Formação

Quadrilhas e fogueiras – Dom Pedro José Conti

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Todo ano é o mesmo: coroinha pedindo emprestada uma das batinas da sacristia para o casamento na roça. A turma o encarrega de pedir, porque ele tem mais familiaridade com o padre. Sabe onde pegar e onde colocar de volta. De batina preta, preferencialmente, o nosso acólito faz o maior sucesso. É o arraial de São João. Entre uma quadrilha e outra; entre um mingau e uma canjica, um casório cabe bem. Em todo lugar é assim. Uma mistura de folclore, alegria, forró e bebedeira.

Tem quadrilha na escola, no bairro, na paróquia. Concurso de Miss Caipira também não pode faltar. O traje deve ser a rigor; mas é fácil, têm bancas nas ruas oferecendo no pague dois, leve três. Tudo por causa das festas juninas. No estresse da vida moderna um pouco de descontração ajuda a agüentar. A condição que não aconteça como àquela pobre mãe que, tendo quatro filhos estudando em quatro colégios diferentes, na terceira quadrilha, a do terceiro filho, não conseguia sequer engolir uma pipoca.

No nosso tempo, Natal virou Papai Noel e, São João, quadrilha. Se antigamente os cristãos transformaram as festas do Sol Nascente no dia para comemorar o nascimento de Jesus, a Luz da Vida que vencia as trevas da morte, hoje está acontecendo o contrário. Não sei se, entre um ensaio e outro, alguém explica quem foi São João e porque o povo gosta tanto dele. Talvez porque já gostava de pular antes de nascer.

Joãozinho se revirou de alegria quando Isabel, a mãe-velha, foi ao encontro de Maria, a mãe-moça, que acabava de chegar. Foi uma festa dos filhos e das mães. Só louvores e alegria, porque grandes são as maravilhas que o Senhor faz! Se dançar serve para sermos mais amigos e irmãos, vale a pena.

Infelizmente, aquele que dançou antes de nascer, perdeu a cabeça por causa da performance de uma dançarina. Pobre São João! A cabeça dele, cortada, chegou em um prato, para estragar a festa. Ainda hoje, se não cuidarmos, nem sempre os bailes acabam numa boa. O álcool e as novas drogas fazem as suas vítimas.

No entanto São João é grande e popular, porque foi humilde. A uma certa altura, entendeu que o Messias e Salvador era um outro: Jesus. Não se omitiu de apontá-lo aos discípulos dele como “o Cordeiro de Deus, aquele que tira os pecados do mundo”.

Ficou fora a fogueira. A lenda popular fala dos fogos que Isabel teria aceso para mostrar o caminho à Maria. O nosso povo, aproveita para queimar o bagulho que ficou guardado durante os dias de chuva. Agora sim, dá para limpar. São João também na sua pregação falou de limpeza com o fogo. Naquele tempo não tinha problema com o aquecimento global do planeta.

Hoje até a fogueira de São João, dizem, deve ser “virtual”, para ser politicamente correta. Está certo, mas também temos que limpar, de alguma forma, a nossa vida. O lixo pode ser reciclado, transformado em energia limpa, mas, e as outras sujeiras? Quando vamos queimá-las antes que sufoquem a nossa vida? Refiro-me a tantos tipos de coisas erradas das quais, todos, acredito, gostaríamos de nos ver livres uma vez por todas. Coisas pessoais e coisas sociais. O fogo que queima o mal se chama amor a Deus e ao próximo. A condição, claro, que não seja, também, virtual.

Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá

Fonte: CNBB


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