Maria do Carmo Gurgel Fonseca Dias*
As grandes mudanças que ocorrem na sociedade hoje, por vezes desconcertam as famílias. Assim, vemos o ser humano ameaçado pelas drásticas fugas de si mesmo e do sentido de vida para o qual foi criado. Inventos e descobertas no campo do prazer e das fantasias, muitas vezes absurdas, são divulgadas e incentivadas por meios de comunicação, principalmente a TV, o cinema e a internet. A conseqüência direta disto é que valores positivos e essenciais são derrubados. Numa relação recíproca de causa e efeito, sociedade humana e família se deixam contaminar e corroer por tantos agentes destruidores da vida e da paz.
A mulher – sensível e bem mais emoção que o homem –, assimila espontaneamente essas violentas transformações. E a mulher mãe, termômetro da estabilidade familiar, oscila, vacila e adoece.
A relação entre gerações tornou-se freqüentemente caótica. Vemos, quase de uma forma geral, mãe e filha disputando confusa e desesperançadamente seus lugares no mundo intra e extra familiar.
Esta disputa entre mulher mãe e mulher filha é poderosíssima por sua grande força de sensibilidade e percepção. Neste poder, o inimaginável pode se tornar realidade tanto para um grande bem quanto para um grande mal.
Neste movimento intra familiar, no que diz respeito à relação pais e filhos, muito pode ser lido com base em teorias freudianas, humanistas, comportamentais e outras tantas abordagens. O maior abalo, porém, foi, sem dúvida, a grande revolução da vida-mulher, que estremeceu as bases da relação familiar, especialmente, entre mãe e filha. Elas iniciam suas histórias nestes papéis com muita intimidade e ternura: são quase uma só pessoa. Porém, o desenvolvimento (acelerado pela realidade atual e inevitável) vai distanciando necessariamente uma da outra e, à medida que a filha cresce, deixa de existir a profunda interação que havia entre as duas. Para que um crescimento saudável aconteça, todas essas mudanças tornam-se necessárias.
No início da vida, a mãe é totalmente responsável pela filha, e precisa sabiamente transferir-lhe, de forma gradativa, esta responsabilidade. Isto requer muita coragem, pois muitas perdas vão surgindo. A unidade encontrada no instinto materno dá lugar à diversidade e só com muito amor e vivências de esforço mútuo voltará a acontecer. Mas aí, não mais instintivamente e sim uma unidade para a liberdade de escolha, para se fazer uma com a outra na compreensão recíproca de suas vidas tão diferentes e insubstituíveis.
Na pré-adolescência, a mãe já se desconcerta e precisa se instruir, sendo humilde, para perder seu anterior modo de exercer sua maternidade e acolher uma nova maneira de ser a mãe desta menina que começa a questionar, a descobrir, a formar seus próprios conceitos.
Os limites, porém, não podem deixar de existir. Este ser que logo então adolesce precisa experimentar, aos poucos, sua auto-estima, assumindo seu processo de vida, mas, ao mesmo tempo, precisa saber que seus treinos têm um ninho (a família) onde se aconchega após assombrar-se ou maravilhar-se com seus principiantes vôos cada vez menos razantes. Deixando, então, a filha aprender a voar não perdendo de vista a arte de protegê-la sem castrar.
Muitos sentimentos permeiam o ser materno que presencia a grande mudança, transformando a menina em mulher. Pulsam no coração desta mãe, que se encontra com as mais embaralhadas emoções, os mais assustadores desafios: medo, aventura, surpresa, firmeza, respeito, coragem, recomeço.
O medo que a filha não faça opções adequadas ao seu melhor projeto de vida faz com que a maioria das mães se coloquem nessa relação com angústia, e isso as leva a interagir com extremismo que, ou afasta de si a filha e perde total influência sobre ela, ou superprotege, mantendo-a sob uma dependência que castra as grandes possibilidades de construção de sua própria história.
Para que as mães não caiam nesses dois extremos, devem buscar de todas as formas orientação através de leituras afins, profissionais ou de cursos para educadores, bem como abrir-se à graça, pois o Espírito, que é o educador por excelência, pode realizar maravilhas nesse aspecto.
Aí, então, a relação mãe e filha deixa de ser uma ameaça para ambas, passando a constituir um enriquecedor desafio no qual as duas crescem, se fortalecem e se capacitam para aos poucos se “afastarem”. Este necessário distanciamento é o espaço fecundo para perceber o sentido singular que é propriedade individual dado a elas pelo Criador antes mesmo que fossem geradas no ventre materno. A filha, na convivência difícil (porque assim é o atual momento e há diferenças de gerações), cresce perdoando, amando, compreendendo, empatizando com a mãe, preparando-se para singrar novos ares.
Mas “a vida solicita e capacita” – diz Vicktor Frankl – e as duas mulheres, a mãe e a filha, vão se descobrindo: brigam, se afastam, se perdoam, se aproximam, crescem e se preparam: a mãe, para deixar partir, e a filha, para “crescer e multiplicar”.
A mãe, mais madura, sai deste desafio com a sensação de perda e de morte nesta relação tão rica porque, ao voar, a filha deixou seu ninho vazio. Mas se a mãe for atenta e fiel a cada instante, redescobrirá o grande sentido para o qual foi chamada pelo Criador.
Isto parece muito utópico, teórico, alienado, mas pode e deve se tornar real para socorrer e remediar urgentemente a dor atual da humanidade. Acreditando que todo caos promete o cosmos, façamos, a cada esforço extremo e único, o novo homem aparecer na alvorada de uma indispensável nova humanidade. Humanidade esta resgatada, unicamente, se fizermos o Amor acontecer.
*Dra. Maria do Carmo é psicóloga clínica
Fonte: Revista Shalom Maná