Neste mundo tão turbulento, o aparente triunfo de maus sobre bons sugere – visto de forma apressada – que o Senhor Deus não enxerga as injustiças e sofrimentos sofridos pelos justos. Então, surge a pergunta desconcertante: Por que Deus permite que bons padeçam, enquanto os maus prosperam?
Vamos buscar refletir sobre esta inquietante pergunta, sem a pretensão de esgotar o tema, tendo como referência as Escrituras e o sagrado magistério da Igreja, incluindo a Carta Apostólica – Salvifici Doloris.
Nesta, o Papa São João Paulo II nos ensina que a “Redenção se realizou mediante a Cruz de Cristo, ou seja, pelo seu sofrimento” e acentua que “A Igreja, que nasce do mistério da Redenção na Cruz de Cristo, tem o dever de procurar o encontro com o homem, de modo particular no caminho do seu sofrimento”.
Assim, temos duas premissas: a primeira, que não se chega à Redenção sem passar inexoravelmente pela dor e o sofrimento da cruz. A segunda, não precisamos viver o momento de dor sozinhos, temos a Santa mãe Igreja.
O sofrimento, na visão de diversos teólogos e filósofos, é um grande mistério. Não obstante, o sofrimento (que faz parte da vida, quer você queira ou não) exige de cada um de nós que seja vivido e enfrentado, não como se fôssemos vítimas, mas nos colocando como protagonistas da própria vida.
A verdade é que o sofrimento solicita a nossa liberdade. Isto se dá porque o ser humano permanecerá sempre incondicionado. Isto significa que independentemente dos limites comuns ao ser humano, este pode sempre escolher uma ação nova, adotar uma atitude alvissareira. Victor Frankl, pai da logoterapia, defende que mesmo sem conseguir mudar as coisas ao seu redor, é possível mudar a si próprio. Assim, como assentado, a dimensão da liberdade do Homem será requerida para fazer escolhas maduras capazes de dar sentido ao sofrimento.
A liberdade, enquanto dom, será um meio importante para responder às demandas da vida, o que inclui evidentemente a dimensão do sofrimento, que está unido de forma indelével à condição humana. Veja-se o que diz o documento:
“O campo do sofrimento humano é muito mais vasto, muito mais diversificado e mais pluridimensional. O homem sofre de diversas maneiras, que nem sempre são consideradas pela medicina, nem sequer pelos seus ramos mais avançados. O sofrimento é algo mais amplo e mais complexo do que a doença e, ao mesmo tempo, algo mais profundamente enraizado na própria humanidade.”
O pontífice estabelece uma distinção entre sofrimento ‘físico’ e sofrimento ‘moral’, a qual toma como fundamento a dupla dimensão do ser humano e indica o elemento corporal e espiritual como o que se chama de imediato ou direto sujeito do sofrimento.
Há uma diferença crucial entre dor e sofrimento. Louis Lavelle, na obra O mal e o sofrimento, ensina que “Dor e sofrimento tem uma distinção. A dor precisamente está ligada ao corpo e, portanto, está ligada a um instante. (…) O sofrimento está ligado ao tempo e, precisamente, ao tempo presente, pois o sujeito acaba trazendo para o tempo presente aquela dimensão que o faz sofrer: é a dor da alma. Em suma: a dor é objetiva (o corpo dói) ao passo que o sofrimento é subjetivo, já que o alcance é mais profundo pois atinge a alma. Sofrimento revela, na verdade, uma falta.
Existe um sofrimento salvífico?
O Pontífice mostra claramente que existe, sim, um sofrimento salvífico: o sofrimento de Cristo. Ele assume, no seu sofrimento, todo o sofrimento de toda a humanidade em todos os tempos.
Assim, o sofrimento pessoal, unido ao sofrimento de Cristo pode encontrar sentido. É o que nos ensina São Paulo na carta aos Colossenses: “Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja.” Col 1,24.
Ora, se for desconsiderada a dimensão espiritual e o sacrifício de Cristo, constata-se a evidência inescapável do sofrimento humano e corre-se o risco de perder o sentido da própria existência. Então, inadvertidamente, arrisca-se colocar em xeque a onipotência e a bondade de Deus, que assistiria à dor do ser humano de forma inerte. Ledo engano.
O engano está na ideia do que realmente significa a bondade de Deus, sobretudo quando se fala sobre seu Amor. É comum que se pense que a ‘bondade divina’ é um atributo que fará com que a Divindade esteja sempre pronta a realizar os desejos individuais, deixando a pessoa imersa num ambiente de prazer contínuo.
Sobre a Onipotência divina, São Tomás de Aquino ensina que Deus pode fazer todas as coisas intrinsecamente possíveis. Ele não faz nada contraditório. A sua onipotência, portanto, parte da noção tomista de que Deus é Ato Puro, ou seja, sua eternidade faz com que até ações duradouras na cronologia humana são períodos insignificantes. Ele é a causa das contingências existentes, mas não há nada de contingente nele próprio. Deus é o Ser Absoluto do qual todos se originam.
Mas, o ser Absoluto por tanto amar, permite que a criatura – alvo deste amor – experimente o sofrimento, para o seu próprio bem. Ora, o amor encerra exigências porque o amante deseja o aperfeiçoamento de quem é amado, pois invariavelmente a preocupação e o interesse se tornam bem mais intensas nesse tipo de relação.
A dimensão do livre arbítrio
Santo Agostinho ensina que o livre-arbítrio consiste na decisão diante de um número limitado de alternativas existentes: “(…) nossa liberdade é apenas uma liberdade de reação melhor ou pior”. Assim, reforça-se a ideia do sofrimento que solicita a liberdade pois não é possível que os fenômenos se adequem a cada capricho de uma única pessoa. Compete a este agir de maneira livre e consciente para favorecer uma profunda transformação pessoal, que só terá sentido se o levar a união mais profunda com o Senhor Deus.
Em verdade, o maior bem do homem consiste em se entregar inteiramente ao seu Criador, devolvendo-se inteiramente a Deus. Nisto reside o uso correto da liberdade: abrir mão da própria vontade que sempre reivindicamos para si, esmagando a vontade egoísta.
É através, então, do sofrimento que a pessoa é despertada para uma mudança de conduta, convergindo para o que é bom, belo e sobretudo verdadeiro. O sofrimento, então, nos ‘desperta’, pois deixamos de procurar a felicidade em coisas criadas.
A tarefa de negar-se a si mesmo já foi vivida na sua plenitude por Cristo, pois “esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens” (Filipenses 2, 7) está sempre pronto para fortalecer todo aquele que queira se aproximar dele, imitando sua kénosis.
O horror ao sofrimento e a necessidade dele
Na monumental obra Teologia da Perfeição cristã, da lavra de Antonio Royo Marin podemos compreender que a fuga do sofrimento decorre do apego à carne e dessa forma funciona como grande barreira à salvação pessoal. Segundo o teólogo, “Somente quem decide enfrentar com energia inquebrantável o sofrimento e, se for preciso, a morte prematura, logrará chegar às supremas alturas da santidade”.
Por fim, ao aduzir a necessidade do sofrimento como forma de alcançar a perfeição cristã registra o autor que este é necessário como forma de reparação do pecado e como via para a santificação da alma. Esta última, “consiste num processo cada vez mais intenso de incorporação a Cristo. Trata-se de uma verdadeira cristificação, a qual deve chegar todo cristão sob pena de não atingir a santidade. O Santo é, afinal, uma fiel reprodução de Cristo, outro Cristo, com todas as suas consequências”
Paulo César Gomes Albuquerque
Setor Comunicação – Instituto Parresia
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