Formação

Que maravilha! Papai não é perfeito!!!

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Dentre as frases mas famosas de nossa infância, você e eu,com certeza, nos lembramos de algo como: “Se você for bonzinho, Papai do Céuvai ficar feliz!”; “Olha só! O anjinho da guarda está chorando! Você foi maucom seu irmãozinho! Que coisa feia!” Este tipo de frase, repetido à exaustãodurante nossa infância, pode ter tido, pelo menos, três efeitos devastadores.

O primeiro é a impressão de que Deus só nos ama se formosperfeitos e se fizermos tudo de forma perfeita. Como sabemos, isto é a maisredonda mentira. O segundo, é a noção de que só seremos amados se formosperfeitos. Isso, infelizmente, é uma tendência de nossa mentalidade egoísta e,portanto, não deixa de tornar-se, na prática, verdadeiro. O terceiro efeito,muito mais sutil que os dois primeiros – e muito mais avassalador do ponto devista do relacionamento familiar e humano – é o de acreditarmos que só é dignodo nosso amor quem é nada mais nada menos que… perfeito!

Cuidado! Não chegue rápido demais à conclusão de que, então,só Deus é digno de amor! Ao ler “perfeito”, leia “como eu quero que a pessoaseja”. Isso, naturalmente, exclui Deus, por três razões: primeiro porque, noamor verdadeiro, aquele que é Deus, toda pessoa é digna de amor. Aquela que nãoé perfeita, no entanto, é digna de um amor todo especial. Segundo, porque se sósei amar quem é como eu quero, isso exclui Deus, que não é como eu quero, mas éinteira e livremente quem Ele é. Terceiro, porque se estou pronto a amar quem écomo eu quero que seja, então Deus também está de fora, pois é a mim mesmo queamo, não ao outro e, portanto, não a Deus.

O amor intolerante, orgulhoso, que exige dos outros aperfeição, não passa de imaturidade espiritual e, portanto, humana. Espiritualporque não entendeu ainda que o amor exige renúncia e vem de mãos dadas com ahumildade e a tolerância, para que possa tudo crer, tudo suportar e tudoesperar, inclusive, o nada esperar, o nada exigir do outro. Este “amor” ouforma de relacionar-se é, ainda, imaturidade humana. É o amor do adolescente,que exige que o outro seja perfeito, seja como ele quer e espera que ele seja.À menor decepção, o outro é riscado do mapa dos seus relacionamentos. Seuscritérios rígidos de julgamento e crítica não deixam passar o menor vestígio doque ele considere imperfeição. Todos têm de ver as coisas como ele, pensar comoele, agir como ele agiria, pensar como ele pensa, querer como ele quer, seguiro seu método infalível, observar suas regras salvadoras. Quem não for umaprojeção da fantasia que faz sobre si mesmo, em sua onipotência orgulhosa e,por conseguinte, cega, não é digno do seu apreço, de sua admiração, do seuassim chamado amor ou amizade.

Os relacionamentos familiares e comunitários tendem arepetir ao infinito este comportamento e mentalidade adolescentes. Irmão, irmã,marido, mulher, pai, mãe, sogro e sogra, cunhados e primos, só são dignos domeu amor, admiração e amizade se forem como quero que sejam. Se forem aencarnação dos meus conceitos e desejos, se preencherem minhas carências deminha própria perfeição, então são dignos de mim, de minha companhia, de minhacamaradagem e amizade. Podem contar comigo. Porém, se não forem o que exijo,espero, fantasio e, egoisticamente, desejo que sejam, então, adeus! Vai omarido para um lado e a mulher para o outro, os irmãos, primos e cunhados semordem e esfolam, pais e filhos desistem uns dos outros, desanimados, idososinadequados são peremptoriamente abandonados.

A maturidade espiritual e humana, aquela autêntica, que vemdo amor, começará a desabrochar quando eu puder dizer: “Ele é diferente de mim.Não pensa como eu penso nem como acho que deveria pensar, não vê o mundo e aspessoas como eu creio que deveria ver, não tem as reações que eu teria ou queacho que ele deveria ter. Que maravilha! Ele não é perfeito! Posso amá-lo!Posso deixar de amar a mim mesmo para amá-lo! Que oportunidade fantástica!Tenho a chance de acolher meu irmão como Jesus o acolhe, como Ele me acolhe:porque sou pecador, porque não ajo sempre como ele agiria, porque não pensosempre como ele pensaria, porque não sou perfeito! Ah! Liberdade dasliberdades! Posso, finalmente, amar! Encontrei, finalmente, motivos para amarmeu irmão: Ele não é perfeito! Ah! Perfeita liberdade que vem tão somente deDeus!”

Ao ler a vida de santos recentes, como Santa Teresinha, comoGiana Beretta Molla, que tanto prezaram a vida de família e os relacionamentosfamiliares, fico a me perguntar em que ponto de nossa história perdemos osentido do verdadeiro amor, aquele que é vivido em primeiro lugar na família.Aquele amor que preza e valoriza o sacrifício, a renúncia discreta e escondida,o exigir de si mesmo e não do outro, o dar espaço para o outro e, para isso,perder seu próprio espaço, o aceitar desaparecer para que o outro apareça eentender que, no amor encontramos toda alegria. Onde foram parar as virtudes? Ondeestá este elo perdido?

Não me sinto capaz de grandes análises. Além disso, não háespaço nem tempo. Sei onde encontrar o elo perdido e como, a partir da família,re-estabelecer ligações eternas. É urgente cavar no Evangelho e na vida dossantos o elo perdido do amor que é paciente e bom, que se alegra com a verdadedo amar, com a justiça do sacrifício, com a descrição do escondimento, oEvangelho aplicado à família! Não somente aos monges, não somente aoscelibatários, mas às famílias. Famílias que vivam e ensinem a viver atolerância, a humildade, o tudo suportar, o nada exigir do outro, a acolhida dodiferente, morrer para que o outro tenha vida. Famílias-escola de virtudes, decaridade, de maturidade, de fortaleza.

Um dia, quem sabe, voltaremos a ouvir frases como: “Shhh! Opapai está dormindo, desliga o teu som!”; “Perdoe a mamãe, ela está preocupadahoje”; “Sei que ele está errado, exatamente por isso precisa do teu perdão. Seestivesse certo, não precisaria, não é verdade?”; “Perdoe, filhinho! Perdão, agente não merece, a gente recisa…”; “Meu bem, precisamos deixar de trabalhartanto para ficar mais com as crianças. Não importa se ganhemos menos. Teremoscomo dar-lhes mais!”; “Que tal a gente congelar este prato para quando oirmãozinho chegar de viagem? Ele é louco por peixe!”; “Tenha paciência, não seise um dia seu pai vai mudar, mas o seu amor por ele pode mudar tudo”.

Neste dia bendito, quem sabe digamos frases como: “O Papaido Céu vai te amar mesmo se você não for bonzinho, mas, por amor a Ele, que talnão bater mais no irmãozinho?”; “O anjinho da guarda viu que você errou e jáestá vindo correndo te ajudar!”; “Não é maravilhoso que seu pai pense diferentede nós? Temos uma oportunidade imperdível de amá-lo e nos abrirmos paraacolhê-lo!”; “Sei que você não gosta de fazer isso, filhinho, mas se você ofizer por amor a Deus e à sua irmãzinha você terá um tesouro no céu. Vocêaceita o desafio do sacrifício?”

A exigência de perfeição do outro, a intolerância para com oimperfeito e o diferente de nós são, sem dúvida, chagas provocadas pelo egoísmoque tem início na família. Geram eternos adolescentes a baterem o pé pelo mundoafora, tristemente frustrados consigo e com os outros, ridiculamente exigentesda perfeição alheia. No livro e curso “Tecendo o Fio de Ouro” dedicamos toda asegunda parte a este fenômeno que é, sem dúvida, um dos males mais sutis dacultura ocidental hodierna. É espantoso verificar como as pessoas reagem muitomais forte e negativamente ao fato de não serem deuses, de não serem perfeitas,que a grandes dores do seu passado. As dores servem de desculpa para suaseventuais imperfeições, mas seus limites, necessidades e fraquezas que,admitidos e acolhidos, levariam à humildade, tolerância e misericórdia, são, namaioria das vezes, rechaçados, pois são vistos como prova de que não são dignosde serem amados. A reação inicial dos que fizeram o curso foi tão forte quefizemos uma segunda edição mais esclarecedora e publicamos um livrohumorístico, “Joaquim e Sua Padiola”, na tentativa de levar a todos aentendermos que quando somos fracos, então é que somos fortes e quandoaceitamos ser fracos, então teremos aberto o caminho para a humildade,tolerância e caridade, para o amor gratuito, fruto de uma libertadora decisãode amar o não amável, o não aceitável, como renúncia livre e amorosa, comoexercício maior de amor a Jesus, nosso Esposo.

Na família – quem diria – esconde-se o segredo do amoresponsal a Jesus oculto e revelado em cada homem imperfeito!

 



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