Dom Cristiano Jakob Krapf
O século XXI começa com crise na Igreja e no mundo. Nomundo, crise da economia, com previsões sombrias de esgotamento dos recursosnaturais para uma população crescente e mais exigente no consumo de água, deenergia, de alimentos.
A terra já não consegue oferecer a seis bilhões dehabitantes um padrão de vida que todos querem, muito menos a novos bilhões quevão nascer ainda neste século. Se nãocrescer a solidariedade, vai aumentar a miséria. Quem tem mais vai precisarcontentar-se com menos para quem tem menos poder ter mais.
Na Igreja, crise de fé. No Brasil, debandada de católicospara outros grupos de cristãos. Em muitos outros países de tradição cristã,debandada de cristãos. Muitos já falam do surgimento de uma civilizaçãopós-cristã.
No seu Evangelho, o Apóstolo João se refere à primeiragrande debandada de discípulos de Jesus. Muitos discípulos voltaram atrás e nãoandavam mais com ele. (Jo 6,66)
Foi depois que Jesus se apresentou como pão da vida: “Eu souo pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. O pão queeu darei é a minha carne entregue para a vida do mundo.”.
Aí começou o murmúrio entre os ouvintes: “Como é que estehomem pode dar-nos sua carne para comer”?
Diante dos questionamentos que surgiram, Jesus ainda insistiu:“Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim, e eu nele….Quem come este pão viverá para sempre.”.
Vendo que muitos iam embora, Jesus não chamou ninguém devolta para explicar melhor. Pelo contrário, ainda chamou os doze apóstolos eperguntou: “Não quereis também partir?”.
Pedro respondeu perguntando: “Senhor, a quem iremos? Tu tenspalavras de vida eterna.”.
È nisso que os cristãos acreditam: que Jesus tem palavras devida eterna. È por isso que queremos viver como discípulos dele. No entanto,vivendo num mundo de contestação, numa civilização que não admite que alguémpossa saber onde está a verdade, como é que podemos ter certeza que Jesus é ocaminho, a verdade e a vida? Muitos dizem que nenhuma religião pode achar-semais verdadeira que outras.
São Paulo nos diz que devemos examinar tudo e guardar o quefor bom. Acontece que na confusão de idéias e na proliferação de ideologias eteorias deste século inundado de livros e de propaganda ninguém pode conhecertudo com profundidade.
Procuremos, então, descobrir pelo menos se existem outrosque têm palavras de vida eterna, outros que dizem conhecer a verdade.
Quais seriam? Os agnósticos, que dizem que ninguém podesaber onde está a verdade? É verdade que ninguém pode conhecer a verdade?
Será que ateus tem palavras de vida eterna? Se Deus nãoexiste, como dizem eles, pode existir vida eterna?
Será que Maomé, com o islã que muitos querem impor na marra,tem palavras de vida eterna?
Será que Buda e outros esotéricos e teóricos da reencarnaçãoque chegam com força nos países de cristianismo enfraquecido, têm palavras devida eterna?
E a Igreja, que apresenta o ensinamento de Jesus comoPalavra de Deus, tem mesmo palavras de vida eterna? A divisão cada vez maiordos cristãos dificulta o reconhecimento da verdadeira Igreja de Cristo, daverdade na Igreja.
Na Igreja que tem o Papa com a missão especial de manter aunidade na fé, novos Escribas e Doutores da Lei ficam duvidando da verdadehistórica do Evangelho. Dizem que o Apóstolo João teria misturado as palavrasde Jesus com suas próprias idéias.
Não há dúvida que no evangelho de João temos reflexõespróprias do Evangelista. Já no primeiro capítulo ele faz a sua meditaçãopessoal sobre o mistério da pessoa divina de Jesus. Tempos atrás dei uma tarefaaos alunos do Curso de Teologia para Leigos: Identificar no evangelho de Joãoquais são as palavras próprias dele e quais são as palavras de Jesus.
Dificuldades existem. Onde não existem, alguém inventa.Estudiosos perguntam como é que João, escrevendo mais de meio século depois dosacontecimentos podia lembrar com precisão as palavras de Jesus.
Não questiono a teoria dos exegetas que afirmam que o quartoevangelho foi escrito quase no fim do primeiro século. No entanto, teoria porteoria, apresento a minha: Muito antes da redação final do seu evangelho, Joãofazia anotações de palavras de Jesus que considerava importantes para seremrelatadas com exatidão.
Numa perspectiva de fé, lembro a promessa de Jesus sobre avinda do Espírito Santo “que vos recordará tudo que vos disse” (Jo 14,26).
O cristão que tem um mínimo de fé crê na inspiração divinados evangelhos que trazem a Palavra de Deus até nós. Se cremos em Jesus, Filhode Deus que o Pai enviou ao mundo para anunciar e realizar a nossa Salvação,temos também a certeza que Deus tem o poder de fazer chegar a sua Palavra atodos que queiram dar-lhe acolhida. Oferece a todos a possibilidade dereconhecer a sua Presença pela mediação da Igreja que fez o Evangelho chegaraos nossos tempos de tal maneira que possa ser reconhecida por todos queprocuram a verdade.
Por outro lado, Deus confiou tanto na colaboração doscristãos que deixou depender da boa vontade dos seus discípulos e missionáriosa chegada da sua Palavra ao mundo inteiro. De você, por exemplo, que natranquilidade da sua casa está recebendo a mensagem de alguém que não é dono daverdade, mas seu servidor, pela graça de Deus.