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Protomártires do Brasil

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Todos conhecem um pouco da história da ocupação holandesa no nordeste do Brasil. Os países baixos, antiga possessão espanhola e em guerra contra a Espanha, atacaram o Brasil,que na época tinha como soberano o Rei Felipe II, espanhol. A 1ª invasão ocorreu em maio de 1624, quando os holandeses tomaram a Bahia; foram expulsos em 1625, com ajuda de uma frota espanhola. Não desistiram, e em 1630 invadiram Pernambuco, tomando Olinda e Recife. Conseguiram fixar-se e aumentar os seus domínios em todo o litoral nordestino: Maranhão, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba,Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Para governar Pernambuco foi enviado o príncipe Maurício de Nassau, que governou com muita habilidade, atraindo a amizade dos brasileiros.

No Rio Grande

Os holandeses chegaram à Capitania do Rio Grande, hoje Estado do Rio Grande do Norte, dia 8 de dezembro de 1633. Depois da rendição dos portugueses da Fortaleza dos Reis Magos, que defendia a entrada marítima da cidade, a principalpreocupação dos invasores foi assumir, o quanto antes, os pontos estratégicos que garantiam a economia da região e a subsistência da população. A principal fonte de renda era o gado, seguido da cana-de-açúcar. Haviam dois engenhos: o Potengi,economicamente decadente, e o Cunhaú. Ora, quando os holandeses chegaram a Natal, vários moradores importantes refugiaram-se no Potengi, propriedade de um deles, na esperança de que viesse ajudada Paraíba e Pernambuco. Foram perseguidos. Os invasores, com a ajuda dos índios Tapuias, mataram Francisco Coelho, dono do engenho, sua mulher e seis filhos, e todas as outras pessoas que ali se encontravam , em número de 60. Este foi o primeiro massacre realizado pelos holandeses no Rio Grande. Como não havia a motivação religiosa, não é considerado um martírio pela fé.

Enquanto o Potengi estava quase desativado, o engenho Cunhaú era o mais importante centro da economia da capitania. Foipor isso palco de muitas lutas pelo seu controle, entre portugueses, índios eholandeses. Passadas todas as turbulências no período inicial da invasão, a vida doengenho voltou a sua normalidade. Ao redor da capela de Nossa Senhora dasCandeias, da casa grande e do engenho, viviam pacatamente 70 modestos colonos esuas famílias.

Durante a ocupação holandesa, a Igreja no Rio Grande do Norte, implantada pelo trabalho missionário dos jesuítas e estruturada em duas paróquias, a de Natal e a de Cunhaú, passou por um período de crise causada pelas autoridades hostis à Igreja e pela busca de novos fiéis por pastores calvinistas. O calvinismo era a principal religião em terras flamengas (Holanda e parte da atual Bélgica). Com o tempo essa situação hostil transformou-se em verdadeira perseguição religiosa, que culminou com os massacres de Cunhaú e Uruaçu.

Martírio de Cunhaú

Dia 15 de julho chegou em Cunhaú Jacó Rabe,trazendo consigo, como sempre, seus amigos e liderados, os ferozes tapuias, e,além deles, alguns potiguares com o chefe Jerera e soldados holandeses. Jacó Rabe era conhecido por seus saques edesmandos, feitos com a conivência dos holandeses, deixando um rastro dedestruição por onde passava. Dizendo-se em missão oficial pelo Supremo Conselho Holandês do Recife, convocaa população para ouvir as ordens do Conselho após a missa dominical no diaseguinte. Sua simples presença deixou todos tensos e temerosos.

Uma chuva torrencial na manhã de domingo, dia 16, alagandosobremaneira os caminhos da região, impediu que o número de pessoas acomparecer na missa fosse maior. Foi uma chuva providencial. Pelo receio de Rabe, alguns esperaram na casade engenho. Os fiéis chegaram, em grupos de famílias, para cumprir opreceito dominical, e Pe. André de Soveral iniciou a missa…

“Após a elevação da hóstia e do cálice, erguendo o Corpo do Senhor para a adoração dos presentes, a um sinal de Jacó Rabe, foram fechadas todas as portas da igreja e se deu início à terrível carnificina. Foram cenas de grande atrocidade: os fiéis em oração, tomados de surpresa e completamente indefesos, foram covardemente atacados e mortos pelos flamengos com a ajuda dos tapuias e dos potiguares.

Ao perceber que iam ser mesmo sacrificados, os fiéis não serebelaram. Ao contrário, “entre ânsias se confessaram ao sumo sacerdoteJesus Cristo Senhor Nosso, pedindo-lhe cada qual, com grande contrição, perdão de suas culpas”, enquantoo Pe. André estava “exortando-os a bem morrer, rezando apressadamente oofício da agonia”.

Os primeiros ataques ao venerando sacerdote, Pe. André deSoveral, partiram dos tapuias. O Padre, porém, falando a língua indígena naqual era bem versado, exortou-os a não tocar na sua pessoa ou nas imagens e objetos do altar, sobpena de ficarem tolhidas as mãos e as partes do corpo que o fizessem. Ostapuias recuaram receosos. Mas os potiguares não deram importância às palavras do sacerdote, arremetendocontra o ministro de Deus e “fazendo-o em pedaços”. O autor dafaçanha foi o principal dos Potiguares Jerera, que, empunhando uma adaga, feriu de morte o Pe. André”(PEREIRA, F. de Assis. Protomártires do Brasil, p.16s ).

Os que haviam se refugiado na casa do senhor de engenhotiveram a mesma sorte. Após a igreja, esta foi invadida. Três conseguiram fugirescapando pelos telhados. Os outros tentaram se defender como puderam, mas também foram mortos.

A disposição dos fiéis à hora da morte era a de verdadeiros mártires, ou seja, aceitando voluntariamente o martírio por amor a Cristo. Os assassinos agiam em nome de um governo que hostilizava abertamente a Igreja Católica, a religião do governo português, do qual eram adversários. As vítimas tinham plena consciência disso.

De toda essa numerosa multidão de mártires, cerca de 70 pessoas, apenas duas foram identificadas, e por isso, beatificadas: André de Soveral e Domingos de Carvalho. Mais adiante voltaremos a falar deles.

Martírio de Uruaçu

A notícia do massacre de Cunhaú espalhou-se por todo o Rio Grande e capitanias vizinhas, deixando a população aterrorizada, temendo novos ataques dos tapuias e potiguares, instigados pelos holandeses. Mesmo suspeitando dessa conivência do governo holandês, alguns moradores influentes pediram asilo ao comandante da Fortaleza dos Reis Magos. Assim, foram recebidos como hóspedes o vigário Pe. Ambrósio Francisco Ferro, Antônio Vilela, o Moço, Francisco de Bastos, Diogo Pereira e José do Porto.

Os outros moradores, a grande maioria,  não podendo ficar no Forte, assumiram a sua própria defesa, construindo uma fortificação na pequena cidade de Potengi, a 25 km de Fortaleza. Enquanto isso, Jacó Rabe prosseguia com seus crimes. Após passar por várias localidades do Rio Grande e da Paraíba, chegou em setembro à Casa Forte do francês João Lostau Navarro, a poucos quilômetros de Natal. Vários moradores foram mortos e o proprietário, por ser estrangeiro,levado ao Forte dos Reis Magos. No Forte encontrou-se com os nossos conhecidos hóspedes e outro prisioneiro, Antônio Vilela Cid.

Este era acusado de cumplicidade na morte de um holandês e de fazer parte de uma conspiração pela expulsão dos holandeses. Rabe foi então à Potengi, e encontrou heróica resistência armada dos fortificados. Como sabiam que ele mandara matar os inocentes de Cunhaú, resistiram o mais que puderam,por 16 dias, até que chegaram duas peças de artilharia vindas da Fortaleza dos Reis Magos. Não tinham como enfrentá-las.

Depuseram as armas e entregaram-se nas mãos Deus! Cinco reféns foram levados à Fortaleza: Estêvão Machado de Miranda, Francisco Mendes Pereira, Vicente de Souza Pereira, João da Silveira e Simão Correia.

Desse modo, os moradores do Rio Grande ficaram em doisgrupos: 12 na Fortaleza e o restante sob custódia em Potengi.

Dia 2 de outubro chegaram ordens de Recife mandando matartodos os moradores, o que foi feito no dia seguinte, 3 de outubro.

Os holandeses decidiram eliminar primeiro os 12 da Fortaleza, por serem pessoas influentes, servindo de exemplo: o vigário, um escabino, um rico proprietário. Foram embarcados e levados rio acima para o porto de Uruaçu. Lá os esperava o chefe indígena potiguar Antônio Paraopaba e um pelotão armado de duzentos índios seus comandados. Este chefe fora educado na Holanda e convertido à religião calvinista, da qual era fanático defensor. Mais tarde os holandeses o fizeram regedor dos índios da Capitania do Rio Grande.

Logo que chegaram, os flamengos ordenaram aos 12 que sedespissem e ajoelhassem. Chamando os índios, que estavam emboscados, estescercaram os pobres indefesos e deram início à requintada carnificina que seseguiu.

Mons. Assis, o postulador da causa desses nossos queridos beatos, por dever de ofício e necessária precisão histórica, narra os tormentos e crueldades praticados tanto por índios como por holandeses (PEREIRA, F. de Assis. Protomártires doBrasil, p. 36-44; também p. 109-114)… Impossível ler aquelas páginas e nãochorar! Santo Deus! Como resistiram a tanta crueldade? Só mesmo a força da graça divina, que se manifesta na fraqueza humana, pode explicar a heroicidade desse transe! Antes de receberem a palma do martírio na Glória do céu, o mínimo que lhes aconteceu foi terem olhos, orelhas e línguas arrancadas, órgãos sexuais cortados e colocados em suas bocas…ainda vivos! Os que não morreram por essas e outras crueldades, começaram a ter os membros cortados, e, dessa forma, entregaram a alma a Deus. Depois de mortos, a barbárie continuou, e seus corpos foram feitos em pedaços…

Em contraste à essa violência, temos a atitude serena e profundamente cristã das vítimas. Além disso, importantíssimo para a caracterização do martírio pela fé, foi justamente a presença de um pastor protestante calvinista, que tentou fazê-los abjurar a fé católica e converterem-se à religião dos flamengos.Confessaram a alta voz que morriam na verdadeira fé:

“Pedindo todos a Deus que tivesse deles misericórdia, elhes perdoasse suas culpas e pecados, protestando que morriam firmes na santa fé católica crendo o que cria a santa madre igreja de Roma”( SANTIAGO, D. L.. História da Guerra de Pernambuco, p. 346, citado em: PEREIRA, F. de Assis. Protomártires do Brasil, p. 38)

É importante ser ressaltado isso, pois não era simplesmente uma perseguição política. Era claro para as vítimas que ceder aos invasores era ceder aos hereges calvinistas; era trair ao Rei, o soberano português, e à Religião Católica. Era esse o sentir das pessoas então; vencer e expulsar os invasores era defender a pátria e vencer para Deus e a verdadeira fé. Nas atrocidades do martírio também se manifesta o ódio à fé católica por parte dos assassinos, pela forma como foi tratado Pe. Ambrósio: por ser sacerdote, estando ainda ele vivo, foi mais duramente torturado. Quanto aos outros moradores que estavam presos em Potengi, também eles não tinham mais ilusões de que sobreviveriam, e teriam o mesmo fim que os inocentes fiéis de Cunhaú. Aguardavam o martírio em clima de grande religiosidade.

Dentro da fortificação, que se tornou cadeia, eramrealizadas orações, procissões, jejuns e penitências fortíssimas. As penitênciasforam tantas que seus corpos depois as denunciavam antes de serem sepultados. Embora somente oshomens é que deveriam ser levados para a morte, sabe-se que algumas mulherescom seus filhos acompanharam os chefes de família e foram também sacrificados.

Quando os soldados holandeses vieram buscá-los, sabiam que iampara o suplício:

“Despediram-se os miseráveis de suas mulheres e filhos com muitas lágrimas, pedindo-lhes com muita eficácia que, pois iam morrer por seu Deus e inocentes, que lhes encomendassem as almas a seu Criador, e a quem pelo caminho foram pedindo perdão de seus pecados, dando-lhes muitas graças e, mui conformes por morrerem daquela sorte, e, antes de serem chegados ao sítio, teatro de crueldade e tirania jamais vista, foram cercados pelos índios, e em chegando viram os cadáveres de seus companheiros e vizinhos que ainda palpitavam com as feridas, com cuja vista não desmaiaram, antes deram a Deus muitas graças consolando-se uns aos outros, e protestando que morriam firmes na fé católica romana.” (PEREIRA, F. de Assis. Protomártires do Brasil, p. 40s )

Repetiram-se então as piores atrocidades e barbáries, que os próprios cronistas da épocasentiam pejo em contá-las, porque atentavam às leis da moral e modéstia.

Em Uruaçu foram mortos os principais moradores de Natal, quepor medo dos índios e holandeses tinham se refugiado na Fortaleza dos ReisMagos e na fortificação de Potengi. Calcula-se em torno de 80 pessoas. Não deixe de ler agora oque se sabe de suas biografias!

 


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