O Magistério da Igreja, respondendo à sua tarefa de formar a criatura humana para responder ao dom da vida e nesta resposta encontrar sua realização pessoal na plena comunhão com Deus e com o próximo, afirma a inalienável dignidade da pessoa humana em todas as suas dimensões: pessoal e social, espiritual e corpórea, histórica e transcendente.
Entretanto, afirma também com base nas Sagradas Escrituras, que a pessoa humana transcende o horizonte do universo criado, da sociedade e da história, uma vez que seu fim último é o próprio Deus, sendo uma das formas de recusa à própria dignidade deixar-se escravizar por estruturas da realidade provisória, uma vez que “a figura desse mundo passa”(1Cor 7, 31).
Por outro lado, não se pode esquecer que o desígnio de Deus para a pessoa humana e sua própria realização passa pelas suas relações e pelo seu empenho em melhorar o mundo criado, colaborando, em meio à realidade temporal, para o bem comum, na verdade, na caridade, na justiça e na paz, antecipando neste mundo, no âmbito das relações humanas, o que será realidade no mundo definitivo.
Com base nas Sagradas Escrituras, a Igreja ensina que a pessoa humana recebeu do próprio Deus uma incomparável e inalienável dignidade, pois “Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher” (Gên 1, 27), capaz de conhecer-se, de possuir-se, de doar-se livremente e entrar em comunhão com outras pessoas, oferecendo ao Criador uma resposta de fé e de amor que ninguém mais pode dar em seu lugar.
A doutrina social da Igreja refere-se, neste ponto, às várias dimensões da pessoa humana, dentre elas a unidade de alma e corpo,ferida pelo pecado mas redimida em Jesus Cristo e chamada à união com Ele. Portanto, o respeito à dignidade humana, a par de todos os programas sociais, científicos e culturais criados pelo homem para afirmá-la, nasce de sua origem em Deus e em sua vocação última à santidade, de modo que todo esforço humano por uma sociedade justa , pelo progresso, desenvolvimento e bem estar a pessoa se mostra inútil quando contraria a própria essência.
De acordo com a Doutrina Social da Igreja a pessoa não pode ser instrumentalizada para projetos de caráter econômico, social e político, de modo que a dignidade humana exige que o homem atue segundo sua consciente e livre escolha, mas esta liberdade não é ilimitada.
De fato, ao contrariar a lei maior da caridade a pessoa humana acorrenta-se a si mesmo dissociando liberdade e responsabilidade pelo mal cometido, destruindo a si e à própria sociedade.
Uma das formas de recusa à própria dignidade tem sido as competições entre homem e mulher baseadas na lógica do egocentrismo e da auto-afirmação, em detrimento do amor e da solidariedade.
Uma outra forma de macular a própria dignidade tem sido o descaso ou mesmo as propostas de eliminação da pessoas que se encontram em fragilidade física como a criança no útero materno, a pessoa enferma ou deficiente e os idosos, tentas vezes desprezados no próprio ambiente familiar.
Neste sentido, é necessário compreender-se que a origem dos direitos humanos não se situa na mera vontade histórica de seres humanos mas no mesmo Deus seu Criador, sendo portanto direitos universais, invioláveis e inalienáveis. Universais, porque estão presentes em todos os seres humanos, sem exceção alguma de tempo, de lugar e de sujeitos. Invioláveis, enquanto «inerentes à pessoa humana e à sua dignidade inalienáveis, porque privar destes direitos um seu semelhante, significaria violentar a sua própria natureza.
Em conexão com os direitos da pessoa humana não se pode esquecer de sua correlativa responsabilidade, o que se observa como contrassenso diante de uma solene proclamação dos direitos do homem contradita por uma dolorosa realidade de violações, guerras e violências de todo tipo, em primeiro lugar os genocídios e as deportações em massa, a difusão quase que por toda a parte de formas sempre novas de escravidão quais o tráfico de seres humanos e de drogas em nome de uma pretensa democracia.
Em corrente contrária a toda incoerência entre direitos e dignidade da pessoa humana a igreja anuncia princípios que devem ser apreciados na sua unidade e complementaridade, como aquele que regula o bem comum, como condições de vida social que contemplem ao mesmo tempo a coletividade e os indivíduos, ou seja a dimensão social e comunitária do bem moral, o bem do homem todo e de todos os homens.
Neste sentido, a responsabilidade de contribuir para o bem comum compete às pessoas consideradas individualmente e ao Estado, que deve garantir coesão, unidade e organização à sociedade civil da qual é expressão, de modo que o bem comum possa ser conseguido com o contributo de todos os cidadãos, como indivíduos ou associados com outros, diretamente ou por meio de representantes, contribui para a vida cultural, econômica, política e social da comunidade civil a que pertence, de modo que sua participação é um dever a ser conscientemente exercitado por todos, de modo responsável e em vista do bem comum.
Para tanto, o Magistério da igreja evoca os valores da verdade, da justiça, do amor e da liberdade, os quais nascem e se desenvolvem da caridade para a qual a convivência humana é ordenada, sem a qual nenhuma legislação, nenhum sistema de regras ou de pactos conseguirá persuadir homens e povos a viver na unidade, na fraternidade e na paz.
Por Ana Carla Bessa
Advogada, Consagrada na Comunidade de Aliança Shalom
O artigo trata-se de uma breve resenha elaborada a partir da leitura dos tópicos referentes à Dignidade e Direitos da Pessoa Humana, no Capítulo III do Compêndio de Doutrina Social da Igreja.
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