“O Senhor Deus me deu língua de discípulo, para que eu saiba confortar o abatido com uma palavra de alento. Cada manhã ele desperta meu ouvido, para prestar atenção como um discípulo. O Senhor Deus me abriu o ouvido, e eu não me mostrei rebelde nem recuei” (Is 50,4-5).
As pessoas podem falar com você sobre assuntos de natureza mais íntima, pessoal? Você já ajudou alguém simplesmente ouvindo-o com atenção, de modo que se sentisse acolhido em um momento difícil? Ou quando se dispõe a ajudar alguém você se preocupa mais em falar e aconselhar do que em se fazer “todo ouvidos” para o outro?
Além de ser uma atitude inteligente e bem educada, ouvir é um grande ato de caridade que podemos fazer a alguém. Além disso, quando oferecemos nossos ouvidos a um irmão, acabamos sendo imensamente beneficiados com o dom único que é a manifestação do outro para nós. Talvez esta seja uma das razões pelas quais encontramos no livro do Eclesiástico este valioso conselho: “Aprende antes de falar” (Ecle 18,19).
Infelizmente, nem sempre somos “bons ouvintes”, preocupados que estamos com tantas coisas. Algumas vezes nos dispomos a ouvir por razões egocêntricas, como o desejo de obter informações que nos sejam úteis; a curiosidade em receber uma resposta que esperamos; a intenção de “não ficar por fora”; para manter o controle das situações; para adquirir o suposto “direito” de ter a última palavra ou contrapor o outro como numa competição…
Para ouvir bem é necessário um aprendizado, um exercício da nossa humanidade, às vezes até de uma reeducação de nosso temperamento e de nossos hábitos e, dizendo mais fortemente, entrar em luta contra o egoísmo.
Saber ouvir requer primeiramente dar tempo e espaço aos outros na nossa vida. Se fôssemos devidamente informados das limitações físicas que como seres humanos sofremos em reter aquilo que ouvimos, certamente não nos disporíamos a ouvir alguém num lugar movimentado e cheio de barulho, ou numa mesa cheia de papéis, um telefone tocando a todo instante, e pessoas que entram e saem diante de nós requisitando-nos.
Também não nos disporíamos a ouvir alguém ao mesmo tempo em que permanecemos com o pensamento distante, preocupados com nossos problemas ou com o que temos a fazer em seguida. No momento em que não podemos fazer uma saída honesta de nós mesmos, de nossas idéias, de nossos pensamentos e interesses para nos colocar à disposição do outro, talvez seja melhor não nos dispormos a ouvi-lo. Pois muitas vezes, o outro não necessita de conselhos nem quer que tentemos “resolver” sua vida; pelo simples fato de falar e saber que é ouvido e acolhido, vai compreendendo melhor sua situação e clareando sua realidade, percebendo assim o que deve fazer. Mas precisa e quer ser ouvido.
Devido à nossa falta de atenção aos que ouvimos e ao que ouvimos, compreendemos parcialmente os outros, e muitas vezes distorcemos o que dizem, gerando desentendimentos, às vezes, de graves conseqüências. Por isso, além da disposição física, saber ouvir requer também a disposição psicológica de sair de nossos preconceitos, opiniões e julgamentos acerca de quem fala, do que fala e de como fala.
Às vezes estamos tão fechados à manifestação do outro que temos a pretensão de arriscar advinhar o que ele vai nos dizer. Entretanto, é preciso acreditarmos que o outro sempre pode trazer algo completamente novo e inesperado.
Além disso, é preciso certa dose de atenção para não inibirmos, interrompermos, desqualificarmos ou distorcermos as comunicações que nos são feitas. Também não podemos nos tornar impacientes, desejando que o outro termine seu discurso o mais rápido possível, às vezes até expressando isso verbalmente, pedindo que seja mais objetivo.
Cada pessoa tem uma forma única de falar, de se manifestar no mundo, e essas diferenças não constituem uma ameaça para a identidade de ninguém, mas são geradoras de enriquecimento mútuo. Há pessoas que se manifestam com pouquíssimas palavras, enquanto outras costumam expressar-se com grande riqueza de detalhes. Há pessoas que se expressam mais através de comparações; umas exageram, outras minimizam; umas preparam delicadamente seu discurso para serem melhor compreendidas, outras já começam com frases fortes, de efeito, às vezes até bem agressivas.
Portanto, saber ouvir requer “sair de si” sem medo de perder-se no outro, abrir nossa humanidade para a grande graça de entrar num terreno precioso que é a vida do irmão, e acolhê-lo sem perder a própria identidade e singularidade.
O mundo carece de bons ouvintes e de diálogos verdadeiros, nos quais cada parte seja capaz de ouvir o outro e expressar-se livre e respeitosamente, sem fazer disto uma guerra de opiniões. Quem sabe ouvir mantém a mente aberta e interessada para somar aquilo que ouve àquilo que sabe, envolve-se pessoalmente com o que escuta a ponto de chegar à essência das coisas. Quem sabe ouvir concentra-se em quem fala e naquilo que expressa não somente com a voz, porque está consciente de que não existem duas pessoas iguais no mundo e que cada ser humano é uma grande riqueza, um grande dom.
Quem sabe ouvir compreende que este não é um ato passivo nem enfadonho, por isso participa da colocação do outro fazendo perguntas oportunas, pedindo exemplos, indagando sobre os sentimentos do outro e externando o que compreendeu para que o outro tenha condições de corrigir o que ficou mal compreendido. Quem sabe ouvir acaba aprendendo a falar a palavra certa no momento certo para a pessoa certa, e confirma o conselho bíblico que vimos no início deste artigo: “antes de falar, aprende” (Eclo 18,19).
Ana Carla Bessa
Consagrada na Comunidade de Aliança Shalom