Formação

Pe. Cristiano Pinheiro: Cristo vive para sempre

Nosso início e o nosso futuro são Luz! A Luz, que inaugurou a obra da criação no início de tudo, inaugura também a obra pascal da nova criação, iniciada hoje, neste primeiro dia da semana.

comshalom

1ª Semana – Tempo Pascal – 4 abril de 2021
At 10,34.37-43; Sl 118; Cl 3,1-4; Jo 20,1-9

O evangelho da manhã de Páscoa começa dizendo que “era o primeiro dia da semana” (Jo 20,1), ou melhor, “o Dia Um”. Não um dia “dentro de uma série” de dias, não o primeiro de um segundo ou um terceiro, mas o dia fora de série, o dia excelente, o dia único, de uma nova criação, no qual tudo coincide, que é “primeiro” e “oitavo” ao mesmo tempo.

Este é o dia que fala de um recomeço, de um Amor que unifica os desiguais, que realiza o matrimônio querido pela Misericórdia: Deus eleva o criado a um novo patamar existencial, glorioso, santo. Dia no qual os dois mundos se unem: Céu e a terra se tornam contemporâneos, as promessas se cumprem, tudo é eternizado, tudo entra no tempo divino, tudo se compenetra com tudo. Não existe mais uma terra separada do Céu, mas toda a criação entra em Deus, pois Deus mesmo, em Jesus Cristo, entrou na criação, assumiu a matéria – Ele “tornou-se matéria” – salvando o criado do pecado, retirando-o de sua rota de caducidade e morte, elevando-o à esfera divina, à Eternidade.

Esse Dia Um, evidenciado pelos evangelistas no dia da Ressurreição de Jesus, reconduznos à linguagem e à descrição do primeiro livro das Escrituras, o Gênesis, no qual contemplamos a forma harmoniosa com a qual Deus vai criando e moldando a matéria.

Enquanto acompanhamos o ritmo criador de Deus na semana da criação (cf. Gen 1,1-31), vemos que tudo é feito “pela” e “na” Palavra, no “Faça-se” do Pai, que é o próprio Filho. Nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as criaturas visíveis e as invisíveis. Todas as coisas subsistem Nele. (cf. Col 1,16-17)

Da mesma forma, tudo é e será RECRIADO Nele, remodelado por Ele, por meio Dele e em vista d’Ele. Assim podemos ler espiritualmente o significado e o destino do mundo: desde o dia Um, o dia da criação da Luz, o mundo é ordenado pela Palavra Eterna de Deus, o Filho Unigênito, o Logos, que é o Sentido Último e mais profundo de tudo, que entra no nada e “engrandece o nada”, deixando a Sua marca santa na matéria. No profundo da criação, pulsa o Coração do Filho de Deus!

Desde o início, a carne do mundo, a carne dos homens é vocacionada a abrir-se à santidade de Deus: ela não é destinada a perecer, mas a ressuscitar, a viver para sempre da Eterna Fonte que lhe dá a vida. O destino glorioso da humanidade foi ofuscado e escurecido pelo pecado, mas é resgatado pela Luz da Ressurreição.

Nosso início e o nosso futuro são Luz! A Luz, que inaugurou a obra da criação no início de tudo, inaugura também a obra pascal da nova criação, iniciada hoje, neste primeiro dia da semana. Da mesma forma, nosso destino final é Luz, é a glória da Jerusalém Celeste, a Cidade Santa e Eterna, cuja Luz perene será o Cordeiro Vencedor, Ferido e Glorioso.

Porém, mesmo que esse Dia Um, Unificante, queira nos remeter à Luz de uma manhã radiosa, é estranho que o texto bíblico mencione que havia trevas. “Maria Madalena foi ao sepulcro, de manhã cedo, quando ainda estava escuro”. (Jo 20,1) De repente, fica evidente a alusão ao Cântico dos cânticos: a esposa passa a noite buscando o seu Amado (cf. Ct 3,1-2). No Evangelho, Maria Madalena vai ao sepulcro em um clima de expectativa, com o coração inflamado de amor, procurando o seu Senhor. No entanto, mesmo que seu amor fosse generoso e transbordante, não tinha ainda chegado a uma “maturidade pascal”. Para ela, a pedra que tinha rolado do sepulcro ainda não falava de “vida” e de luz, mas de “morte” e de trevas, pois ela pensa que alguém levou o seu Senhor.

Maria ainda não tinha percebido que a pedra rolou por força de “um amor mais forte, mais tenaz do que a morte” (Cf. Ct 8,6). Por amor à nossa carne ferida pelo pecado, a Carne Ferida de Amor do Filho de Deus “já tinha passado” por ali: Ele superou e transformou oconteúdo de morte e luto uma vez associado à Cruz e ao Túmulo. Doravante a Cruz é Gloriosa e a Tumba Luminosa; o homem pecador tem seu destino celeste reaberto, para sempre.

Ainda estava escuro, pois Maria ainda não conseguia ver que a Páscoa, o Êxodo, o Novo e Definitivo Dia Um já tinha se cumprido. O Amor do Esposo venceu, Aquela noite tenebrosa deu lugar à luz. Deus transporta a humanidade para um novo patamar de existência. “Ó noite, amável mais do que a alvorada. Ó noite, que juntaste Amado com amada. Amada, já no amado transformada!” (Noite escura, São João da Cruz)

Cristo vive para sempre! Ele vive a sua Vida no Amor do Pai, a vida como “dom de si”. Ressuscitado, Ele aparecerá por 40 dias, a fim de manifestar aos seus discípulos como é a sua vida ressuscitada, comunicando à Igreja nascente a vida humana em um estilo divino, uma humanidade glorificada pelo Pai.

Diante do anúncio de Maria Madalena, Pedro e o outro discípulo começam a correr por entre zonas bastante perigosas: entre o mercado e o Pretório. Pedro e aquele que Jesus amava se arriscam, Pedro e o amigo do Senhor não pensam mais em si mesmos, mas correm, avançam. Encontramos Pedro e aquele discípulo cujo nome não é mencionado expressamente, a fim de que cada um de nós possa se reconhecer ali: cada um de nós é esse “João”, esse discípulo pós-pascal, que tem no coração e nos pés um amor como o de Cristo: capaz de atravessar o perigo, pois não teme mais por si mesmo.

João seguiu Jesus até o Pretório (cf. Jo 18,15), sem temor. É um homem que raciocina segundo o ágape, que pensa segundo o Amor. Por isso mesmo a Tradição o coloca reclinado sobre o peito do Mestre na Última Ceia, pois a sua “razão” não é outra coisa senão o seu próprio coração apaixonado. Ele raciocina a partir do mesmo Amor inflamado com o qual é amado.

E é esse Amor que sempre “chega primeiro”, vê os lençóis no chão, caídos, como se o Corpo do Senhor tivesse “evaporado”. Os panos estavam dobrados da mesma forma com a qual se preparava o tálamo, o leito nupcial. E isso é muito significativo, pois quando Jesus foi sepultado, José de Arimateia embalsamou o corpo morto do Senhor e os panos que o envolviam com uma enorme quantidade de mirra e aloés (100 libras, que são aproximadamente 30 a 40 quilos), cujas essências não são comumente usadas para um defunto, mas sim para perfumar a roupa de um Esposo. “Já perfumei o meu leito com mirra, aloés e canela.” (Prov 7,17)

Com essa exorbitância de aromas, José de Arimateia evidencia o “cumprimento do amor”: as núpcias com Cristo, o Esposo. O texto do evangelho de João não fala das usuais faixas ou bandagens que cobrem os mortos, mas fala de otonia, que é na verdade um longo “lençol matrimonial”, de 4 metros. É em tal lençol que Jesus Cristo é envolvido. O Seu Corpo então ressurge, sem mover o lençol, que cai por terra, frouxo, permanecendo ali como sobre um leito reparado para as núpcias.

Se unirmos todos os elementos desse evangelho tão denso – a luz recriadora, o Cântico dos cânticos, Maria Madalena, João “o amigo” e a forte simbólica esponsal do Evangelho, – constatamos que tudo nos introduz em uma atmosfera de amor extremo, apaixonado e absoluto. Esse amor é a chave de leitura que nos permite contemplar que Cristo entrou em uma “nova existência” por nós, em nosso favor, para nos fazer participantes dela.

Esse é o destino do homem que passou pelo Amor Extremo da Cruz: Com a Sua Sacratíssima Humanidade, Cristo vive agora plenamente na Glória do Pai; e a nossa humanidade, Nele, com Ele e por Ele, entra na esfera divina. A morte não lhe deteve! E foi isso que João, o discípulo da Páscoa, no amor, “viu e creu”.

Jesus ressuscitou e se tornou um Corpo de muitas moradas, um Corpo no qual todos nós somos incorporados! Porque Ele “é” em nós, porque Ele se uniu intimamente a nós com a Sua Encarnação, nós estamos Nele, podendo participar intimamente da Sua Páscoa e da Sua Glória, da Vida Celeste e Eterna.

A Páscoa é o Amor Unitivo que nos arranca da morte e nos insere na Vida Divina, na participação à vida glorificada de Cristo, que é vida eucarística, “vida vivida no dom de si”, o estilo novo e santo de quem caminha para entrar no Santuário do Pai. Na Eucaristia, nosso viver se torna oferta, com Cristo, por Cristo e em Cristo. Ele toma – desposa -o
nosso ser inteiro, Ele o enche de Si e o torna o que foi criado para ser: núpcias, amor esponsal, comunhão com Deus.

Pe. Cristiano Pinheiro C. Bedê
Comunidade Católica Shalom
Nova Iorque, 4 de abril, 2021 – Domingo da Páscoa do Senhor


Comentários

Aviso: Os comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião da Comunidade Shalom. É proibido inserir comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem os direitos dos outros. Os editores podem retirar sem aviso prévio os comentários que não cumprirem os critérios estabelecidos neste aviso ou que estejam fora do tema.

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *.

O seu endereço de e-mail não será publicado.