferecer ao Senhor Deus. -Ademais São Paulo fazia questão de dizer que não era discípulo dos Apóstolos,mas fora instruído e instituído diretamente por Deus (cf. Gl 1,1).

 A expansão do Cristianismo nascente

 Sem demora, a pregação do Evangelho ultrapassou os limitesdo país de Israel e entrou em território pagão.

 Em Antioquia, capital da Síria, fundou-se uma comunidademuito próspera, que se tornou um centro de irradiação missionária para o mundohelenista. Foi lá que pela primeira vez os Galileus (At 1,11) ou Nazarenos (At24,5) receberam o nome de cristãos (em grego, christianoi); cf. At 11,26.

 Em Roma o Cristianismo deve ter-se originado por obra dejudeus residentes naquela cidade que haviam peregrinado a Jerusalém por ocasiãodo primeiro Pentecostes cristão (cf. At 2,10); tendo abraçado a fé naquele dia,regressaram a Roma e lá transmitiram a Boa-Nova aos seus compatriotas daDiáspora. S. Pedro e S. Paulo devem ter encontrado a comunidade já estruturadaquando chegaram a Roma. Tácito refere que Nero em 64 mandou executar umamultitudo ingens (enorme multidão) de cristãos.

 O surto do Cristianismo na Gália é narrado através dehistórias pouco seguras: os irmãos Lázaro, Marta e Maria terão ido para aProvença, e Lázaro haverá sido bispo de Marselha (cf. Lc 10, 38-42); Dionísio,convertido por S. Paulo no Areópago de Atenas (cf. At 17,34), terá sido oprimeiro bispo de Paris… É certo, porém, que no século II havia comunidadesflorescentes na Gália, fato testemunhado por S. Irineu, bispo de Lião († 202).

 Na Espanha é possível que tenha estado São Paulo, consoanteo desejo alimentado pelo Apóstolo (cf. Rm 15,28). A notícia de que São TiagoMaior chegou à Espanha é pouco fidedigna, pois tal Apóstolo morreu no ano de 42em Jerusalém (cf. At 12,3); só no século VII se encontram os primeirostestemunhos desta notícia.

 Na Britânia (ou Inglaterra de hoje) supõe-se que oCristianismo tenha penetrado por efeito do zelo missionário de cristãos da ÁsiaMenor. Tertuliano († 222) falava da Britânia, que tinha “partes não penetradaspelos romanos, mas sujeitas a Cristo” (Adversus Judaeos 7). Na Alemanha sabe-seque o Evangelho já tinha seguidores no séc.II, conforme S. Irineu (Adversushaereses I 10,2), mas não se pode dizer como se originou o Cristianismo naqueleterritório.

 A África norte-ocidental deve ter sido evangelizada porcristãos de Roma, visto que era grande o intercâmbio entre um continente eoutro. No século III, Tertuliano podia dizer retoricamente que os cristãosconstituíam a maioria das populações das cidades da região. Numerosas sedesepiscopais (90) aí foram fundadas.

 Quanto ao Egito, diz-se que São Marcos deu origem à sedeepiscopal de Alexandria – o que é duvidoso. É certo, porém, que toda a regiãofoi rica em dioceses e colônias de monges nos séculos III/V. Na Palestina aevangelização foi muito dificultada pelos judeus até 70. Neste ano os romanosvenceram os israelitas rebeldes e os expulsaram da sua pátria. Em 130, oImperador Adriano mandou reconstruir a cidade de Jerusalém arrasada em 70,dando-lhe o nome pagão de Aelia Capitolina, e dedicando o respectivo templo aJúpiter. O Calvário foi recoberto por um templo dedicado a Afrodite. Somente apartir do século III a comunidade étnico-cristã de Jerusalém começou a tercerta importância.

 Na Índia, dizem escritos apócrifos que o Apóstolo São Tomépregou o Evangelho, chegando até a costa de Malabar na parte sul-ocidentaldaquele país. Terá morrido como mártir sob o rei Misdai. Assim terão tidoorigem os cristãos de S. Tomé até hoje existentes. – Esta tradição não éinverosímil, pois havia intercâmbio comercial entre a Síria e a Índia. Todavia osmelhores historiadores se mostram reservados. O Cristianismo talvez só tenhachegado à Índia no século III pela ação de viajantes persas e armenos.


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