Formação

Perdoar o imperdoável

comshalom

J.R.M.

Faço parte da Renovação Carismática desde 1986 e desde a minha conversão para Cristo tenho buscado a santidade e sentido um forte chamado à pobreza. Sabia que esse caminho me levaria ao sofrimento, mas quando olhava para a minha vida, percebia que havia experimentado apenas algumas pequenas dores e dificuldades.

Tive alguns problemas familiares e percebi que o segredo de tudo estava no perdão. Descobri que somente perdoando a mim mesma, aos meus pais e àqueles que estavam ao meu redor, eu poderia experimentar uma obra de cura interior e crescer no meu relacionamento com Jesus. Sem o perdão, a santidade que eu desejava não seria possível.

Porém, em 1993, tive uma terrível experiência que jamais imaginei que pudesse viver. Fui raptada e violentada por uma gangue formada por três homens, como resultado de uma vingança de um antigo colega, contra o qual eu havia feito algo no passado.

É muito difícil expressar em palavras a violência e o sofrimento que experimentei nesses momentos. A polícia me disse que eles haviam planejado me matar, mas como ainda não era esse o tempo de Deus na minha vida, consegui escapar e sobrevivi, embora estivesse totalmente traumatizada e descobrisse algum tempo depois que eu havia contraído o vírus da AIDS.

A recuperação física durou alguns dias, mas a recuperação emocional é muito mais longa e cheia de dor. É um processo muito difícil. Eu tinha um temperamento muito extrovertido e dizia para mim mesma que havia perdoado aqueles três homens, mas um dia o Senhor me mostrou que isso não era verdade, e que o trabalho de Deus ainda estava pela metade.

Em um domingo, durante a celebração eucarística, logo após a Santa Comunhão, enquanto eu estava com a cabeça reclinada, fazendo minha ação de graças, o Senhor falou claramente ao meu coração: “Olhe para essas pessoas que se dirigem ao altar, a fim de receber a Comunhão, e imagine aqueles três homens naquele local, naquele momento”. Meu coração se tornou duro como uma pedra. Embora lágrimas de dor rolassem sobre meu rosto, gritei dentro do meu coração: “Eles não, Senhor! Eles não têm o direito de estar aqui e te receber. Não eles.”. Percebi o quão superficial havia sido aquele aparente perdão. Eu não poderia perdoar sem a graça de Deus. E a partir daquele momento comecei a orar para que um dia eu, realmente, pudesse estar apta e aberta a perdoá-los do fundo do meu coração.

Como conseqüência de tudo o que havia vivido, tornei-me muito sensível ao sofrimento que via ao meu redor. Isso poderia acontecer na minha família ou nas ruas, na comunidade, nos noticiários de TV ou no jornal. Toda dor e sofrimento que eu presenciava ou via nesses meios, tocava minha dor, meu sofrimento, e era uma experiência que eu permitia a mim mesma como sendo uma oportunidade para interceder pelos outros. As minhas palavras favoritas durante a oração eram aquelas de Jesus: “Pai, perdoai-lhes, eles não sabem o que fazem”.

Através disso, eu tinha certeza que iria, aos poucos, a cada dia, perdoar aqueles três homens. A todo momento, aqueles rostos apareciam na minha mente, mesmo que os meus sentimentos resistissem, eu tentava perdoá-los com todo o meu coração e vontade.

Mais ou menos um ano depois, novamente após a Comunhão, sem ter pensado sobre isso, o Senhor falou novamente ao meu coração a mesma frase de antes: “Imagine aqueles três homens se dirigindo para receber a Comunhão”. Nesse momento o milagre havia acontecido e o meu coração havia se aberto e se enchido de amor e perdão. Agora eu sabia que a igreja onde eu estava pertencia a eles também, o Reino de Deus era para aqueles três homens. Eles não eram monstros, eram meus irmãos. As lágrimas agora escorriam pela minha face. Eu estava livre.

A melhor imagem que posso usar para descrever como me senti vem do livro de Henri Nouwen, “A volta do filho pródigo”. No primeiro momento me senti e me comportei como o filho mais velho: o Pai era o meu pai e esta era a minha casa. Eu tinha o direito de ser amada, mas aqueles filhos pródigos não. No segundo momento, eu queria dizer para aqueles homens: “Venham para a casa do meu pai, venham abraçar e sentir o seu amor, não é somente para mim. Eu sou sua irmã. E tudo isso foi preparado para nós”.

Pouco tempo depois, no final de 1996, como conseqüência final daquele ato, estava claro: o meu teste de HIV havia dado positivo, eu estava com AIDS. O Senhor, porém, mansamente, havia me preparado para isso. Percebi que alguns planos haviam sido postos de lado para sempre. Havia começado a olhar para minha vida com uma nova perspectiva. Percebi que aquelas coisas que antes pareciam tão urgentes, tornaram-se relativas, e no lugar delas havia coisas pequenas e simples, coisas do cotidiano da vida, e que para mim se tornaram as mais valiosas. Comecei a viver muito mais intensamente o momento presente. Mais do que olhar para o futuro, comecei a ser grata pelo que eu tinha agora.

Estes últimos quatro anos têm sido os mais duros, por muitas perdas físicas, profissionais, emocionais e financeiras. O Senhor, porém, tem sido muito fiel e presente nas minhas dores. Acima de tudo, Ele não permite que o meu coração se torne cheio de auto-piedade. O Senhor tem conquistado meu coração. Eu sei e tenho certeza de que agora tenho o que tanto esperava e ansiava no começo da minha caminhada espiritual. Agora sinto-me mais pobre e mais santificada. O meu coração está cheio de Deus, posso realmente dizer: “Tu sabes o quanto eu te amo; Senhor, tu és tudo para mim”.


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