Ser cristão é um dom gratuito do Senhor. Não se compra. E a santidade consiste justamente em “custodiar” este dom recebido gratuitamente e não por nossos méritos. Foi o que recordou o Papa na homilia da missa celebrada na Casa Santa Marta.
Uma eleição generosa
Com efeito, o Salmo 88 recorda a eleição de Davi como rei de Israel, depois que o Senhor rejeitou Saul por não ter obedecido. Na Primeira Leitura, o Senhor envia Samuel a ungir rei um dos filhos de Jessé de Belém.
A unção indica a eleição de Deus e é usada também hoje para ungir os sacerdotes, os bispos. Também nós cristãos no Batismo somos ungidos com óleo, recordou Francisco.
Samuel vai, mas não estava contente e o Senhor o repreende. Jessé tinha oito filhos e os chama um a um diante do profeta e, ao verem Eliab, disse: “Certamente é este o ungido do Senhor!”.
Mas o Senhor respondeu: “Não olhes para a sua aparência nem para a sua grande estatura, porque eu o rejeitei. Não julgo segundo os critérios do homem: o homem vê as aparências, mas o senhor olha o coração’”.
O amor vê além
O Papa então recordou as vicissitudes vividas naquele momento: os irmãos de Davi combatiam contra os filisteus para defender o reino de Israel, “tinha méritos”, mas o Senhor escolheu o último deles. “Um jovem inquieto” que, “quando podia, ia assistir a luta dos irmãos contra o filisteus”, mas era mandado de volta para cuidar do rebanho.
Foi então chamado Davi, que era ruivo e de boa aparência. E o Senhor disse a Samuel para ungi-lo e assim, “a partir daquele dia, o espírito do Senhor se apoderou de Davi”.
Um acontecimento que faz refletir, levando a questionar o porquê o Senhor escolhe um jovem normal, “que talvez fizesse molecagens, como fazem os rapazes”, não era um jovem piedoso, “que rezava todos os dias”, tinha sete irmãos, “que tinham mais méritos do que ele”.
E mesmo assim, destacou o Papa, foi o eleito o mais novo, “o mais limitado, que não tinha títulos, não tinha nada”, não tinha combatido na guerra. Isso mostra a gratuidade da eleição de Deus.
Uma eleição gratuita
“Quando Deus escolhe, mostra a sua liberdade e a gratuidade. Pensemos todos nós que estamos aqui: por que o Senhor escolheu a nós? Não, porque somos de uma família cristã, de uma cultura cristã… não. Muitos de família cristã e de cultura cristã rejeitam o Senhor, não querem. Mas então por que estamos aqui, escolhidos pelo Senhor?
Gratuitamente, sem qualquer mérito, gratuitamente. O Senhor nos elegeu gratuitamente. Nós não pagamos nada para nos tornar cristãos. Nós sacerdotes, bispos, não pagamos nada para nos tornar sacerdotes e bispos – pelo menos eu penso assim, não?
Porque existem sim aqueles que querem ir em frente na chamada carreira eclesiástica, que se comportam de modo simoníaco, buscam influências… mas isso não é cristão. O ser cristão, o ser batizado, o ser ordenado sacerdote e bispo é pura gratuidade. Os dons do Senhor não se compram”, ressalta o Papa.
Custodiar o dom
A unção do Espírito Santo é gratuita. “Nós, o que podemos fazer?”, pergunta o Papa.
“Sermos santos. E a santidade cristã é custodiar o dom, nada mais, comportando-se em maneira tal que o Senhor sempre permaneça com o dom e eu não o faça um mérito meu. Na vida cotidiana, nas tarefas, no trabalho, tantas vezes para ter um posto mais alto, se conversa com esse funcionário, com esse governante, com o chefe para que ele me promova… Isso não é dom; isso é carreirismo”, alerta o Pontífice.
Segundo o Papa, o ser cristão, o ser sacerdote, o ser bispo é somente um dom. E assim se entende nossa atitude de humildade, aquilo que devemos ter, sem nenhum mérito. “Devemos somente custodiar este dom, para que não se perca”, lembra Francisco.
“Todos somos ungidos pela eleição do Senhor; devemos custodiar esta unção que nos fez cristãos, nos fez sacerdotes, nos fez bispos. Esta é a santidade. As outras coisas não servem. A humildade de custodiar. E assim, o dom. Qual é o grande dom de Deus? O Espírito Santo. Quando o Senhor nos elegeu, ele nos deu o Espírito Santo. E isso é pura graça, é pura graça. Sem mérito nosso”, conclui.
Esquecer o povo é renegar o dom de Deus
Por fim, o Papa recorda que Davi foi tirado do rebanho e de seu povo.
“Se nós cristãos esquecemos o povo de Deus, também o povo não crente, se nós sacerdotes esquecemos nosso rebanho, se nós bispos esquecemos isso e nos sentimos mais importantes que os outros, renegamos o dom de Deus. É como dizer ao Espírito Santo: ‘Mas Tu vai, vai, vai tranquilo na Trindade, repousados, que eu consigo sozinho.’ Isso não é cristão. Isso não é custodiar o dom. Peçamos hoje ao Senhor, pensando em Davi, que nos dê a graça de agradecer pelo dom que ele nos deu, de ter consciência deste dom, tão grande, tão bonito, e de custodiá-lo – essa gratuidade, este dom”, finaliza.