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Pseudo-soluções

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Consta que na década de 60 a Suprema Corte Americana, composta de “liberais”, autorizou o aborto sempre que a gestante o desejasse. A partir de pesquisa, de valor discutível, afirma-se que, em conseqüência, houve sensível redução da criminalidade. A mesma Corte, na década de 90, composta agora por “conservadores” tomou posição diferente. Note o leitor que a classificação “liberais” e “conservadores” faz dos liberais os “simpáticos” e de suas posições as mais corretas. Sobre o assunto teço algumas considerações.

A criminalidade teria como causa social a criação de filhos em ambiente deteriorado, sobretudo os filhos de mães solteiras. Houve quem estimasse que a redução do número de filhos criados por mães solteiras resultaria na diminuição considerável dos homicídios. Assim: a diminuição em 10% de filhos criados por mães solteiras resultaria na queda de 5,1% de homicídios. A conclusão lógica é que mais de 50% dos homicídios são praticados por filhos criados por mães solteiras. Difícil verificar a verdade de tal estimativa. Mas é verdade que a deterioração da vida familiar, a situação de abandono a que são relegadas as crianças e o contexto muito “liberal” da atual cultura consumista, criam um clima onde medra com facilidade o crime. Eu jamais atribuiria ao fato “mãe solteira”, isolado do contexto sócio-cultural, a responsabilidade pelo aumento da criminalidade.

É sabido que crianças, de zero a seis anos, assistidas com alimentação e acompanhamento psicopedagógico de qualidade, poderão ter um desenvolvimento psico-afetivo normal possibilitando-lhes uma inserção social saudável e construtiva, não obstante as condições deterioradas da vida familiar. Se todas as crianças pobres de nosso país tivessem educação de qualidade, desde o nascimento, com certeza a taxa de homicídios cairia vertiginosamente. Em recente congresso sobre educação, realizado em Sorocaba, o psicanalista, Dr. Gaiarsa, insistia na necessidade investir prioritariamente na educação de zero a seis anos. Sem este investimento, o ensino fundamental estará destinado ao fracasso.

A deterioração da vida familiar não é privilégio dos pobres. Estes, quando não chegaram ao limiar da miséria, conservam os valores do matrimônio e da família. Mas, é verdade, o contexto sócio-cultural em que vivemos repercute negativamente sobre a família. O doc. 80 de CNBB assim analisou a situação: “a sexualidade humana, separada do amor e da fecundidade, parece reduzida à produção do prazer, deixando de ser premissa para que um homem e uma mulher entrelacem seus destinos, elaborando um projeto comum de vida, aberto para a procriação e a educação dos filhos, estabelecendo vínculos de comunhão na família”. Ora, todos os dias a TV, a Internet e numerosas revistas propõem, como razão de viver, as emoções e o prazer momentâneos. E todos os adolescentes aprendem que podem fazer sexo quando quiserem desde que evitem as doenças associadas e a gravidez indesejada.

Nesse contexto, ao invés de empenhar-se em esforço permanente de educar para a virtude, a sociedade – o Estado – pretende enveredar pelo caminho mais fácil: um controle da natalidade através de quaisquer meios. À irresponsabilidade do sexo sem amor se reponde com pílulas, inclusive a abortiva, a do dia seguinte, camisinhas, laqueaduras, vasectomias e, em última instância com o aborto. Educação sexual fica reduzida a informações sobre a biologia do sexo e sobre as formas de fazer “sexo seguro”. As escolas serão postos de distribuição de pílulas e de camisinhas. A propaganda consumista continuará a explorar o sexo para vender mais. As empresas produtoras de anticoncepcionais venderão ao Estado, em grande escala, seus produtos e auferirão espantosos lucros. E nossas crianças, adolescentes e jovens aprenderão como viver irresponsavelmente, sem riscos.

Não faz muito tempo escrevi nesta coluna: “Já houve quem acusasse a Igreja de irresponsabilidade por se opor a essa forma de combater a AIDS e de prevenir a gravidez precoce. Ora, a posição da Igreja reflete a proposta de vida que desde sempre ela ofereceu e continua a oferecer à juventude. Essa proposta concorda plenamente com a dignidade da pessoa humana e se assenta em uma antropologia que entende a realização da pessoa humana – sua felicidade – como um processo de integração de todos os seus dinamismos no horizonte do bem, vale dizer do amor.” Se toda a sociedade, capitaneada pelo Estado, se empenhasse em educar para a virtude – usando todos os recursos gastos com a proteção à devassidão – dando prioridade à ética, como a entendia o pagão Aristóteles, não precisaríamos nunca mais sofrer a humilhação de nossa dignidade humana, ouvindo ou lendo que a prática liberada do aborto ajuda a combater a criminalidade. Que horror!

Dom Eduardo Benes
Arcebispo da arquidiocese de Sorocaba (SP)


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