Uma privação
A castidade costuma ser definida como algo negativo. É a qualidade daquele que se abstém de relações sexuais antes ou fora do casamento. É a virtude dos que evitam olhares libidinosos, dos que rejeitam os divertimentos mundanos, dos que se privam de seguir as modas licenciosas. É também a virtude daqueles que renunciam ao casamento “por causa do Reino dos Céus” (Mt 19,12) a fim de servirem a Deus com o coração indiviso (1Cor 7,32-34).
Abstenção, renúncia, privação. Tais palavras indicam uma lacuna, uma falta, um vazio. Não é errado usá-las para definir a castidade. Mas não se pode parar nelas. Pois, que sentido tem exaltar um vazio? Elogiar uma privação? Glorificar uma falta? Não seria mais sensato preencher o vazio? Satisfazer à privação? Suprir a falta?
Ao falar da castidade como algo que se deixa de fazer, como algo de que se abstém, como algo a que se renuncia, é preciso acrescentar o motivo de tal não-fazer, de tal abstenção, de tal renúncia. É preciso ainda, além dos motivos, falar dos frutos de tal atitude. Em suma: é preciso falar do que a castidade tem de positivo, nos seus motivos e nos seus efeitos.
De outro modo, a castidade se apresentaria como uma atitude louca, uma espécie de neurose, sem explicação lógica, mas puramente psicológica: um mecanismo de fuga, uma frustração, como costumam dizer os psicanalistas.
Nem toda privação é má
A falta de olhos em um homem é digna de elogios? Um poeta exaltaria a falta de uma perna consumida por uma gangrena? Alguém louvaria a falta de comida no estômago ou a ausência de cordas vocais em uma garganta? A privação, por si só, não parece ser atraente.
No entanto, a filosofia ensina-nos que nem toda privação é má. Má é a ausência de uma perfeição devida. Assim, é mau que um homem não tenha olhos, uma vez que os olhos são devidos à natureza humana. Mas não pode ser chamada de “má” a ausência de olhos na pedra, uma vez que a pedra, por sua natureza inerte e inanimada, não requer a presença de olhos. Tal perfeição, por não ser devida à pedra, pode estar ausente sem que isso constitua um mal.
Privação de algo indevido
Assim, a castidade, embora signifique privação, não é um mal. O casto não se priva de algo devido. Priva-se de algo indevido.
Alguém aqui poderia replicar: não é devido à natureza humana que o homem e a mulher se sintam atraídos? A atração entre os sexos não é algo natural, que a castidade repele de modo artificial? Não seria um mal que os jovens reprimam suas inclinações naturais, abstendo-se de relações sexuais e, mais ainda, de tudo quanto possa causar o desejo delas?
A resposta é simples. A natureza humana não é apenas corpórea, mas também espiritual. Se é natural ao homem o instinto que o leva a alimentar-se, a fugir dos perigos, a aproximar-se de alguém do outro sexo, também é natural que tais instintos sejam regulados pela razão. Pertence à natureza do homem não se transformar em joguete de seus instintos, mas controlá-los racionalmente. Esse controle implica privação. Mas privação de algo indevido.
O motorista, ao controlar um automóvel, contraria a tendência natural do veículo de seguir em direção ao abismo, o que ocorreria se ele não girasse o volante. A mudança de trajetória, contrariando a tendência dos corpos de conservarem a direção de seu movimento, implica uma privação. Mas não se trata de uma privação de algo devido. Tal privação não é má. Ao contrário, ela é um bem. Pois, ao se privar de andar em linha reta em direção ao abismo, o automóvel segue a estrada e é capaz de chegar ileso ao destino desejado pelo condutor.
O casto, ao privar-se da relação sexual antes do matrimônio, está privando-se de algo indevido. Com efeito, se ele é solteiro, o corpo alheio ainda não lhe pertence. Unir-se a esse corpo seria uma usurpação, uma falta contra a justiça. O casado que, fiel ao compromisso conjugal, rejeita unir-se ao corpo de um terceiro, que não é seu cônjuge, está rejeitando algo indevido. Desse modo, a castidade, longe de ser um mal, é um bem: ela preserva o namoro, prepara o matrimônio, solidifica a família, enobrece o ser humano.
Sem desprezo pela sexualidade
Castidade não significa, nem pode significar menosprezo pelo matrimônio ou pela união física entre os cônjuges. Justamente por dar um grande valor a essas coisas, o casto não admite que o instinto sexual aja nelas cegamente, sem ser controlado pela razão.
Não é apenas o instinto sexual que precisa ser controlado. Também o instinto alimentar, que existe para assegurar nossa sobrevivência, precisa de um controle. Embora o homem sinta fome, sabe que deve esperar a hora da refeição para comer. Sabe que não pode apoderar-se de uma comida que não é dele, por mais apetitosa que seja. E sabe que deve comportar-se com boas maneiras estando à mesa. A virtude que regula o comer e o beber chama-se sobriedade. A sobriedade, no entanto, embora digna de admiração, não costuma despertar o fascínio e o encanto que desperta a castidade.
Por quê?
Uma e outra não são partes da temperança?
Uma e outra não são virtudes que regulam instintos relacionados com a vida humana: o instinto alimentar (sobriedade) e o instinto reprodutor (castidade)?
O que o casto tem de especial em relação ao sóbrio, que guarda moderação no comer e no beber?
Por que apenas a castidade – e não a sobriedade – costuma ser objeto de escárnio para o mundo?
Por que aquele que se abstém de bebidas alcoólicas e come moderadamente não recebe, nem de longe, a zombaria que costuma receber o que valoriza a virgindade e a fidelidade conjugal?
Fonte: www.providaanapolis.org.br