O dia dos Finados e a solenidade de Todos os Santos nos permitem fazer algumas reflexões. Uma sobre a precariedade da vida humana e as suas limitações e a outra sobre o próprio sentido dos dias que passamos, tão de pressa, neste mundo.
Falar sobre a morte é sempre difícil; preferimos deixar para outra hora, mas não depende de nós. Quando menos esperamos, a doença, o pavor da morte e o próprio fim desta vida nos alcançam. Ficamos acuados, a sós com a realidade pessoal, ou de alguém que amamos e que está muito perto de nós. Não dá mais para evitar o assunto. Para quem vive deprimido, pensar na morte é perigoso, mas para quem vive correndo, atarefado, sem parar, é uma reflexão salutar.
Talvez nos ocupamos tanto para não ter que pensar, ou acreditamos que, não pensando na morte, ela passará sempre longe de nós. Ilusão! O certo é nos prepararmos vivendo da melhor maneira possível esta vida, justamente como um presente que recebemos, um compromisso, um caminho a percorrer. Precisamos dar sentido à nossa existência; tomar nas mãos o que podemos dos nossos dias e usá-lo bem.
Alguns entendem que isso significa aproveitar todas as chances que a vida oferece para se divertir, enriquecer, aparecer. A vida deve ser curtida. Outros escolhem um projeto, um ideal pessoal e se esforçam para alcançá-lo. Ficam satisfeitos com isso. Outros, enfim, conseguem olhar além desta vida, além da matéria e da morte, e gastam a própria vida em nome de uma fé. Decidem usar as suas capacidades para fazer o bem. Não quer dizer que tenham uma vida fácil e divertida; pelo contrário, pode ser que sofram mais por causa do bem e da justiça que buscam, mas não significa que sejam infelizes. Apenas na escolha entre os tesouros a serem acumulados neste mundo e os tesouros do céu, preferiram os de cima, confiando mais em Deus do que nas promessas e nos sucessos humanos.
É por isso que os santos e as santas não são patrimônios só dos devotos, dos que fazem promessas e dos peregrinos. São riqueza para toda a humanidade. E não falo somente dos santos e as santas famosos, aos quais os fiéis endereçam as suas orações e que são exemplos de virtude para todos. Falo de muitos santos e santas, verdadeiros tesouros para todos os que os encontram. Os santos e as santas de todos os dias que fazem este mundo melhor.
São os humildes, os simples, os mansos e os puros de coração. São os que choram os que têm fome e sede de justiça e os que são perseguidos por causa do Reino de Deus. Eles estão em todo lugar, agüentam calados, até esquecidos e desprezados. Podem estar na sua casa, no olhar de uma criança que pede carinho, ou na paciência de um doente ou de um idoso. Pode ser o seu marido, a sua esposa, o seu filho que reza no silêncio do seu quarto. Podem ser a sua mãe ou o seu pai que se cansaram de implorar para que mude de vida. No entanto só se calaram, nunca vão desistir de amá-lo ou amá-la.
Pode ser o colega de trabalho que nos faz um favor e que todos chamam de burro, porque nunca se recusa a ajudar. Essa santidade não depende da beleza, da idade, da roupa, depende do coração de quem ama sem interesse, só pela alegria de fazer o outro sorrir.
Quem serão os santos e as santas que caminham ao nosso lado? Nem sempre prestamos atenção suficiente na generosidade dos outros. Não enxergamos mais o brilho da bondade.
Nós também podemos ser “santos” para aqueles que encontramos todos os dias e todas as horas. O tesouro do bem ficaria cada vez maior e mais precioso e, com certeza, teríamos, todos, menos medo de morrer, porque teríamos amado de verdade.
Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá (AP)