Formação

Quero mergulhar nas Profundezas

comshalom

Como mergulhar nas profundezas do Espírito de Deus? Como abrir-se à graça da oração profunda que nos é dada como “único caminho” para que o novo de Deus aconteça em nossas vidas (RVS p. 29); a maneira do Senhor “edificar Sua obra de amor em nós” (RVS p.33); a maneira de escutarmos e reconhecermos a voz do Amado em nós (RVS p.33)?

Temos estudado bastante os moldes de oração propostos por Sta. Teresa de Jesus. Há, porém, um pequenino e singelo “ensino” de oração inspirado por Deus e muito de acordo com os moldes de Sta. Teresa, que estudaremos juntos segundo o que o Senhor nos agraciar:

“Quero mergulhar nas profundezas do Espírito de Deus
e descobrir Suas riquezas no meu coração.
É tão lindo, tão simples!
Brisa leve, tão suave, doce Espírito Santo de Deus!
Tão suave, brisa leve, doce Espírito Santo de Deus!”

Quando se lê simplesmente o texto desta música, fica-se espantado como é pequeno, despretencioso, curto e simples. Quando se canta, sabe-se como o Senhor a tem utilizado para mover multidões. As coisas simples têm, de fato, à luz da vocação que expressam, muito a nos ensinar.

I. Quero

Eu quero! Este é o primeiro passo para a vida de oração. Não um primeiro passo que se dá uma vez e não se precisa dar mais. É um passo diário, contínuo, de segundo a segundo. É uma decisão profunda da vontade: “Sim! Digo sim ao convite de Deus que me chamou primeiro e que realiza a oração em mim. Digo sim ao convite de Deus através de minha vocação fundamentada na oração profunda. Digo sim agora, no “tempo compreendido na palavra hoje” (Hb). O meu “quero” é resposta de amor a Deus. Eu quero! “Sim, Pai, não é fácil, mas eu desejo, eu quero, eu vou.” (RVS p.30)

Na verdade, a profundidade de nossa vida de oração está intimamente relacionada com este “quero!” contínuo. Quanto mais a nossa vontade diz “sim” à oração nas suas consolações e desolações, nos momentos de motivação ou de falta de vontade, mais nossa oração tende a aprofundar-se.

Sabemos que, como ensina Sta. Teresa, as consolações são dadas por Deus para nos sustentar nos momentos onde estamos fracos e necessitados. Devemos recebê-las com humildade e gratidão pela “ajuda” de Deus. Do mesmo modo, devemos receber as dificuldades e desolações, pois são estes os grandes prêmios, a grande prova de que estamos seguindo o impulso do “quero” dito por Deus e do “quero” respondido por nós.

O “eu quero!” contínuo dado na vida de oração não pode ser um “quero” romântico, suspirado, fantasioso. Este tipo de “quero” é ainda muito fraquinho, muito inicial, muito centrado em mim mesmo, nas fantasias espirituais que desejo alimentar, no falso alimento que vem de minha imaginação. O “quero romântico e fantasioso caracteriza-se pela busca das consolações, pela imaginação que nos garante sermos já santos e bem caminhados na via da oração. Este quero fantasioso nos mantém na superficialidade da vida de oração, se é que podemos chamá-la assim, pois é como um flutuador que nos mantém à superfície do imenso mar do amor de Deus e nos obriga a ficar à mercê das primeiras e pequeninas ondas que quebram na beira.

A característica deste tipo de “quero” é a instabilidade na vida concreta. Instabilidade no humor, na disposição para servir a Deus, na disposição a servir os irmãos. Outra característica é um certo individualismo, uma tendência a ver os acontecimentos e as atitudes dos irmãos segundo o grau de santidade que julgo ter alcançado. Uma terceira característica são os conflitos interiores que, repentinamente, me tiram a paz ou, ainda, acontecimentos exteriores (através de fatos ou palavras de irmãos) que me tiram a paz da alma.

A superficialidade na vida de oração me deixa, de fato, tão instável quanto uma criança de pouco peso que flutua nas pequenas ondas na beira da praia. Como tudo é visto com relação a ela (que, em sua imaturidade, se considera o referencial de todo aquele mar) tudo a desestabiliza concretamente, muito embora, no “momento” da oração pessoal as coisas pareçam ir “muito bem”. Afinal, sempre há moções, visões, profecias, palavras de sabedoria…
A oração baseada no “eu quero!” profundo, passa a ser oração profunda, que nos faz…

II. Quero mergulhar nas profundezas do Espírito de Deus

Conhecemos bem o que nos ensina a Igreja sobre a esponsabilidade espiritual, sobre a vida de união com o Amado. A Igreja, baseada em seus grandes místicos, santos e doutores, nos ensina que, como dizem as nossas Regras, “O amor ao irmão é uma maneira concreta de mostrarmos o quanto amamos o nosso Amado, amando aqueles a quem tanto Ele ama e por quem Ele deu a sua própria vida. Como não dar a vida por aqueles por quem o Amado a deu?” (p.33).

Certamente iluminadas pelo Espírito, as Regras colocam na mesma ordem dos místicos o caminho do “eu quero” profundo: o arrependimento e o desejo de fazer a vontade de Deus, a contemplação na ação, o desapego e a pobreza (cujo caminho, segundo as Regras é “ser terceiro”) que se expressam concretamente no amor ao irmão, são nada mais que nossa “maneira shalom” de seguir, sempre na oração profunda as vias da vida espiritual: a via purgativa, a iluminativa e a unitiva, na ordem citada nas regras. Estamos unidos ao Amado, somos almas esposas, quando, desapegados de tudo e de nós mesmos, pudermos dizer: amo o meu irmão como o Pai ama Jesus, como Jesus me ama, como Jesus nos ama. Minha vida de oração me impele ao amor. A vivência da caridade fraterna me leva à oração. Meu louvor e adoração vêm da constatação contínua de que Deus me ama e, por isso, ama em mim; de que Deus ama o meu irmão e que, por isso, ama-o por mim. Sou alma esposa do Esposo! Amo com a caridade de Deus!

A única maneira apontada pelos místicos e pela Igreja de se medir a profundidade de nossa vida de oração é medi-la pelo grau de amor ao irmão que sou capaz de viver. Mergulhar nas profundezas do Espírito de Deus é mergulhar no Amor que une a própria Trindade. Se, pela oração, sou chamado pelo próprio Deus a mergulhar nas profundezas do Seu Amor não há como sair deste mergulho profundo senão transformado e “contaminado” por este Amor. E – fundamental! – foi pelo homem que Deus, em Jesus deu a sua vida. “Como não dar a vida por aqueles por quem o Amado deu?”

Quando, de fato, mergulhamos nas profundezas do Espírito de Deus, mergulhamos no Amor que nos invade e que transborda de nós em torrentes poderosas capazes de abalar o mundo, como aconteceu com Francisco, com Teresa, com Teresinha, com Elizabete da Trindade, com Madre Teresa de Calcutá. Sabemos que de fato oramos profundamente quando, de fato, amamos verdadeiramente.

III. E descobrir suas riquezas em meu coração

Ao mergulhar nas profundezas do Espírito de Deus no contínuo “eu quero!” que mantém nossa vontade escrava da Dele, mergulhamos no próprio mistério da inabitação de Deus (Deus habita em mim!) e da correspondência à graça santificante. São novamente quatro movimentos essenciais da alma que ora: 1. a adesão da vontade; 2. o mergulho nas profundezas do Espírito de Amor ; 3. a descoberta da Sua Riqueza (o amor!); 4. a constatação de que Ele e suas riquezas estão disponíveis, pela graça santificante, em meu coração.

Santa Teresa nos fala freqüentemente da ida ao poço, do esforço para pegar água (quando ela é encontrada!) e regar nosso pobre jardim. É o “eu quero”. Fala-nos também do Jardineiro que demonstra o Seu amor por mim ao se revelar neste jardim e providenciar com sua presença nosso demonstra o Seu amor por mim ao se revelar neste jardim e providenciar com sua presença nosso mergulho nas águas vivas do seu Ser. É o longo, rico e profundo mergulho no Espírito. Fala-nos, adiante, como a alma passa a viver como que fora de si e como constata nascerem nela as virtudes que expressam a caridade fraterna. São as riquezas que transbordam do único bem.

É doce, muito doce, a presença do Amado. Porém, nossas mãos devem estar feridas, como as Dele, para recebê-lo, para percebê-lo. Não recebe o Senhor quem tem as mãos molhadas de mirra que lhe escorrem pelos dedos (Cant 5,5). Não encontram o Senhor mãos cheias de fantasias de oração a lhe escorrerem pelos dedos como líquido ralo que nada sustém. São mãos feridas pela renúncia contínua aquelas que encontram as Mãos feridas pela Renúncia Suprema. A riqueza do Espírito que a alma encontra e reconhece em si mesma é a riqueza da renúncia. É, em outras palavras, a pobreza de quem ama sendo o terceiro. Isto é importante: as riquezas do Espírito são as riquezas do amor e a única e verdadeira riqueza do amor é a renúncia de si para a posse do Amado.

Bendita renúncia implícita no amor! Bendita renúncia que nos fere as mãos, que nos deixa a “pele morena” por que temos acampado não em nosso próprio conforto, mas como nômades nas tendas de Cedar. Bendita renúncia que nos leva a “não guardar” nossa “própria vinha”, mas a nos sujeitarmos às queimaduras do sol para guardarmos vinhas de irmãos que “se irritaram contra” nós (cf Cant 1,5-6).

No Batismo, recebemos a graça santificante e participamos da natureza de Deus. “Mergulhar nas profundezas do Espírito de Deus e descobrir Suas riquezas em nosso coração” é nos deixarmos contaminar mais e mais por esta graça que leva à santidade pelo amor concreto aos irmãos. Orar nas profundezas do Espírito de Deus é encher-se do Amor da Trindade para viver Nele e Dele de maneira concreta, cheia da alegria da renúncia. Oro para amar! Oro para amar! Oro para amar!
Se eu não quero amar, para que oro? Se continuo a orar todos os dias mas não cresço no amor a Deus e ao meu irmão, a quem oro? Em quais “profundezas” mergulho? De quem são as “riquezas” que descubro?

Sim! Oro por amor e porque quero amar! Oro para amar, para nada mais! A grande e única ação da graça santificante em uma alma é levá-la a amar. Mergulhar nas profundezas do Espírito e descobrir as Suas riquezas em meu coração é, essencialmente, descobrir esta verdade que tem norteado a vida de santos de todos os séculos.

Ao mergulhar nas profundezas do Espírito de Deus tomo consciência da minha participação na natureza do próprio Deus. Assim, participarei da natureza divina com a medida que Sua Misericórdia me deu participar à medida em que, pela oração, minha vontade vai dizendo sim à Sua vontade e “a vontade do Pai é esta: que vos ameis uns aos outros”; “O que vos mando é que vos ameis uns aos outros” (Jo 15, 17).

S. Tomás de Aquino afirma sobre a natureza de Deus: “Deus é amor em Ato” (Suma Teol.). No mergulho da oração profunda, na consciência de participar de Sua natureza não com um pequeno pedacinho que me permite minha acomodação, mas na plenitude do quinhão que Ele me reservou, descubro que participar da natureza do Amor não pode ser outra coisa senão amar, amar, amar. Deus, a plenitude de todo o bem, é o próprio amor em ato. Eu, em minha miséria, posso apenas praticar atos de amor. Deus, plenitude do Amor, fez, em Jesus, a plenitude da Renúncia. Eu, nada que sou, posso apenas fazer, por amor a Jesus, atos contínuos de renúncia que me assemelhem mais Àquele cuja natureza me foi comunicada por pura misericórdia.

Mergulhar nas profundezas do Espírito de Deus é mergulhar no Amor, que é a própria natureza de Deus. Descobrir as riquezas do Espírito em meu coração é viver em plenitude a graça santificante e a participação da natureza divina pela renúncia de amor.

IV. É tão lindo! Tão simples!

Neste ponto, Elizabete da Trindade fale por nós:

Bendito seja Teu amor,
Pai, Filho e Espírito Santo
Na adoração nós nos damos a Ti

Lembra-te que tua alma é um templo de Deus.
Em todo instante do dia e da noite
As três pessoas divinas habitam em ti
Lembra-te que tu estás com Ele
Como se está com alguém que se ama.
É tão simples!
Não há necessidade de belos pensamentos,
mas de uma inclinação do coração.

A adoração é uma palavra celeste
É o êxtase do amor
É o amor esmagado pela bondade
Daquela que me ama
E que cai em silêncio pleno e profundo

É preciso ser simples com o Bom Deus
Ele está em mim e eu Nele
Nada tenho a fazer senão amá-lo
Senão deixar-me amar
E isso durante todo o tempo
E através de todas as coisas
Levantar-se no amor,
Mover-se no amor,
Dormir no amor.
A alma na Sua Alma,
O coração no Seu Coração,
Os olhos nos Seus Olhos,
A fim de que, pelo contato com Ele
Ele me purifique,
Ele me livre de minha miséria.

É, de fato, tão lindo, tão simples! Não há como falhar o mergulho simples nas profundezas de Deus. É mergulho no amor e para o amor, como nossa vocação é “no amor e para o amor” (RV). Como poderia ser Deus incoerente? Tendo uma vocação fundamentada na oração ela não poderia senão ser fundamentada no amor e para o amor. É este o resumo da vida de oração.

V. Brisa leve, tão suave, doce Espírito de Deus!

Naturalmente, fala-se aqui de Elias. O profeta que sabia estar próxima a visita de Deus. Profeta refugiado em lugar solitário para este encontro tão vital, porque “estava devorado de zelo pelo Senhor” ( IRs 19). Passaram “o vento impetuoso e violento, que fendia as montanhas e quebrava o rochedo”, o tremor de terra, o fogo. Porém, neles não estava o Senhor. Aquele Senhor que se manifestara como fogo devorador sobre o sacrifício ofertado pelo mesmo Elias, que fizera tremer os profetas de Baal impressionando-os com seu poder, queria manifestar-se agora a Elias com “o murmúrio de uma brisa ligeira”. Brisa muito suave e quase imperceptível, mas profundamente poderosa no íntimo da alma do profeta amedrontado e ferido. Nas profundezas de sua alma, o profeta reconhece a presença de Deus e sai do seu refúgio, deixando-se consolar para, logo depois, ouvir: “Retoma o caminho”!

“A voz do Amado é reconhecida pela alma que O busca e tem intimidade com Ele na oração” (RVS, 34). Esta voz, manifestada no dia-a-dia mais na brisa leve que no trovão, tem a simplicidade e suavidade dos que são pequeninos, dos que não buscam grandes coisas para si, dos que não se elevam. Estes, por se saberem dignos de menos que nada, podem ouvir nítida esta voz suave, identificá-la e responder a ela com a própria vida, obedecendo quando ela diz: “Retorna! Vai agora amar teu irmão. Eu estou nele.”

Os que buscam o retumbar das grandes “consolações, do reconhecimento de si mesmos, do próprio engrandecimento, operam em decibéis mais elevados. Não ouvirão o murmúrio lindo e simples da brisa leve e suave. Permanecerão enganados em busca de si mesmos, incapazes de renunciar e amar, pois só ama quem deixou Deus fazer-lhe pequeno, quem tem as mãos feridas de cavar e a pele queimada de se expor pelo irmão. Este, ora para amar. Ele, verdadeiramente, mergulha nas profundezas da natureza de Deus!

Ele colocou em meu coração uma tão grande sede de infinito,
Uma tão grande necessidade de amar
Que somente Ele poderá saciar-me.
Vou então em busca Dele,
Como uma pequena criança busca sua mãe,
Para que Ele me invada e me cumule de amor
Para que Ele me tome e me leve em seus braços
É preciso ser tão simples com o Bom Deus!”
(E. da Trindade)

É preciso ser tão simples com o Bom Deus!
É preciso amar, orar para amar, orar para amar!


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