Apalavra é um dom. Sendo dom, a palavra tem como propriedade a forçacriativa. O único uso devido da palavra é para criar, reconciliar,clarear, configurar e abrir horizontes novos de compreensão. “E Deusdisse: faça-se a luz. E a luz se fez” (Gn 1,3). “E o verbo se fez carnee habitou entre nós” (Jo 1,14). A grandeza criadora e redentora de Deusse revela na força da palavra. A palavra de Deus não é uma simplesemissão de sons de sílabas, de expressões. Deus se revela, naincomensurável grandeza do seu amor, pela palavra. A Palavra de Deus,que é Jesus Cristo Salvador e Redentor, assume a condição humana,fazendo-se em tudo semelhante aos homens, exceto no pecado, obedienteaté a morte, e morte de cruz. E Deus o exaltou, com a vitória daressurreição. Por isso toda língua deve confessar que Jesus Cristo é oSenhor para a glória de Deus, seu pai.
Overbo encarnado é o diálogo amoroso perfeito de Deus criador, salvadore redentor com toda a humanidade. A palavra é, pois, um dom. Um dom queé uma fonte.
Nacompleição própria da palavra como dom está, também, a sua dimensãoparaclética. Isto é, uma propriedade da palavra que proferida recompõecorações, devolve a esperança, consola e gera entendimentos queproduzem os funcionamentos que podem garantir a justiça e a paz. Éincontestável a responsabilidade de usar a palavra. Não é só ter o domda palavra. Ter o dom da palavra é um carisma cuja especialidade faz doinstrumento um meio adequado para compartilhar a riqueza inesgotável dapalavra.
Omais importante é a consciência de se usar a palavra como dom. Este usoda palavra, em todas as circunstâncias, requer nobreza e especialidade.Uma especialidade que supõe muito mais do que simplesmente fazer uso dapalavra. O uso banalizado da palavra tem esvaziado a configuraçãoprópria de dom que só a palavra tem. Uma banalização tal que permiteestudiosos a confeccionar um tratado geral sobre a fofoca. A fofocanasce da incompetência de uso devido da palavra como dom. É habitual ecultural falar-se de tudo e sobre todas as coisas, até mesmo daquiloque não é da própria conta. Mais grave ainda é a realidade que a falaconfigura não se conseguindo manter respeito ao sigilo indispensável,fermentado pela curiosidade e pelo gosto mórbido de se contar tudo,desmerecendo confiança depositada e confundindo papéis eresponsabilidades.
Ouso indevido e inadvertido da palavra faz distante o tempo em que apalavra dada valia. A honra pessoal e a palavra dada eram inseparáveis.Uma verdadeira babel se instala aqui e acolá em razão da incompetênciano uso da palavra. O que se diz de um jeito se diz de outro, semfirmeza e sem coragem de comprometimentos. É habitual saber dediscursos que torcem a realidade comprometendo sentidos e a verdade.Compromete também o uso da palavra como dom, nos discursos oficiais,nos serviços prestados por discursos e nos diálogos, a obtusidadeintelectual lamentável das inteligências. Nesta obtusidade o mais graveé a falta de bom senso e daquela sensibilidade que nunca foipropriedade exclusiva dos intelectuais e dos acadêmicos. Trata-se deuma propriedade dos sábios formados todos na escola que compreende apalavra como dom, superando seu uso indevido e permeando-a daquelameditação e contemplação que são fonte de sabedoria.
Quandoa Igreja Católica investe na promoção de um mês da Bíblia, setembrocomo é a tradição iniciada na Arquidiocese de Belo Horizonte décadasatrás, tem como meta o despertar da consciência acerca da importânciada Palavra de Deus. Uma importância que requer dar a ela umacentralidade cotidiana que não pode sofrer relativizações. Estacentralidade na escuta e meditação da Palavra de Deus não se tratasimplesmente de um momento devocional. Alimenta a fé e a devoção, e temforça para recompor o sentido da linguagem que sustentarelações interpessoais e configura compreensões indispensáveis para avida de cada dia, nas mais diversificadas circunstâncias e necessidades. APalavra de Deus na palavra dom de todas as conversas e discursos,reflexões e discernimentos oferta propriedades que abrem perspectivasnovas de compreensão, correções e ajustes nas dinâmicas da cultura, ealenta o sentido indispensável do viver.
Apalavra como dom está posta na pauta do caminho missionário da Igreja.Não simplesmente em função de si mesma. É a “Palavra de Deus na vida ena missão da Igreja”, a temática escolhida pelo Papa Bento XVI, aoconvocar a XII Assembléia Geral do Sínodo dos Bispos, em Roma, de 5 a26 de outubro de 2008. Esta aposta é a decisão de atingir a meta defazer da Igreja uma Igreja da Palavra, dela se alimentando ealimentando o horizonte de compreensão da humanidade. Nesta aposta estáa certeza de que a Palavra de Deus como fonte é a referência para que aIgreja possa rejuvenescer e ter uma nova primavera, uma nova primaverapara a humanidade.