Formação

Participação da Família na Sociedade

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 A família, célula primeira e vital da sociedade

42.«Pois que o Criador de todas as coisas constituiu o matrimônio princípio e fundamento da sociedade humana», a família tornou-se a «célula primeira e vital da sociedade»(105).

A família possui vínculos vitais e orgânicos com a sociedade, porque constitui o seu fundamento e alimento contínuo mediante o dever de serviço à vida: saem, de facto, da família os cidadãos e na família encontram a primeira escola daquelas virtudes sociais, que são a alma da vida e do desenvolvimento da mesma sociedade.

Assim por força da sua natureza e vocação, longe de fechar-se em si mesma, a família abre-se às outras famílias e à sociedade, assumindo a sua tarefa social.

A vida familiar como experiência de comunhão e de participação

43.A mesma experiência de comunhão e de participação, que deve caracterizar a vida quotidiana da família, representa o seu primeiro e fundamental contributo à sociedade.

As relações entre os membros da comunidade familiar são inspiradas e guiadas pela lei da «gratuidade» que, respeitando e favorecendo em todos e em cada um a dignidade pessoal como único título de valor, se torna acolhimento cordial, encontro e diálogo, disponibilidade desinteressada, serviço generoso, solidariedade profunda.

A promoção de uma autêntica e madura comunhão de pessoas na família torna-se a primeira e insubstituível escola de sociabilidade, exemplo e estímulo para as mais amplas relações comunitárias na mira do respeito, da justiça, do diálogo, do amor.

Deste modo a família, como recordaram os Padres Sinodais, constitui o lugar nativo e o instrumento mais eficaz de humanização e de personalização da sociedade. Colabora de um modo original e profundo na construção do mundo, tornando possível uma vida propriamente humana, guardando e transmitindo em particular as virtudes e «os valores». Como escreve o Concílio Vaticano II, na família «congregam-se as diferentes gerações que reciprocamente se ajudam a alcançar uma sabedoria mais plena e a conciliar os direitos pessoais com as outras exigências da vida social»(106).

Assim diante de uma sociedade que se arrisca a ser cada vez mais despersonalizada e massificada, e, portanto, desumana e desumanizante, com as resultantes negativas de tantas formas de «evasão» – como, por exemplo, o alcoolismo, a droga e o próprio terrorismo – a família possui e irradia ainda hoje energias formidáveis capazes de arrancar o homem do anonimato, de o manter consciente da sua dignidade pessoal, de o enriquecer de profunda humanidade e de o inserir ativamente com a sua unicidade e irrepetibilidade no tecido da sociedade.

Função social e política

44.A função social da família não pode certamente fechar-se na obra procriativa e educativa, ainda que nessa encontre a primeira e insubstituível forma de expressão.

As famílias, quer cada uma por si quer associadas, podem e devem portanto dedicar-se a várias obras de serviço social, especialmente em prol dos pobres, e de qualquer modo de todas aquelas pessoas e situações que a organização previdencial e assistencial das autoridades públicas não consegue atingir.

O contributo social da família tem uma originalidade própria, que pode ser conhecida melhor e mais decisivamente favorecida, sobretudo à medida que os filhos crescem, empenhando de facto o mais possível todos os membros(107).

Em particular é de realçar a importância sempre maior que na nossa sociedade assume a hospitalidade, em todas as suas formas desde o abrir as portas da própria casa e ainda mais do próprio coração aos pedidos dos irmãos, ao empenho concreto de assegurar a cada família a sua casa, como ambiente natural que a conserva e a faz crescer. Sobretudo a família cristã é chamada a escutar a recomendação do apóstolo: «Exercei a hospitalidade com solicitude»(108) e portanto a atuar, imitando o exemplo e compartilhando a caridade de Cristo, o acolhimento do irmão necessitado: «Quem der de beber a um destes pequeninos, ainda que seja somente um copo de água fresca, por ser meu discípulo, em verdade vos digo não perderá a sua recompensa»(109).

O dever social das famílias é chamado ainda a exprimir-se sob forma de intervenção política: as famílias devem com prioridade diligenciar para que as leis e as instituições do Estado não só não ofendam, mas sustentem e defendam positivamente os seus direitos e deveres. Em tal sentido as famílias devem crescer na consciência de serem «protagonistas» da chamada «política familiar» e assumir a responsabilidade de transformar a sociedade: doutra forma as famílias serão as primeiras vítimas daqueles males que se limitaram a observar com indiferença. O apelo do Concílio Vaticano II para que se supere a ética individualística tem também valor para a família como tal(110).

 A sociedade ao serviço da família

45.A íntima conexão entre a família e a sociedade, como exige a abertura e a participação da família na sociedade e no seu desenvolvimento, impõe também que a sociedade não abandone o seu dever fundamental de respeitar e de promover a família.

A família e a sociedade têm certamente uma função complementar na defesa e na promoção do bem de todos homens e de cada homem. Mas a sociedade, e mais especificamente o Estado, devem reconhecer que a família é «uma sociedade que goza de direito próprio e primordial»(111) e portanto nas suas relações com a família são gravemente obrigados ao respeito do princípio de subsidiariedade.

Por força de tal princípio o Estado não pode nem deve subtrair às famílias tarefas que elas podem igualmente desenvolver perfeitamente sós ou livremente associadas, mas favorecer positivamente e solicitar o mais possível a iniciativa responsável das famílias. Convencidas de que o bem da família constitui um valor indispensável e irrenunciável da comunidade civil, as autoridades públicas devem fazer o possível por assegurar às famílias todas aquelas ajudas – económicas, sociais, educativas, políticas, culturais de que têm necessidade para fazer frente de modo humano a todas as suas responsabilidades.

A carta dos direitos da família

46.O ideal de uma ação recíproca de auxílio e de desenvolvimento entre a família e a sociedade encontra-se muitas vezes, e em termos bastante graves, com a realidade de uma separação, mais que de uma contraposição.

Com efeito, como continuamente denunciou o Sínodo, a situação que numerosas famílias encontram em diversos países é muito problemática, e até decididamente negativa: instituições e leis que desconhecem injustamente os direitos invioláveis da família e da mesma pessoa humana, e a sociedade, longe de se colocar ao serviço da família, agride-a com violência nos seus valores e nas suas exigências fundamentais. Assim a família que, segundo o desígno de Deus, é a célula base da sociedade, sujeito de direitos e deveres antes do Estado e de qualquer outra comunidade, encontra-se como vítima da sociedade, dos atrasos e da lentidão das suas intervenções e ainda mais das suas patentes injustiças.

Por tudo isto a Igreja defende aberta e fortemente os direitos da família contra as intoleráveis usurpações da sociedade e do Estado. De modo particular, os Padres Sinodais recordam, entre outros, os seguintes direitos da família:

    – o direito de existir e progredir como família, isto é o direito de cada homem, mesmo o pobre, a fundar uma família e a ter os meios adequados para a sustentar;  

    – o direito de exercer as suas responsabilidades no âmbito de transmitir a vida e de educar os filhos;

    – o direito à intimidade da vida conjugal e familiar;

    – o direito à estabilidade do vínculo e da instituição matrimonial;

    – o direito de crer e de professar a própria fé, e de a difundir;

    – o direito de educar os filhos segundo as próprias tradições e valores religiosos e culturais, com os instrumentos, os meios e as instituições necessárias;

    – o direito de obter a segurança física, social, política, econômica, especialmente tratando-se de pobres e de enfermos;

    – o direito de ter uma habitação digna a conduzir convenientemente a vida familiar;

    – o direito de expressão e representação diante das autoridades públicas econômicas, sociais e culturais e outras inferiores, quer diretamente quer através de associações;

    – o direito de criar associações com outras famílias e instituições, para um desempenho de modo adequado e solícito do próprio dever;

    – o direito de proteger os menores de medicamentos prejudiciais, da pornografia, do alcoolismo, etc. mediante instituições e legislações adequadas;

    – o direito à distração honesta que favoreça também os valores da família;

    – o direito das pessoas de idade a viver e morrer dignamente;

    – o direito de emigrar como família para encontrar vida melhor(112).

A Santa Sé, acolhendo o pedido explícito do Sínodo, terá o cuidado de aprofundar tais sugestões, elaborando uma «Carta dos direitos da família» a propor aos ambientes e às Autoridades interessadas.

Graça e responsabilidade da família cristã

47.O dever social próprio de cada família diz respeito, por um título novo e original, à família cristã, fundada sobre o sacramento do matrimônio. Assumindo a realidade humana do amor conjugal com todas as suas conseqüências, o sacramento habilita e empenha os cônjuges e os pais cristãos a viver a sua vocação de leigos, e por tanto a «procurar o Reino de Deus tratando das realidades temporais e ordenando-as segundo Deus»(113).

O dever social e político reentra naquela missão real ou de serviço da qual os esposos cristãos participam pela força do sacramento do matrimônio, recebendo ao mesmo tempo um mandamento ao qual não podem subtrair-se e uma graça que os sustenta e estimula.

Em tal modo a família cristã é chamada a oferecer a todos o testemunho de uma dedicação generosa e desinteressada pelos problemas sociais, mediante a «opção preferencial» pelos pobres e marginalizados. Por isso, progredindo no caminho do Senhor mediante uma predileção especial para com todos os pobres, deve cuidar especialmente dos esfomeados, dos indigentes, dos anciãos, dos doentes, dos drogados, dos sem família.

Para uma nova ordem internacional

48.Diante da dimensão mundial que hoje caracteriza os vários problemas sociais, a família vê alargar-se de modo completamente novo o seu dever para com o desenvolvimento da sociedade: trata-se também de uma cooperação para uma nova ordem internacional, porque só na solidariedade mundial se podem enfrentar e resolver os enormes e dramáticos problemas da justiça no mundo, da liberdade dos povos, da paz da humanidade.

A comunhão espiritual das famílias cristãs, radicadas na fé e esperança comuns e vivificadas pela caridade, constitui uma energia interior que dá origem, difunde e desenvolve justiça, reconciliação, fraternidade e paz entre os homens. Como «pequena Igreja», a família cristã é chamada, à semelhança da «grande Igreja» a ser sinal de unidade para o mundo e a exercer deste modo o seu papel profético, testemunhando o Reino e a paz de Cristo, para os quais o mundo inteiro caminha.

As famílias cristãs poderão fazê-lo quer através da sua obra educativa, oferecendo aos filhos um modelo de vida fundada sobre os valores da verdade, da liberdade, da justiça e do amor, quer com um empenho ativo e responsável no crescimento autenticamente humano da sociedade e das suas instituições, quer mantendo de vários modos associações que especificamente se dedicam aos problemas de ordem internacional.


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