Formação

Os leigos e a inquietação da Igreja

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Dom Severino Clasen

“Quandoolho para o céu, obra de tuas mãos, vejo a lua e as estrelas quecriastes: que coisa é o homem, para dele te lembrares, que é o serhumano, para o visitares? No entanto o fizeste só um pouco menor que umdeus, de glória e de honra o coroaste. Tu o colocaste à frente dasobras de tuas mãos” (Sl 8).

Overso deste salmo canta a sabedoria de Deus e o quanto ele confia emnós. Ao mesmo tempo constatamos um mundo fragmentado, dividido, carentedo verdadeiro e grande amor. Perdemos o sentido da vida e vivemossufocados e magoando uns aos outros por falta de compreender qual énossa missão e nem sabemos mais qual a grande razão da vinda do Cristoao mundo. Vivemos num mundo como se estivéssemos ainda esperando avinda de Cristo, o Messias, entre nós. Esquecemos que ele já veio e foirejeitado, morreu por nossa causa, mas ressuscitou. Esquecemos que eleestá entre nós na eucaristia, nos outros sacramentos, na SagradaEscritura, no magistério da Igreja, na ação evangelizadora dos leigos enos fala através dos gestos concretos de amor de nossos semelhantes.

Portoda ação dos leigos no testemunho de uma vida ética, que vise o bemcomum, a caridade, a solidariedade, o esforço em ser correto, presençanas pastorais, cabe a nós celebrar com dignidade o dia do leigo exatamente na festa de Cristo Reio.

Grandesofertas surgem em cada dia na ânsia de buscar e propagar felicidade.Mas as referências não possuem o princípio da unidade e da verdade.Elas devem ser buscadas no coração de Deus e não na vontade humana. Ocuidado, a simplicidade, a humildade colocam o ser humano no seu devidolugar e ao mesmo tempo se defronta no coração afável de Deus que écriativo, amável e vigoroso.

Nessaperspectiva queremos situar a comissão do Laicato em nossa reflexão.Pois a grande razão de ser da Igreja é o leigo. Deus se revelou a nósatravés de Jesus Cristo. Cabe a nós fazer a releitura da nossa missão eda nossa presença na vida de Igreja para recuperar o sentido depertença, da genuinidade da nossa vida diante do destino final e danossa ação transformadora neste mundo. Precisamos retomar o sentidooriginal, a comunhão e a alegria de ter tudo em comum como nos fala osAtos dos Apóstolos (At 3,42). Cabe a nós voltarmos para a liberdade doserviço, da presença de fé animadora e transformadora.

Paraessas ações os leigos se organizam e se mobilizam ao encontro do pastorque chama as ovelhas para os campos férteis e de pastagens saborosas. AComissão do Laicato procura os instrumentos que nos conduzam todos nocampo fértil, lá, ovelhas e pastores, todos anseiam por boas pastagensseguras onde o lobo e o ladrão não importunam a vida do rebanho, comoreza o salmo 23.

Apartir do Concílio Vaticano II, a Igreja tomou consciência de si mesmae das realidades humanas existentes. Sentiu-se interpelada por umahumanidade que sofre e é socialmente marginalizada, espoliada,abandonada. Viu-se interpelada a tornar-se uma presença evangelizadorano meio desta realidade, abrir suas janelas ao mundo e se fazerpresente nos meios populares. Eis a missão dos leigos, através dajuventude, das CEBs, da família do Conselho dos Leigos. Não podemosmais ficar esperando, o mundo caminha, as dores aumentam, as tristezaassombram vidas e mais vidas. É preciso agir em mutirão e globalizar oamor, a ternura, o carinho, a responsabilidade, a ação pastoral ecatequética para que a nossa vida esteja na mão do bom Pastor que éNosso Senhor Jesus Cristo.

Cabea nós redescobrir através da espiritualidade libertadora eparticipativa das ações que fomentam a coorresponsabilidade, oconhecimento profundo e a razão mais fecunda da nossa existênciaenquanto cristãos comprometidos na construção de um mundo mais justo esolidário. É preciso unir e somar forças, trabalhar, planejar juntos.Desenvolver atividades de conjunto para que os reflexos sejampercebidos na família, na juventude, nas CEBs e que os leigos seorganizem para assumir o papel específico na Igreja. O Conselho doLaicato tem um papel fundamental na reflexão, na soma do planejamento,na ação missionária com todos os serviços dessa comissão paraautenticar a nossa Igreja como o povo de Deus a caminho da salvaçãodefinitiva.

Muitastensões surgem no corpo da Igreja por falta de definições, quanto aação estratégica dos leigos na Igreja. Pois o leigo não pode serreduzido a objeto de evangelização. Através dos milhares decatequistas, agentes de pastoral, liturgistas, animadores de açõespastorais em nossas Igrejas, o leigo é sujeito da evangelização nomundo atual. Ele é convocado para testemunhar sua fé e suas convicçõesno mundo do trabalho, na família, na escola, nas faculdades, nasrepartições públicas, na vida privada, enfim, em todo lugar onde ele seencontra, seja sinal do Cristo ressuscitado e comunhão eclesial.Ninguém precisa temer nada, pois há espaço, há função e há razão de serpara todos. O clero, os religiosos, os leigos, os novos movimentos queardentemente desejam testemunhar e viver experiências de fé e deseguimento a Cristo Jesus, tem sua razão de ser e que enriquecem aIgreja. Ele é protagonista da própria evangelização. Orientado,animado, fomentado e cuidado pelos pastores da Igreja, cabe aos leigose pastores buscarem caminhos comuns para que o mundo conheça que JesusCristo está vivo entre nós. Através de nosso testemunho de vida somosos portadores da nova ordem que salva o gênero humano e toda a suacriação. Crescermos na integração com toda a criação como criaturas deDeus misericordioso e amoroso. Em vista da valiosa, volumosa e intensapresença e testemunho dos leigos na Igreja, faz sentido a suaorganização como laicato maduro, consciente e corresponsável nodinamismo e razão de ser Igreja. A exortação apostólicaChristifidelis Laici (Vocação e Missão dos Leigos na Igreja e no Mundo)afirma que “o desafio que os padres sinodais aceitaram foi o de indicaros caminhos concretos para que a maravilhosa teoria sobre o laicato,expressa pelo Concílio, possa converter-se numa autêntica praxeeclesial” (n.2).

Comfreqüência, a partir do Concílio Vaticano II, encontramos incentivos,esclarecimentos, motivações na ampliação da identidade-vocação-missãodo laicato, e pede ações concretas, dentre as quais a formação deConselhos Diocesanos de Leigos. Cabe aos leigos e pastores da Igrejaesclarecer ricamente o sentido e a missão do Conselho do Laicato.Abramos espaços para crescermos nessa busca e construirmos a beleza daidentidade laica na Igreja. Uma não exclui a outra, mas na liberdade daação consciente, madura, equilibrada é o caminho capaz de agitar,atrair, mobilizar a humanidade na busca da paz, do bem no verdadeirosenso de justiça e fraternidade, valores invioláveis da açãomissionária de Jesus Cristo. Assim teremos a identidade e a razão doser da hierarquia, do laicato, dos religiosos, vida consagrada, novosmovimentos de experiência de vida evangélica, enfim, sustentamos umaeclesiologia madura compreendida no seu sentido mais puro e autêntico.Pois tem espaço para o testemunho do serviço, do acolhimento e dacordialidade. Eis a meta, fazer que os corações de nossos irmãos eirmãs que vivem na família, nas escolas, nos trabalhos profissionais,no esporte, e em tantas outras iniciativas, vivam e testemunhem pelavida alegre, livre, consciente de que Jesus caminha ao nosso lado e nosinterpela para uma vida fecunda de dons e de serviços. Esta é a maneiramais sensata para crescermos ardentemente numa espiritualidadelibertadora a exemplo dos discípulos de Emaús (Lc 24,13ss.) que tiverama coragem e nada os impedia de voltarema pé, caminhando noite adentro, para anunciar aos irmãos em Jerusalémque Cristo continua caminhando conosco e vive entre nós. E todos nós,leigos, padres, bispos, religiosos, cada um na sua bela função,dignidade, cordialidade, liberdade, idoneidade e responsabilidadecaminhamos juntos para experimentar o coração ardente, pois Ele caminhaao nosso lado e nos acalenta no dia a dia da nossa existência. Por issoo servimos através da Igreja o nosso espaço sagrado onde o encontramosunindo nossos corações e o nosso grande desejo de construirmos um mundomais justo, mais fraterno e mais solidário. Este modo do leigo serIgreja renova a face da terra e unirá os povos. Esta é a força capaz deeliminar a violência, apaziguar os humanos e construirmos a cultura davida, da paz e do amor.


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