Nestes dias intensos de preparação para a Páscoa, a Igreja nos convida à prática da penitência, como expressão de nossa pequenez diante da magnitude divina. Deus, onipotente e onisciente, vem-nos ao encontro, por meio de Seu Filho, que se entrega incondicionalmente para a nossa salvação. Esse é o grande mistério de amor a que somos chamados: pela penitência, respondemos, ainda que timidamente, ao Projeto Salvífico de Deus.
A Penitência quaresmal, entretanto, não quer ser uma ocasião para o desprezo por nós mesmos ou para o masoquismo. Não se trata de sofrimento atroz, macabro, que infunde em nós um desejo incontido pela morte, pela negação de nós mesmos. É, ao invés, uma abertura dinâmica para Deus que nos permite exprimir a totalidade de nosso amor, como tentativa de resposta ao que Ele nos oferece em Jesus Cristo. Daí resulta que não devemos apenas recorrer à penitência como único meio de salvação, mas como uma forma de nos reconhecermos necessitados do divino amor. A penitência favorece à vida plena, cujas raízes se dão nesta esfera existencial.
Conforme o Profeta Isaías (Cf. C 58), o Jejum que agrada a Deus não são os sacrifícios oferecidos, com o escopo de comprar os divinos méritos, mas o amparo a viúva e ao órfão, ao estrangeiro, ao fraco… Por outras, o que oferecemos a Deus tem de ter implicação na sociedade, na vida da comunidade de fé, a fim de transformar a existência, melhorando-a e enriquecendo-a. O objetivo de todo o relacionamento do ser humano com Deus é a plenitude da vida.
Assim, vale a pena lembrar as lutas históricas por melhores condições para os trabalhadores, para os aposentados, as crianças, os jovens, as mulheres, os desprovidos de casa, de terra, de emprego, de dignidade. A prática da justiça que agrada a Deus é a melhor expressão de penitência, sem nos esquecermos – evidentemente – de nosso compromisso pessoal.
As lutas sociais estão um tanto emudecidas, desmotivadas, padecendo de idealismo. A fé cristã acarreta o compromisso com a transformação social, com a satisfação de todas as dimensões da existência humana, a fim de que as pessoas se sintam cidadãs, tendo todos os seus direitos assegurados.
Neste período quaresmal, convém adequar nossa oração, nosso jejum e nossa caridade fraterna ao compromisso com as causas sociais, com a luta por melhores salários e com o fortalecimento da cidadania. A única forma de vida humana possível se dá em sociedade. Daí ser a sociedade o lugar natural para a vivência da fé em comunidade. As carências sociais de que padecemos refletem nossa falta de conversão, nossa carência de práticas devocionais que permitam a integração entre a fé e a vida.
Nesses dias que nos separam da Páscoa, sejamos vigilantes na oração, alegres na esperança, fortalecidos na penitência, comprometidos com as forças organizadas na sociedade, a fim de que a Páscoa – passagem para a vida plena – implique o que significa e transforme nossa pobre forma humana de existir. Que a Semana Santa seja um forte momento de comunhão com Deus, de experiência de intimidade com Jesus Crucificado-Ressuscitado, a fim de que a Ressurreição do Senhor fortaleça nossa existência. Só seremos plenamente livres, quando estivermos imersos no dinamismo transformador que a Páscoa nos propicia.
Dom José Palmeiras Lessa
Formação: Abril/2012