Encontramos diariamente pessoas que clamam dia e noite a Deus pedindo por suas intenções e, segundo elas, o Senhor se faz de surdo. Parece ser insensível a tanto sofrimento. Quem, sendo bom, toleraria tanta dor? Aliás, por que tanta dor? O que fiz para merecer o que vivo? Qual o sentido disso tudo? Quem é esse Deus que permite que seus filhos sofram assim?
Jesus conta a parábola da viúva que pede dia e noite a um juiz iníquo que lhe faça justiça diante de um adversário que lhe lesa. O juiz passa bastante tempo sem responder até que, para se ver livre da viúva, lhe concede o que pede há tanto tempo. Jesus termina a parábola dizendo: “Por acaso não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que estão clamando por ele dia e noite? Porventura tardará em socorrê-los? Digo-vos que em breve lhes fará justiça. Mas, quando vier o Filho do Homem, acaso achará fé sobre a terra?” (Lc 18,7-8)
Jesus fala de um juiz iníquo e diz que até ele termina por responder ao pedido do necessitado. E Deus? Seria pior do que esse juiz?
Certa vez tive a oportunidade de estar em missão por alguns dias na cidade de Cartago, na Tunísia. Lá tivemos a oportunidade de visitar um porto onde, há séculos, Santa Mônica, mãe de Santo Agostinho, havia passado a noite chorando pedindo a Deus que não permitisse que seu filho Agostinho embarcasse para a Itália no dia seguinte. Na verdade Agostinho ainda não tinha encontrado o Senhor em sua vida e vivia uma vida dissipada. Mônica temia que, ao partir para a Itália, Agostinho enveredasse por caminhos que o perderiam irremediavelmente. Chorou Mônica a noite toda, de tal forma que Agostinho não teve coragem de despedir-se dela e foi embora sem dizer adeus. Pois bem, meses depois foi em Milão que Santo Agostinho começou seu itinerário de fé e de experiência de Deus. Foi em Milão que pediu o Batismo.
O próprio Agostinho, ao lembrar-se do episódio das lágrimas de sua mãe anos depois, ao escrever suas Confissões, fez a leitura do que se sucedeu: “Deus não respondeu à minha santa mãe na noite de Cartago. Na verdade, Deus não respondeu à oração de uma noite a fim de responder à oração de toda uma vida!” Sim, Deus havia dado a Mônica muito mais do que ela havia ousado pedir-lhe. Ela só queria que seu filho fosse um dia batizado. Agostinho foi batizado, optou pelo sacerdócio e tornou-se bispo! O grande Santo Agostinho tornou-se um dos maiores gênios da história, e um dos maiores santos da história da Igreja. Podia Mônica imaginar isso tudo ao final daquela noite quando Deus aparentemente foi surdo às suas orações?
O que esse fato nos ensina é que para nós hoje é simplesmente impossível compreender os porquês de nossos sofrimentos, o porquê de tanta dor. Mas podemos tomar uma decisão: Acreditar naquele que tem a última palavra. Nossa fé não é um caminho de rosas, é um caminho mistagógico, isto é, envolto em um mistério que nos ultrapassa e envolve nossa história de vida. A única forma de não sucumbirmos diante do mistério da Cruz em nossas vidas é crer. Crer que mesmo que tudo desmorone, a última palavra é a do Senhor. Ele permite que o vinho falte… e transforma água em vinho. Ele permitiu que Lázaro morresse…Ele permitiu que o leproso fosse leproso. Ele permitiu que Maria, sua própria mãe, o visse morrer diante de seus olhos. Mas o leproso foi limpo, o cego foi curado, Lázaro foi reanimado, Jesus Ressuscitou. Diante do cego de nascença, os discípulos perguntaram a Jesus: “Mestre, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? Respondeu Jesus: Nem ele pecou, nem seus pais; mas foi para que se manifeste nele a glória de Deus.”(Jo 9,2-3)
Santo Agostinho cunhou uma expressão que toca um pouco no Mistério de nossa fé. Ele disse que Cristo é “victor quia victima”: vencedor porque vítima. Se Jesus tivesse reagido ao mal que tinha sofrido respondendo ao mal com a violência, destruindo os pecadores que o matavam, estaria usando as mesmas armas do mal, o que só acrescentaria mais mal na história da humanidade. O mal teria crescido, vencido. Mas não foi assim: Ele perdoou e se entregou ao Pai. Então, quando morreu na Cruz por amor, Ele venceu o mal, o ódio que o havia posto lá. Cristo inaugura um novo tipo de vitória: quando padecemos, quando somos derrotados, quando morremos, e vivemos tudo isso unindo-nos espiritualmente ao que Jesus viveu na Cruz, é aí que Deus vence, misteriosamente. Quando perdemos inaugura-se o tempo da vitória. Quando morremos começamos a viver. Quando nos rendemos ao Amor tão misterioso de Deus, algo muda dentro de nós. O mal é destruído e uma profunda paz nasce. A paz de quem sabe que tudo está consumado e que, portanto, entra no tempo novo de uma vida radicalmente nova, bela, linda. Uma vida de amor total. É isso que a fé faz conosco.
A fé vai além da razão, não porque renunciamos à razão, mas porque a razão humana é limitada diante dessas coisas que envolvem a vida humana. É nesse sentido que se aplica a frase: quem crê será salvo. Será salvo do desespero, será salvo da revolta que aniquila, será salvo do vazio existencial, será salvo do pavor diante do sofrimento. Será salvo porque conhecerá o Amor Infinito de Deus , e saberá, no mais íntimo de si “que olho humano nenhum jamais viu, nem mente alguma jamais pôde imaginar o que Deus prepara para aqueles que O amam” (I Co 2,9)
Mas quando o Filho do Homem voltar encontrará fé sobre a terra?