Formação

Por que o amor de Deus deve se estender também ao próximo?

Devemos reconhecer que a nossa natureza nos leva a amar aqueles que nos fazem o bem e odiar aqueles que nos fazem o mal; e nos deixa indiferente para com alguns.

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Foto: Wallace Freitas

Antes da vinda de Cristo os fariseus ensinavam (Mt 5,43): «amarás o próximo»; e acrescentavam «odiarás o teu inimigo».

Nosso senhor diz (Mt 5): «44Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; 45desse modo vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos céus, porque ele faz nascer o seu sol igualmente sobre maus e bons e cair a chuva sobre justos e injustos. 46Com efeito, se amais aos que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem também os publicanos a mesma coisa? 47E se saudais apenas os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem também os gentios a mesma coisa? 48Portanto, deveis ser perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito».

O mandamento da caridade fraterna não pertence à ordem natural, como a fraternidade que pode existir entre os pagãos, mas esta é essencialmente de ordem sobrenatural.

O amor natural nos faz amar o próximo pelos benefícios que podemos receber e por suas boas qualidades. A caridade por sua vez nos faz amar por Deus, porque este é um filho de Deus ou então ao menos chamado a sê-lo.

É possível amar os homens com o mesmo amor com qual amamos a Deus? Com o mesmo amor divino? A teologia mais rigorosa responde que sim e nos explica com um exemplo muito simples: quem ama muito um amigo ama também os seus filhos (porque ama o seu pai); e os ama com amor verdadeiro, que esforça-se para demonstrá-lo.

Então, se todos os homens são filhos de Deus, ou ao menos chamados a sê-lo, devemos amá-los todos na medida com a qual amamos o Pai comum. Para amar sobrenaturalmente o próximo basta olhar com os olhos da fé e pensar que, mesmo se este tem características e caráter diferentes dos nossos, todavia ele nasceu, como nós, não só da carne, do sangue e da vontade do homem, mas sim de Deus (Jo 1,13), ou pelo ao menos é chamado a nascer para vida de Deus, a participar da mesma natureza divina e da beatitude eterna: pertencemos ambos a mesma família de Deus;  então, como posso não amá-lo se verdadeiramente amo Deus? E se não o amo e pretendo, não obstante este fato, amar a Deus, certamente eu minto (Jo 4,20); por outro lado se eu o amo com este amor é sinal de que amo a Deus, pois se trata do mesmo amor que é endereçado à verdadeira realidade Sobrenatural do meu próximo. Em outras palavras eu amo meu próximo porque é filho de Deus e membro do corpo Místico de Cristo porque o Espírito Santo habita ou quer habitar nele; amo porque ele é destinado a tornar-se, como eu, uma pedra viva da Jerusalém Celeste, e talvez seja até mesmo uma pedra mais preciosa ou mais bem trabalhada. Amo nele a realização da ideia divina que preside o seu destino e posso amá-lo com um amor divino porque amo pela glória que Ele dará à Deus eternamente.

Por vezes os mundanos objetam: Mas isso significa amar o homem ou não é amar só Deus e Cristo no homem? O homem deve ser amado por si mesmo. A parte o fato de que o homem não poderia exigir de ser amado com o amor divino, é necessário observar que na realidade a caridade não só ama a Deus no homem, mas também o homem em Deus e por Deus, pois ama o que ele deve se tornar: parte eterna do corpo Místico de Cristo. Aliás a caridade faz de tudo o que está em seu poder para que ele possa alcançar este seu verdadeiro destino. Ama tudo o que ele já é por graça e se ele não tem a graça, a caridade ama a sua natureza, não enquanto é hostil a graça por consequência do pecado, mas enquanto é capaz de recebê-la.

A caridade ama o homem em si mesmo com o mesmo amor com qual ama a Deus, mas ao final das contas, evidentemente, o ama por Deus, pela Glória que ele é chamado a render ao Senhor.

O resultado é que devemos amar todos os homens: todos são nosso próximo, nosso semelhante, por que todos são criados  a imagem de Deus, chamados a fazer parte de sua família e a gozar da mesma Glória.

Por isso é claro que devemos amar também todos os que nos são naturalmente indiferentes, e até mesmo os nossos inimigos, pois por este fato, não cessam de ser filhos de Deus, ou chamados a tornarem-se tal¹.

Este texto é a tradução de parte do livro: R. Garrigou-Lagrange², Vita Spirituale, Città Nuova, Roma, 1965, 83-85.

 

 

¹ Tradução feita por Elton da Silva Alves, membro da Comunidade Católica Shalom.
² R. Garrigou-Lagrange foi um frade dominicano e um dos maiores teólogos do Século XX.


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