Salvação para todos
Na realidade de múltiplas propostas religiosas e de todos os setores de atividades humanas, muitas vezes nos deparamos com a dificuldade de escolha. Nem sempre o mais atrativo sensorialmente se torna de mais valia para a pessoa fazer opção. Até no aspecto puramente religioso isso acontece. Aparecem as opções agnóstica, ateísta e até de fé sem religião por diversos motivos. Jesus lembra que a verdade nos libertará. A posição absolutizadora da ciência, que exclui a religião e a fé sobrenatural como caminhos de verdade e de sentido de vida, não poderia descartar a verdade. Esta não se fecha nem se restringe à constatação de um valor com os instrumentos puramente racionais e experimentáveis. A verdade é muito mais abrangente do que a ciência. Deus não se limita ao enquadramento da ciência, que é tipicamente humana e, portanto, limitada.
Os dados da fé e da revelação sobrenatural também não se limitam pelo puramente emocional ou vantajoso em relação às conveniências humanas transitórias. A pura cura física, psíquica, moral ou espiritual está aquém da plena realização humana. Muitos, de fato, seguiam a Jesus por interesse nessas dimensões. Ele foi muito além. Demonstrou a necessidade de até se perder algo bom, mas transitório, para uma opção fundamental de realização plena da pessoa com Deus aqui e na eternidade. Não fosse em vista do Reino definitivo, ou no eterno com o Criador, o ser humano se desesperaria, mesmo com toda a ciência plenamente desenvolvida. Aliás, não é possível ao humano eternizar sua vida feliz na terra. A ciência não faz isso, embora seja muito importante para ajudar o ser humano.
A fé sobrenatural, que leva a pessoa humana a reconhecer e aceitar Deus como o Amor absoluto e a razão de ser de todo o existente, pautando a própria vida por suas coordenadas, não é fruto de pura vontade humana. É dom do Criador. Mas precisa ser cultivada com humildade e desenvolvimento dos próprios carismas ou pendores, colocando-os a serviço do semelhante. Corresponde-se, assim, ao desejo de Deus, com a promoção do bem e da justiça para todos. O progresso humano deve beneficiar a todos e não só a minorias privilegiadas.
Quem tem fé se une aos seus pares, em suas religiões seguidas com reta intenção, sendo "luz das nações, para que minha salvação chegue até os confins da terra" (Is 49, 6). Nossas comunidades e pessoas religiosas são chamadas a viver na própria identidade, mas com abertura aos valores das outras, para ajudarem a implantar mais justiça e fraternidade no convívio humano. As pessoas não religiosas têm seus próprios dons a serem também desenvolvidos para servirem à causa humana. Um grande desserviço seria um querer destruir os valores dos outros. Dessa forma, as pessoas se tornam desumanas, mesmo com o título de religiosas ou não.
A base de sustentação da revelação de Deus aceita pela fé é percebida pelo profundamente humano que ela propõe. Nesse sentido, devemos unir forças para que o humano seja respeitado em sua vida e dignidade. A verdade nos leva a perceber que somos seres contingentes ou limitados, relacionados com quem nos deu a existência e nos convida a realizarmos plenamente o potencial por ele oferecido. Somente nos realizamos com a relação de total sintonia com ele.
Dom José Alberto Moura
Arcebispo de Montes Claros (MG) e presidente da Comissão Episcopal para o Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso da CNBB
Fonte:Site CNBB