Formação

Os “mistérios” de Deus

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A palavra de Deus que nos guia nestas reflexões para o Ano Sacerdotal é Coríntios 4, 1: “Si nos existimet homo, ut ministros Christi et dispensatores mysteriorum Dei”; “Que as pessoas nos considerem como ministros de Cristo e administradores dos mistérios de Deus”. Meditamos no Advento sobre a primeira parte desta afirmação: o sacerdote como servidor de Cristo, no poder e na unção do Espírito Santo. Resta-nos, nesta Quaresma, refletir a respeito da segunda parte: o sacerdote como dispensador dos mistérios de Deus. Naturalmente, o que dizemos do sacerdote é ainda mais válido para o bispo, que possui a plenitude do sacerdócio.

O termo “mistérios” tem dois significados fundamentais: o primeiro é de verdades ocultas e reveladas por Deus, os divinos propósitos anunciados veladamente no Antigo Testamento e revelados aos homens na plenitude dos tempos; o segundo é aquele de “sinais concretos da graça”, na prática, os sacramentos. A Carta aos Hebreus reúne estes dois significados na expressão: “os mistérios de Deus” (ta pros ton Theon, ea que sunt ad Deum); acentua o real significado ritual e sacramental, dizendo que a tarefa do sacerdote (o autor se refere aqui ao sacerdócio em geral, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento) é o de “oferecer dons e sacrifícos pelos pecados” (Hb 5,1).

Este segundo significado se afirma principalmente na tradição da Igreja. Santo Ambrósio escreve dois tratados sobre os ritos de iniciação cristã, vistos como o cumprimento de imagens e profecias do Antigo Testamento; um ele intitula de “De sacramentis” e o outro de “De mysteriis”, ainda que ambos tratem do mesmo argumento. Sabe-se, de resto, que o termo sacramentum não é mais que a tradução latina do termo mysterion.

Retornando à palavra do Apóstolo, o primeiro destes dois significados evidencia o papel do sacerdote a respeito da palavra de Deus, e o segundo, seu papel a respeito dos sacramentos. Juntos, delineiam a fisionomia do sacerdote como testemunha da verdade de Deus e como ministro da graça de Cristo, como anunciador e como sacrificador.

Por muitos séculos, a função do sacerdote esteve reduzida quase exclusivamente ao seu papel de liturgo e de sacrificador: “oferecer sacrifícos e perdoar os pecados”. Foi com o Concílio Vaticano II que se evidenciou, para além da função cultual, a função de evangelizador. Em linha com o que a Lumen gentium já havia afirmado sobre a função dos bispos de “ensinar” e “santificar”, a Presbyterorum ordinis escreve:

“Participando, a seu modo, do múnus dos apóstolos, os presbíteros recebem de Deus a graça de serem ministros de Jesus Cristo no meio dos povos, desempenhando o sagrado ministério do Evangelho, para que seja aceita a oblação dos mesmos povos, santificada no Espírito Santo (Rm 15, 16). Com efeito, o Povo de Deus é convocado e reunido pela virtude da mensagem apostólica […]. Com efeito, o seu ministério, que começa pela pregação evangélica, tira do sacrifício de Cristo a sua força e a sua virtude”.

Tradução de Paulo Marcelo Silva


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