Papa Francisco discursa na 70ª Assembleia Geral da ONU e destaca cuidado com o meio ambiente e luta pelos excluídos; questão nuclear também foi abordada
O Papa visitou na manhã desta sexta-feira, 25, a sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque. O convite foi feito pelo secretário geral da ONU, Ban Ki-moon. Esta é a quinta visita de um Pontífice ao Concerto das Nações.
Logo que chegou ao local, o Santo Padre teve um encontro privado com Ban Ki-moon e assinou o Livro de Ouro da ONU, registrando sua presença.
Em seguida, Francisco dirigiu algumas palavras aos funcionários da casa, ressaltando que apesar do trabalho discreto e simples que realizam nos bastidores, seu compromisso diário torna possível as iniciativas das Nações Unidas. O Papa desejou ainda que os funcionários, enquanto trabalham, sejam capazes de, segundo as próprias capacidades, cuidar uns dos outros, sendo solidários e respeitosos, encarnando neles mesmos, o ideal da Organização, sendo “uma família humana unida, que vive em harmonia, que trabalha não só pela paz, mas em paz”.
Ao final, houve um momento de silêncio, em homenagem a todos os funcionários que tombaram em serviço.
.: Leia a saudação na íntegra clicando aqui
Após este breve momento, o Santo Padre se dirigiu a Assembleia Geral da ONU, em que estavam presentes chefes de Estado e de Governo e representantes de 193 países.
A sessão da 70ª Assembleia Geral das Nações Unidas foi aberta pelo seu presidente, o dinamarquês Mogens Lykketoft, que apresentou as preocupações atuais do mundo. Em seguida, o secretário geral Ban Ki-moon disse que jamais na história as Nações Unidas sentiram-se tão honrados. Ele agradeceu Francisco por ter mostrado ser um homem de fé, de todos os credos, e exaltou o exemplo e testemunho do Pontífice, que “inspira a todos”.
O secretário lembrou ainda que a visita do Papa a ONU coincide com o estudo da agenda para o desenvolvimento sustentável, e isso “não é uma coincidência”, fazendo alusão a Encíclica Laudato Si, sobre o cuidado da casa comum.
Assista:
Discurso do Papa
Em seu discurso aos líderes, Papa Francisco destacou o cuidado com o Meio ambiente e a questão dos excluídos.
Logo no início, o Papa reconheceu o apreço que a Igreja tem pela Organização, que festeja seu 70º aniversário, e disse que a mesma é uma resposta jurídica e política adequada para o momento histórico.
Francisco lembrou que, no trabalho das Nações Unidas, a justiça é um requisito indispensável para se realizar o ideal de fraternidade universal. E recordou que a limitação do poder é uma ideia implícita no conceito de direito: “Dar a cada um o que lhe é devido, segundo a definição clássica de justiça, significa que nenhum indivíduo ou grupo humano se pode considerar onipotente, autorizado a pisar a dignidade e os direitos dos outros indivíduos ou dos grupos sociais.”
A partir daí, o Papa concentrou seu discurso em dois problemas, consequentes de um mau exercício do poder: a questão do meio ambiente e a luta pelos excluídos.
O Papa lembrou que existe um “direito do ambiente”, que o ser humano faz parte deste, e “só pode sobreviver e se desenvolver se o ambiente ecológico lhe for favorável”, e que qualquer dano ao meio ambiente é um dano ‘a humanidade. Além disso, Francisco frisou que toda a criação provém do Amor de Deus, e que cada uma das criaturas têm seu valor; ao ser humano é permitido, portanto, “servir-se respeitosamente da criação para o bem dos seus semelhantes e para a glória do Criador, mas sem abusar dela e muito menos sentir-se autorizado a destruí-la”.
Acesse:
.: Discurso completo (vídeo e texto)
Quanto à questão dos excluídos, o Papa disse que a ambição egoísta e ilimitada de poder e bem-estar material leva não só ao abuso dos meios materiais disponíveis, mas também à exclusão dos “fracos e menos hábeis”, frisando que a exclusão econômica e social é uma negação total da fraternidade humana e um atentado grave aos direitos humanos e ao ambiente. Francisco lembrou que os mais pobres “são descartados pela sociedade, ao mesmo tempo são obrigados a viver de desperdícios, e devem sofrer injustamente as consequências do abuso do ambiente. Estes fenômenos constituem, hoje, a «cultura do descarte» tão difundida e inconscientemente consolidada.”
O Papa destacou a responsabilidade de todos os governantes neste quesito: “O mundo pede vivamente a todos os governantes uma vontade efetiva, prática, constante, feita de passos concretos e medidas imediatas, para preservar e melhorar o ambiente natural e superar o mais rapidamente possível o fenômeno da exclusão social e econômica, com suas tristes consequências de tráfico de seres humanos, tráfico de órgãos e tecidos humanos, exploração sexual de meninos e meninas, trabalho escravo, incluindo a prostituição, tráfico de drogas e de armas, terrorismo e criminalidade internacional organizada. Tal é a magnitude destas situações e o número de vidas inocentes envolvidas que devemos evitar qualquer tentação de cair num nominalismo declamatório com efeito tranquilizador sobre as consciências.”
Francisco ressaltou que deve-se cuidar para que as instituições sejam realmente eficazes na luta contra os problemas. E chamou a atenção para que este cuidado não fique somente na burocracia e no levantamento de estatísticas e metas, mas que seja observado que, além dos números, “existem homens e mulheres concretos, iguais aos governantes, que vivem, lutam e sofrem, e que muitas vezes se vêem obrigados a viver miseravelmente, privados de qualquer direito.” O Papa apontou que para estes, a solução é que sejam atores do seu próprio destino.
“O desenvolvimento humano integral e o pleno exercício da dignidade humana não podem ser impostos; devem ser construídos e realizados por cada um, por cada família, em comunhão com os outros seres humanos e num relacionamento correto com todos os ambientes onde se desenvolve a sociabilidade humana – amigos, comunidades, aldeias e vilas, escolas, empresas e sindicatos, províncias e países, e reafirmou a importância da educação. O Papa chamou a atenção para que seja assegurado a todos o direito ao mínimo a nível material e espiritual. “A nível material, este mínimo absoluto tem três nomes: casa, trabalho e terra. E, a nível espiritual, um nome: liberdade do espírito, que inclui a liberdade religiosa, o direito à educação e os outros direitos civis.”
O pontífice destacou que a experiência destes setenta anos de existência das Nações Unidas e dos primeiros quinze anos do milênio mostram tanto a eficácia da plena aplicação das normas internacionais como a ineficácia da sua inobservância. “Se se respeita e aplica a Carta das Nações Unidas, com transparência e sinceridade, sem segundos fins, como um ponto de referência obrigatório de justiça e não como um instrumento para mascarar intenções ambíguas, obtém-se resultados de paz. Quando, pelo contrário, se confunde a norma com um simples instrumento que se usa quando resulta favorável e se contorna quando não o é, abre-se uma verdadeira caixa de Pandora com forças incontroláveis, que prejudicam seriamente as populações inermes, o ambiente cultural e também o ambiente biológico.”
Francisco também criticou a questão nuclear e lembrou que “Uma ética e um direito baseados sobre a ameaça da destruição recíproca – e, potencialmente, de toda a humanidade – são contraditórios e constituem um dolo em toda a construção das Nações Unidas, que se tornariam «Nações Unidas pelo medo e a desconfiança».” O pontífice disse ser necessário trabalhar por um mundo sem armas nucleares e elogiou os acordos da Ásia e do Médio Oriente.
O Papa ainda mostrou sua preocupação com a perseguição aos cristãos na região da África e com as situações de conflito na Síria. “Estas realidades devem constituir um sério apelo a um exame de consciência por parte daqueles que têm a responsabilidade pela condução dos assuntos internacionais. (…) Nas guerras e conflitos, existem pessoas, nossos irmãos e irmãs, homens e mulheres, jovens e idosos, meninos e meninas que choram, sofrem e morrem. Seres humanos que se tornam material de descarte, enquanto nada mais se faz senão enumerar problemas, estratégias e discussões.”
Francisco citou a carta enviada por ele ao Secretário Ban Ki-Moon, em agosto do ano passado: “a mais elementar compreensão da dignidade humana obriga a comunidade internacional, em particular através das regras e dos mecanismos do direito internacional, a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para impedir e prevenir ulteriores violências sistemáticas contra as minorias étnicas e religiosas» e para proteger as populações inocentes.”
A temática do narcotráfico também foi levantada por Francisco, “uma guerra «suportada» e pobremente combatida. O narcotráfico, por sua própria natureza, é acompanhado pelo tráfico de pessoas, lavagem de dinheiro, tráfico de armas, exploração infantil e outras formas de corrupção. Corrupção, que penetrou nos diferentes níveis da vida social, política, militar, artística e religiosa, gerando, em muitos casos, uma estrutura paralela que põe em perigo a credibilidade das nossas instituições.”
Francisco recordou as palavras de Paulo VI, quando disse que o perigo não está no progresso nem na ciência, mas no homem, “que dispõe de instrumentos sempre cada vez mais poderosos, aptos tanto para a ruína como para as mais elevadas conquistas”, e frisou que a casa comum de todos os homens deve continuar a erguer-se sobre uma recta compreensão da fraternidade universal e sobre o respeito pela sacralidade de cada vida humana, e da natureza criada. “Tal compreensão e respeito – disse o Papa- exigem um grau superior de sabedoria, que aceite a transcendência, renuncie à construção duma elite onipotente e entenda que o sentido pleno da vida individual e coletiva está no serviço desinteressado aos outros e no uso prudente e respeitoso da criação para o bem comum.”
O Papa finalizou seu discurso dizendo que o mundo contemporâneo, aparentemente interligado, experimenta uma crescente, consistente e contínua fragmentação social que põe em perigo todo o fundamento da vida social e assim acaba por colocar-nos uns contra os outros na defesa dos próprios interesses, e reafirmou a urgência das questões: “Não podemos permitir-nos o adiamento de «algumas agendas» para o futuro. O futuro exige-nos decisões críticas e globais face aos conflitos mundiais que aumentam o número dos excluídos e necessitados.”
Por fim, o Papa definiu as Nações Unidas como penhor para um futuro seguro e feliz para as gerações futuras. “Sê-lo-á se os representantes dos Estados souberem pôr de lado interesses sectoriais e ideologias e procurarem sinceramente o serviço do bem comum.”