Quando eu estava perto de fazer minhas primeiras promessas no Carisma Shalom, fui questionada por meu orientador de mestrado sobre o porquê dessa escolha. Quando eu rezava, Deus me inspirou a escrever esse texto para ele:
“Gostaria de explicar um pouco melhor a minha escolha para que você perceba o quanto ela é feliz. Sempre fui uma pessoa muito racional e por alguns anos estive fora da Igreja Católica. Acreditava em Deus, mas achava que não precisava de nenhuma religião para me orientar. Neste contexto, fui percebendo que cada vez mais eu caminhava para o vazio. Cada vez mais, eu me afastava de Deus.
Durante esse período, passei por uma grande crise na minha vida. Era muito impressionada com o meu sucesso profissional, pois minha família, em quase tudo, dependia de mim. Meu pai casou muito cedo e quando eu nasci ele tinha apenas 17 anos, por sua imaturidade e envolvimento com drogas ele perdeu tudo o que tinha, o que nos fez quase passar fome. Tudo isso fez de mim uma pessoa que vivia exclusivamente para dar o melhor para minha mãe, para os meus irmãos e até para ele.
Comecei a trabalhar aos nove anos e sempre tive no meu coração um grande desejo de ser uma pessoa boa. Aos 13, fui ser professora particular e desde então a Matemática começou a ser a minha grande meta, pois, por ser a disciplina com que eu mais me identificava, me trazia retorno nas aulas. Assim, fui estudando cada vez mais, mais e mais. Isso não era fácil, pois eu morava no interior do Piauí, vinha de escola pública e tive que aprender quase tudo sozinha, uma vez que meus alunos eram todos de escola particular.
Ainda nesse caminho, quando fiz 17 anos, fui morar na capital do Piauí, Teresina, para estudar. Lá morei em várias casas, entre elas duas casas de estudantes. Conviver com as mais diversas pessoas me fez desejar ainda mais fazer algo que pudesse contribuir com a humanidade, com o bem estar do outro, mas não associava isso à religião alguma, pelo contrário, me distanciava mais, uma vez que só conseguia ver os defeitos de cada uma.
Na época, ajudei a expandir, junto com uns amigos universitários, um pré-vestibular popular comunitário na UFPI e ainda uma ONG, na qual eu e outros estudantes passaríamos a percorrer o interior do Piauí ensinando o básico de educação e cidadania aos mais pobres. Ainda tinha um jornal de poesia e crônicas chamado Boca do Forno, onde eu expressava publicamente minhas opiniões e ideias a todos, em especial, na Universidade.
Minha vida era bastante dinâmica, fazia tudo o que citei, sustentava a minha família, ajudava os meus amigos mais carentes da residência universitária, saía bastante, viajava muito, no entanto, eu ainda me sentia vazia. Fui ficando tão responsável que preferia morrer que errar, que decepcionar as pessoas e, principalmente, a minha família. Depois dessa época, fui me desmotivando a viver, só trabalhava, saía muito, me divertia muito, ajudava muitas pessoas, mas algo em mim era uma lacuna. Sentia-me num grande paradoxo: faço as pessoas felizes, mas não sei exatamente o que é a felicidade.
Nesse período, conheci uma amiga que gostava muito de falar das coisas de Deus e apesar de viver criticando-a, eu sabia que ela tinha o que eu não tinha, ela era plenamente feliz e sua felicidade era muito simples. Ela tinha um grande desejo de depender de Deus em tudo, de ter a sua vida guiada por alguém bem maior e que era o Senhor de todas as coisas.
Certa vez, essa amiga, depois de muita insistência me levou a um grupo de jovens que se reunia dentro da UFPI e ali eu percebi o que me faltava, me faltava uma experiência com Deus. Depois desse encontro de jovens, não quis mais voltar ao grupo, pois eu era muito orgulhosa e achava que se fosse, seria uma pessoa mais fraca, porque estaria deixando alguém direcionar minha vida. Em consequência dessa ida ao grupo de jovens e do que experimentei, passei os três meses seguintes lendo sobre todas as religiões, crenças e o que quer que fosse relacionado a algo mais espiritual. Tudo isso, porque eu pensava que lendo poderia entender o que aquela menina tinha e que eu não tinha.
Passei, então, a ter muita sede de Deus, mas não sabia como experimentá-lo e, no fundo, me questionava se Ele existia. Nunca deixei de acreditar, mas tinha muitas crises de fé. Porém, no meu coração era um misto entre toda a minha história, meus planos e o que havia experimentado de maneira tão simples. Hoje, ao lembrar isso, me vêm à memória uma frase de uma santa que gosto muito (Santa Teresinha) que diz que Deus nos faz desejar aquilo que Ele quer realizar.
Foi, então, nessa crise toda, em setembro de 2003, um mês depois de ter acontecido uma situação muito delicada na minha vida, eu soube que em Teresina aconteceria um retiro de jovens de uma comunidade chamada Shalom, do qual nunca havia ouvido falar. Fui para esse retiro e lá conheci as pessoas mais felizes da minha vida, um bando de jovens que haviam deixado suas casas e viviam para evangelizar.
Quando comecei a ouvir as palestras do retiro, descobri na vida daqueles jovens tudo aquilo que para mim era um misto: o desejo de ajudar os outros, de fazer o bem, de viver virtudes e valores que a sociedade de hoje não escolhe mais, mas, principalmente, eu descobri na vida deles que o meu maior problema era estar no controle da situação. Descobri que o mundo de hoje vive o que Sören Kierkegaard dizia: ‘[A sociedade de hoje] é um navio que está nas mãos do cozinheiro de bordo; e as palavras transmitidas pelo alto-falante do comandante não dizem mais respeito à rota (que não mais interessa a ninguém), mas ao que se comerá amanhã’ e que, como dizia ainda Dostoievski, ‘Se Deus não existe, então tudo é possível!’.
Percebi que eu tinha uma missão, que era de tentar sim fazer um mundo melhor, mas isso seria possível a partir do conhecimento de Deus. Desde esse dia, meu desejo foi e é anunciar ao mundo que Deus não está morto, Ele é vivo e presente em cada um de nós, o mundo que vive a morte de Deus, decretada por Nietzsche pouco depois de Kierkegaard e Dostoievski, precisa saber e tocar nesse Deus que nos preenche e só há conhecimento de Deus se quem o conhece puder apresentá-lo. Essa é minha missão, professor!
Um mês antes desse retiro, eu pensava em me suicidar, pois não conseguia cumprir tudo aquilo que eu era responsável e isso me incomodava muito, pela minha auto-suficiência. Um mês depois, eu entregava essa vida que eu não queria mais nas mãos de Deus e pedia a Ele que se quisesse poderia me utilizar a seu dispor. Depois desse dia, tem sido essa minha oração todas as manhãs. Todos os dias, eu acordo e submeto a minha vontade à vontade de Deus, que é sempre amor. Direcionada por Santo Agostinho, que diz ‘Ama e faze o que quiseres’.
Seis anos depois, isso se concretiza com a minha consagração. Consagrar-me hoje é só assumir como um compromisso aquilo que escolhi viver desde setembro de 2003, sou plenamente feliz e realizada, e meu único desejo é que a minha vida seja um evangelho vivo, seguindo o que orientava João Paulo II quando disse que ‘um consagrado deve ser uma carta de amor pela humanidade’.
Escrevi muito, não foi? Mas era só para que você pudesse perceber um pouquinho sobre as premissas desse argumento. Deus é meu axioma preferido e como Edith Stein, eu posso dizer que quem busca a verdade, no fundo busca a Deus. A maior sede que eu tinha na vida era a sede da verdade, por isso sempre gostei muito de estudar e foi nesse caminho de estudos, na universidade, que eu descobri que essa verdade tem um nome e é Cristo, um Deus manso e humilde que se fez maldito na cruz, esse mesmo crucificado que para os judeus é escândalo e para os gentios é loucura é, para mim, sabedoria de Deus. Agora você entende porque quis fazer um trabalho de dissertação que pudesse contribuir com a Educação Matemática e que trata da busca das verdades matemáticas.
Termino, citando Louis Pasteur ‘Um pouco de ciência nos afasta de Deus. Muito, nos aproxima’. Por isso, eu posso dizer que não deixei tudo só para evangelizar, eu quis estudar mais para em tudo evangelizar”
Ao terminar a carta, eu agradeci-lhe pelo questionamento e disse que ele poderia sempre contar com minhas orações por ele e por sua família. Sou muito grata a Deus que me chamou a essa magnífica vocação e, como alma esposa, não tenho outra linguagem a não ser eterna gratidão e renovar o meu compromisso de vivê-la com todo amor e fidelidade.
Enne Karol
Missionária da Comunidade de Aliança Shalom
Linda História! É muito gratificante buscar no Senhor a força para anunciar e viver o Evangelho em todos os momento. Você é uma referência para todos nós. Aquela que vive na terra com o coração e olhos voltados para Deus.
Um refrigério para nossas almas, brota o grande desejo da graça de me consagrar.
SHALOM!!