Por volta de um mês atrás acompanhei uma série de discussões nas redes sociais entre vários jovens que debatiam sobre política, afinal tudo nos tempos atuais acaba nesse tipo de discussão. Um ponto no meio do debate me chamou muita atenção, no fundo, todos apontavam para uma mesma questão: queriam ser livres! Entretanto não ficava muito claro para cada um o que significava essa liberdade, para uns ser livre era poder fazer qualquer escolha que lhe vinha na cabeça, sem que houvesse algum poder superior a impedir; para outros era uma simples questão de ter poder: era necessário que alguém permitisse, seja por uma lei ou por algum direito financeiro, que o jovem tomasse alguma decisão, afinal “só se é livre se não houver nenhuma barreira para ser o que quiser”.
Em um primeiro momento podem parecer concepções completamente diferentes, pois enquanto um espera que não haja nenhuma intervenção para ser livre, o outro espera a intervenção para o ser, mas a raiz do problema é uma só: o que realmente é ser livre? Somente respondendo esse ponto é possível discernir o que é necessário fazer para chegar à liberdade, inclusive entender o bem que significa verdadeiramente essa palavra.
Antes de seguirmos, gostaria de voltar a um ponto em comum dessas duas concepções de mundo que tomaram os debates no ocidente nos últimos anos e parecem avançar cada vez mais na vida pública, assim como em nossas casas, nas escolas, nos empregos. É possível que duas concepções de mundo tão diferentes tenham algo em comum? A resposta é sim! As duas possuem a mesma origem, mas com um pequeno desvio no meio do caminho que acabou por “diferenciá-las”, só que ainda permanece o princípio comum, o que faz com que o debate seja infinito, mas pouco produtivo, afinal nos dois casos o problema que existe só pode ser resolvido a partir de uma mesma concepção inicial de mundo: o homem, sozinho, quando escolhe é digno e é livre.
Como o mundo passou a deificar a escolha, não escolher passa a ser o único mal possível, dado que cada vez que um ser humano escolhe fazer algo, e o faz, ele transforma o mundo para algo melhor (segundo esse princípio de liberdade). Isso parte de um princípio ainda anterior onde a crença no individualismo, no racionalismo utilitarista, seria capaz de criar a plena felicidade ao libertar os homens de toda e qualquer tradição deixando o caminho livre para a criação de um novo mundo, onde o homem será capaz de suprir a própria necessidade de liberdade.
Tal teoria irá desembocar em alguns valores essenciais da sociedade moderna que acabam por permear várias das decisões que tomamos no dia a dia e das novas relações sociais, como: o núcleo básico da sociedade passa a ser o indivíduo; o “justo” é mais importante que o bem (explico mais adiante); maior liberdade corresponde a maior consumo; a natureza deve ser moldada pelas minhas escolhas; maior prazer, maior a liberdade; todas as decisões são justas; a maior virtude é a tolerância. Esses são a base de uma sociedade hedonista, materialista, consumista e individualista e que cresce insinuando uma maior justiça por meio desses mesmos termos.
Qual então é o resultado desses novos valores? O desaparecimento do bem, pois dado que o indivíduo é o núcleo básico da sociedade, a família perde seu valor e as relações se tornam cada vez mais frouxas, a subsidiariedade (princípio da doutrina social da igreja) desaparece, as comunidades se tornam um agrupamento de estranhos e a única maneira de manter a sociedade passa a ser a criação de compromissos artificiais, por meio de leis que subsidiem o que foi deixado para trás pelas relações.
Dessa forma, o justo suplanta o bem, a lei escrita toma o lugar da virtude, mas sempre impossibilitada de gerar a liberdade esperada. E se o caminho da justiça é o único, a política se torna o “como” essencial para a vida nessa nova era, o indivíduo é impulsionado a enxergar como única saída para permanecer livre participar da política, já que esse é o modo de, ou conseguir que o governo não o atrapalhe e seja uma força a menos para o impedir de escolher; ou criar um privilégio para si, em prol de uma maior capacidade de escolha no futuro. No fim enxergamos dois resultados: 1. A criação de uma sociedade frouxa, sem laços que sustentem e sem virtude suficiente para se autogovernar; 2. Indivíduos que constantemente sentem que lhes falta alguma coisa.
É fácil reconhecer o resultado do ponto dois nas ruas, quantos jovens se sentem ansiosos hoje por não conseguirem suprir todos os planos que fizeram para si mesmos? Afinal foram criados para conseguir tudo! Como não conseguem consumir tanta coisa, pois uma escolha quer dizer não escolher o restante, acabam por se entregar ao prazer que for possível, deixando o coração sempre em falta, sempre vazio, pois é uma liberdade incapaz de ser suprida. A promessa de ser livre acaba escravizando e tornando cada vez mais dependente de ídolos vazios. O mundo aponta para uma liberdade baseada numa escolha infinita, mas em um mundo finito, nenhuma escolha será suficiente.
Mais grave que isso é o fato de que todos se sentem sempre na parede contra o tempo, pois precisam sempre lutar para conseguir tal liberdade, precisam competir, daí surge o sentimento que se está sempre atrás de alguém, que é necessário correr mais, não há tempo a perder, não há tempo para conversar, é necessário fazer, estudar, trabalhar, morar fora, pois se não fizer isso terá perdido o poder de escolha, de viver, e ficará atrás de todos aqueles que abriram mão da vida para poder escolher mais no futuro. Isso parece liberdade para vocês? Perde-se a vida tentando ganhá-la, perde-se a liberdade tentando vive-la.
Calma jovem! Esse texto não acaba por aqui, ainda há esperança!
“O ato livre é uma resposta gratuita, saída das profundidades da vontade à solicitação impotente de um bem finito.” Garrigou Lagrande, O.P., extraído de “O homem e a eternidade”
A concepção antiga sobre liberdade nada tem a ver com o que falamos até agora, enquanto o ser livre no conceito mais difundido atualmente se preocupa em escolher qualquer coisa, seja ela boa ou má, seja uma escolha racional ou não, basta que seja uma escolha! Enquanto a concepção antiga de liberdade se fundamenta no serviço do bem e da justiça (CIC 1733), dessa forma é a prática de um bem (não só a escolha) que define a maior liberdade do homem.
Qual principal mudança então? Ao invés de fundamentar o ato na justiça, na possibilidade de escolha que a lei me permite, a liberdade passa a ser fundamentada na escolha do que é verdadeiro. Ou seja, a liberdade exige não só a vontade, dado que uma escolha hedonista pode exigir o mesmo, mas o intelecto para descobrir o que é o bem daquele caso e escolhê-lo. Assim a inteligência deve controlar os impulsos (as paixões) em prol daquilo que é bom, para que assim cresça a virtude e quanto mais virtuoso tornar-se mais livre.
A inteligência aparece com uma condição essencial: ela, dado que foi nos dada por Deus para conhecer a verdade universal, sempre buscará o verdadeiro, e esse bem é o que irá satisfazer verdadeiramente o apetite, só assim o homem estará livre de todas as outras coisas.
Como assim?
Imagina um homem que descobriu que estava com colesterol muito alto, foi ao médico e o mesmo lhe disse: se você não parar de comer coisas gordurosas acabará enfartando. Ele então chega em casa, abre a geladeira e não tem nada para jantar, então na mesma hora lhe vem a ideia de um aplicativo para comprar comida, onde sabe que existem várias lanchonetes que fazem deliciosos hambúrgueres, seu apetite logo se abre. Ali já poderia ter escolhido o lanche e, segundo o critério de escolha, ele estaria sendo livre. Mas, para ser verdadeiramente livre o sanduíche deve ser menos importante que o seu próprio bem, então seu intelecto lembra do risco de infarto, ele então resolve preparar sua própria comida, de uma forma mais saudável.
Em um primeiro momento ser livre, como no exemplo acima, pode parecer que estamos na verdade nos impedindo de escolher, mas com o tempo, escolhendo bem atrás de bem, nada mais fará o homem escravo, pois não é mais o impulso que o faz tomar uma ação, o objeto (o sanduiche) não tem mais poder sobre ele. Comer ou não comer não é mais uma questão de impulso, mas do bem que eu vejo. Se nenhum impulso tem poder sobre mim, então sou verdadeiramente livre, se ninguém pode comprar meu ato então não sou mais escravo. Se sou verdadeiramente livre, então o mundo não tem mais poder sobre meu coração e enfim posso ter paz.
Então chegamos no ponto crucial da jornada de hoje: mas diante de tudo que o mundo fala hoje, como é possível ser verdadeiramente livre? A resposta é simples: descobrindo o amor!
Essa é uma semana propícia para falarmos sobre liberdade, pois ninguém pode ser livre enquanto ainda depender do pecado, dado que ele controlará nossas paixões, tomará o lugar da nossa inteligência e terá poder sobre nós (enquanto permitirmos) para apontar o mal como bem, nos dizendo que ser livre é apenas escolher.
É a melhor das semanas porque a fonte de toda liberdade está presente para nos fazer livres! É a melhor das semanas porque o ato mais livre da história do mundo foi capaz de restabelecer a capacidade de liberdade da humanidade!
Antes de falarmos dessa semana, quero ainda pontuar uma questão essencial sobre o intelecto, a vontade e O amor: se a verdade universal é o que o intelecto busca e o bem universal é o que a vontade busca, uma vez encontrado O amor (que é verdade e bem universal) o homem está verdadeiramente livre. Pois uma vez encontrado, todos os afetos serão preenchidos e nenhuma outra coisa terá poder sobre o ato.
Voltando a essa semana, como sabemos existe a celebração da páscoa em todo mundo, da semana das semanas, onde atualizamos a paixão de Cristo, sua morte e ressurreição que aconteceram durante as comemorações da Pessach judaica de seu tempo.
Essa comemoração faz memória ao dia da passagem do anjo sobre o Egito, onde os primogênitos são mortos, exceto os judeus, pois, seguindo a recomendação de Deus, todos marcaram suas casas com os sangue do cordeiro e quando o anjo chegava nessas habitações ele “passava por cima” (por isso o no Pessach). Mas essa é uma história conhecida, o que não percebemos de cara é que essa é a última praga de um conjunto de ações de Deus que vão destruindo um a um, do Nilo ao filho do faraó, os deuses egípcios, até que só sobre YHWH. Ou seja, Deus não estava apenas libertando fisicamente o povo do Egito, mas estava apontando o caminho da verdadeira liberdade: não terás outros deuses além de mim.
O problema que ali, apesar de demonstrar ao povo o poder de Adonai, não saciava o coração de Israel que ainda precisava ver Deus para converter verdadeiramente de dentro para fora o coração.
Passaram-se anos e ainda o povo entendia Deus como guardado no santo dos santos (onde estavam as tábuas da lei), onde somente o sumo sacerdote do ano poderia entrar, poderia cruzar o véu do templo uma vez por ano para os ritos da páscoa em expiação dos pecados do povo. Era um cuidado tão grande, dado que aquele era o lugar de Deus, que o sacerdote só poderia entrar sozinho e tinha em uma das pernas um cordão amarrado, para caso ter uma morte súbita os assistentes o puxavam para fora do templo.
Ali no templo era o lugar de encontro com Deus, para onde afluíam milhares de pessoas todos os anos e onde Deus agia. Era o desejo de encontrar o sumo bem que os levava ao templo, o desejo de, como não conseguiam ver, se aproximar e ali encontrar o bem e a verdade.
Acontece que, quando Jesus morre no calvário algo grandioso acontece no templo: o véu se rasga. O Deus que estava escondido é revelado, a partir daquele momento a vontade pode ser saciada, o intelecto pode novamente encontrar a verdade (eu sou o caminho, a verdade…). O Senhor agora tem um rosto para o seu povo, e é o rosto da misericórdia!
Assim, aquele que vê Cristo, vê o sumo bem, fica saciado e pode caminhar verdadeiramente livre, sem amarras, sem que nenhum objeto finito tenha poder sobre si, pois se “o Filho vos der a liberdade, sereis realmente livres”.
Rafael Rosemberg
Missionário da Comunidade de Aliança