Uma rápida pesquisa biográfica sobre Karol Józef Wojtyla nos permite perceber que sua vida, desde o primeiro instante, com o nascimento, em 1920, até seu último momento, em 2005, como Papa João Paulo II, de algum modo foi uma verdadeira escola de aprendizagem e ensino do amor humano no plano divino; tratava-se de um ardente amor pelo mistério do ser humano em diálogo com o mistério de Deus. Muitos autores já se dedicaram a escrever sobre ele, sobretudo após a sua eleição, quando as recordações e muitos testemunhos ainda estavam vivos, ou após a sua morte. Ele mesmo deixou um “testemunho” de sua caminhada, sua experiência de vida e de Igreja e sua visão de ser humano e de mundo. Ao menos quatro importantes obras autobiográficas permitem ao leitor conhecer um pouco mais da vida e do pensamento filosófico e teológico, que fundamentam seus escritos e posicionamentos como Sumo Pontífice[1]. E apesar de tantos escritos, Karol Wojtyla é considerado, por muitos, uma personagem rica a se descobrir. O postulador da causa de sua canonização, Mons. Slawomir Oder, numa entrevista concedida à Zenit, em 2014, nos recordou que o próprio João Paulo II nos sugeriu qual era a chave para o conhecermos: “Muitos tentam me conhecer olhando de fora, mas eu só posso ser conhecido de dentro, do coração”[2].
O contexto vital do pontificado de São João Paulo II é, sem dúvida, um entrelaçamento da sua história pessoal e da história da humanidade, histórias que sempre trazem no seu bojo um acúmulo de experiência, quer sejam elas felizes ou tristes. Cabe, por isso, destacar alguns momentos marcantes de sua vida, a fim de encontrar neles o substrato do seu pontificado, que influenciou o seu contexto e foi influenciado por ele. Mas, por outro lado, aqui vai um aceno importante para as suas reflexões, que embasavam seus posicionamentos e a condução da vida da Igreja em uma época de mudanças ou mudança de época, haja vista que sua vida e pontificado se situam na passagem do segundo para o terceiro milênio. A Carta Encíclica “programática” do seu pontificado, Redemptor hominis, de 4 de março de 1979, descreve o que está no centro de suas reflexões e conduta, da sua teoria e prática: Jesus Cristo, o Redentor do homem! Por isso, o ser humano é apontado por ele como aquele que “não pode viver sem amor. […] E por isto precisamente Cristo Redentor, revela plenamente o homem ao próprio homem” (n. 10).
Sob este horizonte, na presente reflexão, optou-se por dar uma ênfase particular à abordagem de São João Paulo II do amor humano em contexto de relações familiares, sem pretender deixar na sombra toda a contribuição da visão e orientação eclesial de São João Paulo II no que concerne ao amor humano no campo da doutrina social da Igreja, que traz posicionamentos importantes para o contexto vital do santo Papa. As reflexões que seguem são fruto, por um lado, de parte do resultado de pesquisa de mestrado do Ms. Jerônimo Lauricio de Souza Oliveira e, por outro, das reflexões e aprofundamentos sobre a vida e obra de São João Paulo do Prof. Dr. Pe Rafael Cerqueira Fornasier.
II – O contexto familiar e a dedicação ao teatro de São João Paulo II
O ambiente familiar cultural e social de Wojtyla foi marcado duramente por muitos sofrimentos, como a guerra e a morte, o que, obviamente, contribuiu para a elaboração de reflexões e posturas diante de tipos diversos de ideologias políticas e organização econômica da sociedade que lhe fora contemporânea. Muito cedo ele viveu consideráveis perdas: a mãe, o irmão e o pai. Todas elas antes de seus 22 anos. E antes mesmo de nascer, já tinha perdido uma irmã. Dessa experiência de dores e perdas de todos os que nesta vida tinha podido amar, certamente resultou-lhe um genuíno sentido da amizade, desde o teatro até o seu pontificado.
Em Dom e Mistério, ele relata que tanto na pedreira, quanto na fábrica Solvay, onde trabalhou como operário durante os difíceis anos da guerra, teve amizade com muitos operários e estudantes. Durante 4 anos, Karol Wojtyla conviveu com estes homens e conheceu-os de perto, bem como as suas famílias, as suas condições de vida, os seus interesses e o seu valor humano. Além disso, era frequente o debate com os colegas de trabalho sobre diversos assuntos religiosos, conforme ele mesmo explicou.
Por vezes convidavam-me para ir às suas casas. Posteriormente, já como sacerdote e bispo, batizei os seus filhos e netos, abençoei os matrimônios e fiz os funerais de muitos deles. Tive ainda ocasião para verificar quantos sentimentos religiosos se abrigavam neles, e quanta sabedoria de vida. Estes contatos como mencionei, permaneceram muito íntimos, mesmo quando terminou a ocupação alemã, e depois, praticamente até minha eleição para bispo de Roma.[3]
Conforme os relatos de Andrea Riccardi, Wojtyla “haveria de conservar sempre a relação com os companheiros de Wadowice. E o futuro Papa, mesmo nos anos avançados da sua vida, haveria de permanecer fiel ao mundo dos amigos, fruto da sua história”[4]. E não sem razão, pois de fato naqueles anos sombrios da ocupação alemã, os seus amigos do teatro, da pedreira e da fábrica se tornaram a sua família, como o próprio Papa João Paulo II, mais tarde confirmará:
Durante a guerra, estes laços de amizade intensificaram-se. Lembro-me perfeitamente quando perdi meu pai, a 18 de fevereiro de 1941, que a família Kydrynski envolveu-me de carinhosos cuidados e afeto. Naquele momento a amizade deles foi para mim de grande conforto. A amizade depois estendeu-se a outras famílias[5].
No seu círculo de amigos, o jovem Karol foi desenvolvendo também uma grande paixão pelas artes teatrais, e cultivou-as de diversos modos. Dessa sua paixão, resultará mais tarde, que o então Bispo Wojtyla, já tinha um enorme conhecimento das realidades que afetavam a vida matrimonial e, ao mesmo tempo, com suas habilidades artísticas, escreverá e publicará a obra literária e teatral A Loja do Ourives. Meditações sobre o sacramento do matrimônio[6]. A obra foi publicada sob o pseudônimo de Andrzej Jawien, mas os seus amigos mais próximos sabiam quem era o verdadeiro autor. A sua experiência juvenil com a arte, o levou a fundar com alguns amigos e colegas da fábrica, clandestinamente o Teatro da Palavra Viva. Um tempo e um lugar que lhes proporcionava oportunidade de conversarem bastante sobre literatura, poesia, teatro, bem como realizar entre si também pequenas atuações.
Era um teatro muito simples. Os cenários e a decoração reduziam-se ao mínimo, o esforço concentrava-se essencialmente na recitação do texto poético. Os recitais tinham lugar diante de mim de um grupo restrito de conhecidos e convidados, que cultivavam um interesse especial pela literatura e eram, de algum modo, os “iniciados”. […] Mas devo admitir que aquela experiência com o teatro ficou profundamente gravada no meu espírito, mesmo que, num determinado momento, me desse conta de que, na realidade, esta não era a minha vocação[7].
Finalmente, tendo Karol decidido entrar no seminário de Cracóvia, em outubro de 1942, deveria frequentá-lo de modo clandestino, para que ninguém tivesse conhecimento de sua decisão. Por isso continuou a desempenhar o seu trabalho na fábrica da Solvay durante os dois primeiros anos. Em 1 de novembro de 1946 foi ordenado padre.
III- A dedicação de Karol Wojtyla aos jovens, aos noivos e às famílias
Se ‘de toda dor nasce um dom’, o jovem Padre Karol, mesmo ferido pelas ausências familiares e pelas adversidades da guerra, foi fazendo de seu ministério ordenado um dom voltado especialmente para a juventude e as famílias, a fim de aprender e ensinar a eles o que de fato seja o amor, como ele mesmo mais tarde testemunhou em seu livro-entrevista Cruzando o Limiar da Esperança.
Já estávamos no pós-guerra e naqueles anos, a coisa mais importante para mim, se tornaram os jovens, que me colocavam não tanto perguntas sobre a existência de Deus, mas questões precisas sobre forma de viver, ou seja, sobre a maneira de enfrentar os problemas do amor e do matrimônio, bem como os relacionados com o mundo do trabalho. Aqueles jovens, com suas dúvidas e com suas perguntas, em um certo sentido, indicaram o caminho também para mim[8].
Assim, enraizando o seu pensamento no amor, o Padre Wojtyla, ao longo de toda a sua vida, dedicou-se especialmente aos jovens, e consequentemente aos noivos e às famílias. Poderíamos dizer que se tratou do núcleo da sua investigação e do seu ministério sacerdotal, que ele levará como experiência para o exercício do seu pontificado, em uma época de muitas transformações, questionamentos, desafios e possibilidades de um modo geral. Na mesma entrevista concedida ao jornalista italiano Vittorio Messori, ele acrescenta que:
Esta vocação para o amor é obviamente o elemento de contato mais estreito com os jovens. Como sacerdote me conscientizei disso bem cedo. Sentia como que um impulso interior nesta direção. É preciso preparar os jovens para o matrimônio, é preciso ensinar-lhes o amor. O amor não é uma coisa que se aprende, e todavia, não há uma coisa tão necessária a ser aprendida. Quando jovem sacerdote aprendi a amar o amor humano. Este é um dos temas fundamentais em que concentrei o meu sacerdócio, o meu ministério da pregação, no confessionário, bem como por meio da palavra escrita. Quando se ama o amor humano, nasce também a viva necessidade de empenhar todas as forças a favor do “Belo Amor”. Na verdade, o amor é lindo e os jovens afinal, sempre buscam a beleza no amor, desejando que o seu amor seja lindo[9].
Na verdade, interessando-se pela pastoral dos casais e dos noivos desde o início do seu ministério, de acordo com o renomado autor francês, Yves Semen, Karol Wojtyla, muito provavelmente, destacou-se pela forma peculiar de falar do amor cristão com simplicidade e sem qualquer perturbação ou falso pudor[10]. Ainda segundo Semen, o padre Wojtyla tinha tamanho interesse pela pastoral dos casais e dos noivos, que a partir de 1950, em sua arquidiocese, ele iniciou um programa de preparação para o matrimônio. Foi o primeiro programa deste tipo em toda a história da arquidiocese de Cracóvia. Segundo George Weigel, num espaço de 28 meses, o então Padre Karol, celebrou mais de 160 casamentos na paróquia de São Floriano[11]. Este acompanhamento aos jovens casais abriu portas para uma série de reflexões e compreensão do corpo humano à luz do plano divino.
Mas a experiência pastoral com os casais não se limitou apenas ao exercício do seu sacerdócio. Depois, já como Bispo auxiliar de Cracóvia, no intuito de preparar os jovens e os noivos para o casamento, ele criou, em 1960, um programa formativo que cobria toda a Arquidiocese, com a intenção de fazer frente aos esforços do regime polaco – que pretendia destruir a vida familiar. Depois, em 1967, após 3 anos de ter se tornado arcebispo de Cracóvia, Dom Wojtyla organizou um curso intensivo de preparação para o casamento e para a vida familiar, com a duração de um ano, debruçando-se sobre temas teológicos, filosóficos, psicológicos e médicos, no qual participaram trinta sacerdotes e sessenta leigos. Dois anos mais tarde, este curso foi transformado num “Instituto Arquidiocesano para a Família”, promovendo conferências relacionadas com a temática familiar, tais como a teologia do casamento, a sexualidade humana, o cuidado às crianças e a cura do estresse pós-aborto.
O Palácio Episcopal era um lugar de vários encontros, de sessões científicas. Era também um lugar onde se desenvolveu o “Studium sobre a Família”. Num daqueles locais foi estabelecido um consultório familiar. Eram tempos aqueles em que toda reunião de leigos de algum relevo era considerada pelas autoridades uma atividade contra o Estado. A casa do bispo se tornou então um refúgio. Ele podia convidar pessoas diversas: estudiosos, filósofos, humanistas. […] Ali se desenvolveu o Instituto para a Família e o “Kler-med[12]”. Aquela casa, pode-se dizer, “palpitava de vida”[13].
Ainda segundo Weigel, o Instituto veio a tornar-se o centro intelectual e de instrução do Departamento dos Cuidados Pastorais da Família, criado em 1968 pelo então Cardeal Wojtyla[14]. Nos anos 70, o Instituto desenvolveu um programa de preparação dos estudantes para assumirem a função de instrutores e auxiliares nos programas de preparação para o casamento, a nível paroquial. Em 1974, o costume da preparação para o casamento estava já instituído em toda a diocese. Nesse mesmo ano, o Cardeal Wojtyla, como um bispo que agia em defesa da vida e das mães adolescentes, “deu início a um fundo econômico da Arquidiocese a fim de apoiar as mães solteiras que rejeitassem o aborto e optassem por educar sozinhas os seus filhos” [15].
Como não ver aí, em germe, todo o seu apostolado em favor da vida nascente e seus posicionamentos claros contidos na Encíclica Evangelium vitae sobre esse e outros temas que passaram a ser debatidos e se tornaram propostas governamentais, como as da legalização do aborto e da eutanásia em vários países do mundo.
Para além de todas essas iniciativas, a formação dos seminaristas e dos sacerdotes tinha se tornado também uma prioridade pastoral para o Arcebispo Karol Wojtyla, ao reformular o currículo dos seminaristas, introduzindo um curso de preparação para o matrimônio ministrado por médicos, psicólogos e casais[16]. Mais tarde, como papa, seus desenvolvimentos sobre a formação inicial e permanente do sacerdote, contidos na Exortação apostólica pós-sinodal Pastores Dabo Vobis, intuindo a necessidade desta formação ser organizada em quatro dimensões (humana, espiritual, intelectual e espiritual), continuam sendo retomados tanto pela Igreja universal como pela Igreja do Brasil e ainda são pouco aprofundados e assumidos em muitas Igrejas particulares, manifestando, assim, um dos grandes desafios da Igreja na atualidade.
IV – Srodowisko – “A Rede” de Karol Wojtyla em prol dos casais de noivos e das famílias
Embora fosse professor universitário no Departamento de Ética, o Padre e Bispo Wojtyla nunca foi apenas um acadêmico. Com criatividade, alternava a atividade pastoral com o ensino e a investigação filosófica e teológica. Wojtyla passava grande parte do seu tempo livre com os leigos. Durante as férias de Verão, era frequente a sua participação nos acampamentos organizados pelos jovens dos diversos movimentos, de forma bastante ativa, pois não se limitava a contribuir para a sua organização, mas participava inclusive das suas escaladas nas montanhas. E isto não somente enquanto sacerdote, mas também enquanto Bispo, celebrando a Missa para os estudantes uma vez por mês, organizando e pregando os retiros anuais na quaresma e levando os seus jovens e amigos paroquianos em passeios pelo campo.
Como se pode constatar, ao longo de toda sua vida sacerdotal, Wojtyla foi integrando e promovendo diversas iniciativas em prol da formação daqueles que se preparavam para o matrimônio. Uma delas, bastante significativa, foi que dois anos depois de sua chegada à Paróquia Universitária de São Floriano, o Padre Karol começou a formar um Grupo de Jovens com os universitários que, mais tarde tomou o nome de Srodowisko, que de acordo com Yves Semen, no seu livro A sexualidade segundo João Paulo II, poderíamos traduzir por “Rede”, isto é, um “ambiente comunitário”[17]. Esta “Rede” estava constituída por diferentes grupos de apostolado animados pelo Padre Wojtyla, com os quais ele viria a trabalhar clandestinamente. O primeiro deles autodenominava-se Rodzinka, ou ‘pequena família’, e teve início no dia 2 de fevereiro de 1951[18].
Rapidamente os diversos grupos de apostolado do Srodowisko foram se expandindo em ‘redes’ de diálogo intelectual, de modo que, tanto os jovens como os intelectuais mais velhos foram se juntando em torno do padre e depois bispo Wojtyla, para participarem de momentos de formação, espiritualidade, estudo, serviço e vida fraterna promovidos por ele. Contudo, devido à proibição de os sacerdotes dirigirem qualquer tipo de grupo, Wojtyla, a fim de não ser identificado pelo regime comunista como padre, passou a ser tratado pelos jovens por “Wujek”, que significa “Tio” em polaco[19]. A partir de 1953, as atividades de Srodowisko começaram a ter a presença eventual de Wojtyla, – por conta de seu segundo período de estudo em Roma – apenas durante os dois grandes encontros anuais: uma excursão para esquiar no inverno, e uma outra para navegar de caiaque no verão.
A Rede de Karol reunia estudantes, tanto rapazes como moças, mas era composta especialmente por jovens casais de namorados, noivos e pessoas casadas. Ela constituía, por conseguinte, uma espécie de unidade pastoral em que Wojtyla exercia um ministério muito particular e inovador para a época. Naquela ocasião,
Wojtyla era também inspirado a preparar os casamentos dos membros da “Rede” e aconselhar os esposos, especialmente no que dizia respeito às questões da moral conjugal. Era simultaneamente confidente, confessor, irmão mais velho, amigo[20].
Pouco a pouco, o Srodowisko foi assumindo um papel cada vez maior na formação das ideias e no sacerdócio de Karol Wojtyla. Nas obras da sua biografia se pode perceber seu próprio testemunho a respeito. Em Levantai-vos! Vamos!, assim ele confirmou:
Durante as visitas pastorais, me encontrava separadamente com diversos grupos: por exemplo, com professores, com as pessoas que trabalhavam na paróquia, com os jovens. Era previsto também um encontro específico na igreja com todos os casais. Era unido à Santa Missa, que terminava com uma benção dada a cada casal em particular. A homilia era obviamente dedicada ao matrimônio. Experimentava sempre uma emoção especialmente diante das numerosas famílias e mulheres grávidas. Desejava expressar meu apreço pela maternidade e pela paternidade. Desde o início do meu sacerdócio, dediquei-me ao serviço pastoral a favor dos casais e das famílias. Como capelão universitário, organizava habitualmente cursos pré-matrimoniais, e mais tarde, como bispo, promovi a pastoral das famílias. Dessas experiências e dos encontros com os casais de noivos, esposos e famílias, nasceu o drama poético A loja do Ourives e o livro Amor e Responsabilidade e depois, a Carta às Famílias.[21]
No seio do relacionamento com os membros daquele que era apenas inicialmente um grupo universitário, foi nascendo amizades profundas, e um clima de familiaridade, partilha e serviço. Momentos privilegiados de descanso, mas também para reflexão, partilhas, conversas, sobre todas as questões da vida, e especialmente o tema da vocação e da vida conjugal. Para Wojtyla, era cada vez mais claro que toda sua formação humana, filosófica e teológica, deveria estar a serviço da pastoral do matrimônio e das famílias, a fim de aprender e ensinar com aqueles casais o verdadeiro sentido do amor e da ética conjugal.
V – As influências filosóficas e teológicas do itinerário intelectual de São João Paulo II
Uma importante chave de leitura a respeito do percurso intelectual de nosso autor é o fato de que esse caminho foi se amadurecendo e se aprofundando com o passar do tempo. Wojtyla mesmo percebeu que foram então duas as etapas no seu “itinerário intelectual: a primeira consistiu na passagem da literatura à metafísica; a segunda me levou da metafísica à fenomenologia”[22]. Neste sentido, pode-se considerar que o ponto culminante da maturidade de sua reflexão e sua posição definitiva são alcançados em Pessoa e Ato, (como veremos um pouco mais adiante). Essa obra, portanto, tornou-se referência fundamental para determinar as influências filosóficas e teológicas, que também são válidas para sua proposta metodológica.
Em 1946, imediatamente após sua ordenação presbiteral, o jovem sacerdote foi enviado a Roma pelo cardeal Sapieha para concluir seus estudos teológicos com um doutorado. Lá ele se matriculou no Instituto Angelicum, dirigido pelos dominicanos, onde foi profundamente treinado na doutrina de São Tomás de Aquino e defendeu, após dois anos, sua tese de doutorado em Teologia sobre A doutrina da fé em São João da Cruz, sob a orientação do padre Reginald Garrigou-Lagrange.
Nesta tese, embora a escolha tenha sido sobre um autor místico e não de um filósofo ou teólogo escolástico, se percebe, contudo, que a filosofia tomista muito contribuiu para a formação do pensamento wojtyliano, particularmente no que se refere à antropologia e à ética. E não poderia ser diferente, pois o tomismo clássico era o que se ensinava nessa época nos seminários e faculdades católicas.
Em 1948, o Padre Wojtyla retornou à Arquidiocese de Cracóvia, onde foi sucessivamente vigário na Paróquia Rural de Niegowic (1948-1949) e na Paróquia Universitária de São Floriano (1949-1951). Nessa última foi onde ele desenvolveu a Rede Srodowisko. O começo das atividades de Karol Wojtyla como escritor data, portanto, de 1948. Os primeiros trabalhos, de tipo pastoral e poético, se estenderam até 1951, quando se propôs a escrever ensaios propriamente filosóficos, formulando dessa forma algumas das preocupações éticas, que ele desenvolveu posteriormente ao doutorado[23].
Após as férias de 1951, começa uma nova etapa na formação intelectual e pastoral do nosso autor, quando seu arcebispo Cardeal Adam Sapieha lhe concedeu alguns anos sabáticos pastorais, para que ele pudesse fazer sua tese de habilitação na Universidade de Cracóvia, o que lhe permitiria dedicar-se ao ensino universitário. Wojtyla então começou seu doutorado em Ética e Teologia Moral, e escolheu como tema a Avaliação sobre as possibilidades de construir uma ética cristã sobre as bases do sistema ético de Max Scheler, um fenomenólogo alemão. Mas, afinal, por que ele se debruçaria sobre essa questão? Naquela época, ele estava preocupado com a necessidade de encontrar uma base ética que pudesse responder aos problemas colocados pela modernidade e pela filosofia da consciência. Nosso autor vai fundamentar-se, inclusive, na concepção aristotélico-tomista das noções de potência e ato para apresentar a sua concepção do ato ético. E a partir dela, percebe que Scheler, por sua vez, apresenta uma concepção personalista do ser humano, muito reduzida também. Se por um lado, encontra-se na ética tomista um personalismo objetivista (a filosofia do ser), por outro lado, conclui nosso autor, se encontra na ética scheleriana um personalismo subjetivista (a filosofia da consciência).
Ao final de sua pesquisa, em 1953, dentre as conclusões que ele chega em sua tese, uma merece destaque para compreendermos a influência da fenomenologia de Scheler em seu itinerário intelectual.
Embora o sistema ético criado por Max Scheler não seja fundamentalmente adaptado para interpretar a ética cristã, ele pode ser útil como auxiliar de um trabalho científico sobre ética cristã. Em particular, pode facilitar a análise de fatos éticos no nível fenomenológico e experimental[24].
Contudo, é preciso destacar que, mesmo que o sistema ético de Max Scheler servisse de apoio para o estudo dos fatos éticos em nível fenomenológico e experimental, como um meio para a coleta dos dados para a análise metafísica, Karol Wojtyla percebeu que a fenomenologia em si não é capaz de oferecer todos os alicerces necessários à construção da ética. “É necessária também uma filosofia do ser, como Tomás propunha, para que se supere uma concepção superficial do universo dos fenômenos”[25]. Certamente não era fácil e simples que ambas as tradições pudessem ser integradas. Mas ele via que ambas continham elementos essenciais que deveriam ser assumidos na construção de uma antropologia que refletia a verdade da realidade pessoal. Uma antropologia integral.
Desse modo, ele estava forjando seu próprio sistema no qual elementos aristotélico-tomistas estão integrados com as contribuições de autores da modernidade, especialmente Kant e Scheler. Wojtyla combina a metafísica clássica inspirada por Tomás de Aquino com a fenomenologia realista, unindo intuições medievais e modernas na unidade da verdade sobre o ser e sobre o homem. Ele se revela, assim, não como um admirador de Max Scheler ou de Tomás de Aquino, mas como um autêntico filósofo que sempre indaga a verdade das coisas, utilizando intuições de outros pensadores e criticando-os com liberdade.
Ao final, Wojtyla trilha seu itinerário, que parte do tomismo clássico até o personalismo através da fenomenologia, como ele mesmo atesta:
Fruto destes dois estudos foi o doutoramento sobre São João da Cruz e, depois, a tese para professor catedrático sobre Max Scheler: especialmente, sobre a contribuição que o seu sistema ético de tipo fenomenológico pode dar para a formação da Teologia Moral. A estes trabalhos de pesquisa devo realmente muito. Na formação aristotélico-tomista que recebera anteriormente, inseria-se assim o método fenomenológico, fato que me permitiu realizar numerosas experiências criativas neste campo. Penso, sobretudo, no livro “Pessoa e Ato”. Deste modo me incluí na corrente contemporânea do personalismo filosófico, estudo que deu os seus frutos pastorais [26].
Esta fase do pensamento, reflexões e percurso intelectual de Wojtyla, o levou ao aprofundamento de três importantes preocupações pastorais. A primeira diz respeito ao dinamismo do amor e culmina com a publicação de Amor e Responsabilidade, em 1960. A segunda preocupação é sobre a pessoa em sua dinâmica integral. Dessa fase temos como resultado a publicação, em 1969, de Pessoa e Ato, que é como a síntese de sua antropologia filosófica. A terceira e última fase começa a partir de 1974, período em que ele começa a escrever “Homem e mulher Deus os criou”[27], denominada por ele mesmo de teologia do corpo.
Dediquei a estes problemas alguns anos de trabalho na Universidade Católica de Lublin. Recolhi as minhas reflexões a tal propósito na obra Amor e Responsabilidade, depois do estudo Pessoa e Ato e, por fim, em uma etapa sucessiva, nas catequeses de quarta-feira publicadas sob o título Homem e mulher os Criou[28].
VI – A ética personalista e conjugal da obra Amor e Responsabilidade
Após exatamente 10 anos de experiência com preparação para o matrimônio, o então Bispo Karol Wojtyla, “cuja formação estava embasada no personalismo, na fenomenologia e no conteúdo teológico claramente tomista”[29], havia concebido a ideia de elaborar uma obra que fosse uma defesa dos ensinamentos da Igreja sobre o casamento a partir de um ponto de vista filosófico. Assim, precisamente dois anos após a sagração episcopal do jovem Padre Wojtyla, estava sendo publicada, em 1960, Amor e responsabilidade. Na obra “o autor afirma a centralidade do amor na relação entre o homem e a mulher: Pouco a pouco, o amor eliminará neles a atitude puramente utilitarista, consumista relativamente à pessoa. Amar, não usar”[30]. Um apêndice ao volume trata sobre sexologia e moral, relações conjugais e regulação dos nascimentos. E toda obra é fruto de muitos anos de amizade e partilhas com aqueles jovens casais e universitários que se lhe tinham confiado os segredos dos seus corações, como mais tarde o papa João Paulo II, sinalizou no livro-entrevista a Messori:
[…] Aqueles jovens com suas dúvidas e com suas perguntas, em um certo sentido, indicaram o caminho também para mim. Pelos nossos contatos, pela participação nos problemas de sua vida, nasceu um estudo cujo conteúdo sintetizei no título Amor e responsabilidade. […] Portanto, a genealogia dos meus estudos centrados no homem, na pessoa, é antes de tudo pastoral[31].
Interessante observar que não é casualidade que no mesmo ano em que publicou essa obra, nosso autor publicou sua obra teatral A loja do ourives, a qual nos referimos anteriormente. Também outro aspecto que marca especificamente a publicação de Amor e responsabilidade são os textos de ordem teológico-pastoral que Wojtyla publicou sobre ética matrimonial durante estes anos[32], os quais apenas mencionamos aqui sem proceder, contudo, a uma maior análise.
VII – A antropologia personalista da obra Pessoa e ação
Os anos que sucederam a publicação de Amor e responsabilidade foram inicialmente marcados pela participação ativa de Dom Wojtyla no Concílio Vaticano II (1962-1965). Durante o Concílio, ele se tornou Arcebispo de Cracóvia, em 1964. Depois do concílio, em 1967, ele se tornou cardeal, no mesmo ano em que ele também colaborou na formulação da Encíclica Humanae vitae, a partir das reflexões já expressas em Amor e responsabilidade, em 1960.
Nesse meio tempo, o Arcebispo Wojtyla começou a preocupar-se com um importante detalhe: antes de elaborar uma ética sobre a pessoa, era necessário construir uma antropologia sobre fundamentos sólidos. É bem verdade que Amor e responsabilidade, naqueles anos que antecederam a “Revolução Sexual de 68”, era uma obra inovadora, por conta dos conceitos chaves da norma personalista, a proibição moral da instrumentalização sexual da pessoa, a sexualidade como doação, etc. Contudo, os conceitos antropológicos fundamentais usados por Wojtyla ainda não estavam tão aprofundados. Ou seja, a sua ética personalista necessitava de uma antropologia personalista. O resultado de suas reflexões antropológicas foi a obra Pessoa e ação, publicada em 1969.
Essa obra é considerada por muitos a principal conquista do pensamento filosófico do então Cardeal Karol Wojtyla. Anos depois, já como Papa, ele explicou a origem do seu interesse pela pessoa e pela ação.
A minha atenção à pessoa e à ação não nasceu de modo nenhum na terra da polêmica com o marxismo ou, pelo menos, não nasceu em função dessa polêmica. O interesse pelo ser humano como pessoa estava presente em mim há muito tempo. Talvez dependesse do fato de que jamais tive uma predileção particular pelas ciências naturais. O que sempre me apaixonou foi o ser humano, desde quando estudava na Faculdade de Letras e em seguida, quando descobri a vocação sacerdotal, quando comecei a ocupar-me do ser humano como tema central da minha atividade pastoral[33].
Mais uma vez, fica evidente que o itinerário intelectual de Karol Wojtyla esteve sempre ligado ao seu serviço apostólico, evangélico e pastoral. Em virtude disso, o agora Cardeal se propôs a aprofundar suas reflexões, e desta vez suspendendo provisoriamente a preocupação com os problemas éticos, para centrar-se nos antropológicos e assim ver as implicações mútuas entre ambos. Para realizar esse intento, o Cardeal Wojtyla usa, em Pessoa e ação, um duplo recurso metodológico a partir do método fenomenológico: a experiência integral da pessoa humana e a pessoa e sua ação. A obra está dividida em sete capítulos, distribuídos em quatro partes: a primeira, iniciando com uma análise da consciência e do autoconhecimento; a segunda aborda o tema da transcendência da pessoa diante da ação; a terceira, debruça-se sobre o tema da integração da pessoa na ação; e, por fim, na quarta parte, o tema da participação da pessoa na ação.
VIII – A “Teologia do corpo” e a família
Todo o percurso acadêmico e espiritual do Padre e Bispo Wojtyla tinha como pano de fundo uma preocupação pastoral com relação à vocação matrimonial e à vida familiar. E todo esse caminho culminou no que podemos chamar de terceira e última fase de produção intelectual antes da sua eleição pontifícia.
Ao avançarmos um pouco mais, verificamos, neste ponto, que esse período foi marcado pela elaboração de um longo manuscrito redigido pelo então Cardeal Wojtyla, por aproximadamente quatro anos, conforme as pesquisas de Michael Waldstein. Mais precisamente, entre dezembro de 1974 e outubro de 1978, que, porém, não foi publicado[34]. Trata-se, pois, do compilado Homem e mulher Ele os criou, ou com mais exatidão: A redenção do corpo e a sacramentalidade do matrimônio, do qual derivou a série de catequeses sobre o amor humano no plano divino, denominado pelo futuro Papa de teologia do corpo.
Ainda de acordo com Waldstein, o Cardeal Wojtyla estava apenas desenvolvendo o esboço de uma possível nova obra Homem e mulher Ele os criou, que tinha como intenção pastoral retomar Amor e Responsabilidade. Ele pretendia fazer isso de uma maneira mais ampla, “inclusive do ponto de vista teológico, a fim de responder às dúvidas pastorais que surgiram na sua Rede de Casais, com a publicação da Encíclica Humanae Vitae, do Papa Paulo VI”[35].
A decisão de elaborar uma reflexão mais profunda acerca do corpo, enquanto integrado na estrutura da pessoa, bem como a necessidade de explicitar os fundamentos bíblicos, éticos e antropológicos do matrimônio, viria a tornar-se a grande motivação para que ele viesse a elaborar uma teologia do corpo[36]. O que mais tarde viria a ser o primeiro grande projeto de ensino do seu pontificado, disponibilizado através de uma série de 129 catequeses, pronunciadas nas audiências das quartas-feiras, entre setembro de 1979 e novembro de 1984, após várias interrupções, dentre as quais se destacam a decorrida do atentado de 13 de maio de 1981, a do ano Santo da Redenção (1983) e as de suas várias viagens apostólicas realizadas naquele par de anos.
Cabe aqui justamente apontar a relevância pastoral que a teologia do corpo assumiu desde que tão logo começou a ser difundida na década de 1980, mas também no que certamente ainda pode contribuir, uma vez que ela não é de tudo ainda conhecida e explorada. João Paulo II sabia que pelo peso da missão da Igreja enquanto Mãe e Mestra, as suas catequeses precisariam trilhar um caminho de ensinamentos claros, bem fundamentados, sem ambiguidades e sem imposições – embora seu estilo de escrita nem sempre favorecesse essa clareza e acessibilidade aos seus textos. Pois, como ele mesmo atestou, a autêntica inquietação pastoral significa justamente buscar o verdadeiro bem do homem, a promoção dos valores gravados por Deus na sua pessoa; e ajudá-lo na descoberta cada vez mais clara do desígnio de Deus sobre o amor humano, na certeza de que o único e verdadeiro bem da pessoa humana consiste na atuação deste desígnio[37]
Foi certamente esta visão de Pastor que levou João Paulo II a difundir as catequeses da teologia do corpo, trazendo consigo duas intenções pastorais: em primeiro lugar, colaborar com a preparação da Igreja para o Sínodo sobre os Deveres da família cristã, que ocorreria em 1980. E em segundo, auxiliar na compreensão dos interrogativos bíblicos e personalísticos suscitados pela Humanae vitae, de Paulo VI[38].
Entretanto, no que diz respeito a essa segunda razão, João Paulo II ainda destacou que não queria apenas tratar sobre o caráter normativo da encíclica[39], mas sobretudo, o seu caráter pastoral[40]. Tudo isso a fim de explorar os fundamentos da teologia e pastoral da família, também apresentados anteriormente pela Gaudium et spes no capítulo intitulado Dignidade do matrimônio e da Família e sua valorização[41].
Olhando, pois, para o Concílio Vaticano II e seus predecessores, Joao Paulo II foi confirmando cada vez mais que de fato há, na missão da Igreja, um cuidado pastoral especial e irrenunciável: o de fazer com que os jovens casais compreendam e vivam um amor autêntico. Neste seguimento, ele concluiu na Familiaris consortio, que uma vez que, “o futuro da humanidade passa pela família, […] sublinha-se, portanto, a urgência da intervenção pastoral da Igreja em prol da família”[42]. Portanto, essas catequeses sobre o amor humano no plano divino lançam luzes sobre os diversos apostolados das famílias[43] na Igreja, especialmente, mas não exclusivamente, aqueles que cuidam pastoralmente dos que se preparam para o matrimônio ou dos recém casados.
Sob este mesmo ângulo é interessante observar que, por ter sido um marco no início do pontificado de João Paulo II, a teologia do corpo, de alguma maneira acabou desenhando os traços de outras contribuições da sua ação pastoral e dos seus ensinamentos quanto à temática do amor conjugal e familiar. Deste cenário destaca-se a promulgação de alguns documentos pontifícios, como veremos a seguir, e a criação de institutos e organismos, que foram oportunamente reformados no pontificado do Papa Francisco.
VIII.1 – A fundação do Pontifício Instituto João Paulo II para os Estudos sobre o Matrimônio e a Família e a criação do Pontifício Conselho para a Família (1981)
Após quase dois anos do início das catequeses, durante a audiência geral de 13 de maio de 1981, João Paulo II anunciaria à Igreja duas novidades bastante importantes, relativas a novos meios de estudo e orientação pastoral a propósito dos problemas da família. Mesmo não tendo a audiência, que não chegou a realizar-se devido ao grave atentado que o Papa sofreu, o seu discurso, que já estava pronto, foi depois amplamente divulgado, mantendo-se a data de fundação do Instituto para aquele mesmo dia. Assim escreveu João Paulo II:
Sobre as expectativas acerca dos problemas relativos à família manifestadas pelo Episcopado do mundo inteiro, sobretudo por ocasião do último Sínodo dos Bispos, considerei oportuno instituir o “Pontifício Conselho para a Família”, o qual substituirá a “Comissão para a Família” […] Decidi também fundar, junto da Pontifícia Universidade Lateranense, um “Instituto Internacional de estudos sobre o matrimônio e a família”[44]. Propõe-se ele oferecer a toda a Igreja aquele contributo de reflexão teológica e pastoral, sem a qual a missão evangelizadora da Igreja seria privada de uns auxílios essenciais. Será o lugar onde se aprofundará o conhecimento da verdade sobre o matrimônio e sobre a família. à luz da fé, com a ajuda, também, das várias ciências humanas[45].
É inegável a relevância acadêmica e pastoral do hoje Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para as Ciências do Matrimônio e Família, embora, por ter assumido, nos últimos anos, um acento muito forte sobre a moral, o Papa Francisco, em 2017, desejou e iniciou uma série de reformas neste Instituto, a fim de que este organismo possa continuar contribuindo de modo mais eficaz e correspondente às atuais exigências da missão pastoral da Igreja.
VIII.2 – Promulgação de alguns documentos durante o seu pontificado
Depois de ter se recuperado do atentado, o Papa João Paulo II, naquele mesmo ano, no dia 22 de novembro, promulgou a exortação pós-sinodal sobre a Missão da Família Cristã no mundo de hoje. O documento afirma que “a preparação dos jovens para o matrimônio e para a vida familiar é necessária hoje mais do que nunca”. E acrescenta nos seguintes termos que:
Em alguns países são ainda as mesmas famílias que, segundo costumes antigos, se reservam transmitir aos jovens os valores que dizem respeito à vida matrimonial e familiar, mediante uma obra progressiva de educação ou iniciação. […] Contudo a experiência ensina que os jovens bem preparados para vida familiar, em geral, têm mais êxito do que os outros. Isto vale mais ainda para o matrimônio cristão, cuja influência repercute na santidade de tantos homens e mulheres. Por isso a Igreja deve promover melhores e mais intensos programas de preparação para o matrimônio, a fim de eliminar, o mais possível, as dificuldades com que se debatem tantos casais, e sobretudo para favorecer positivamente o aparecimento e o amadurecimento de matrimônios com êxito[46].
O Papa aponta inclusive que essa preparação para o matrimônio deve ser considerada e realizada como um processo contínuo e gradual, através de três importantes etapas que são como um itinerário para a formação e a resposta à vocação conjugal: uma preparação remota, outra próxima e uma outra imediata[47]. Esta “tríplice preparação” foi oportunamente destacada nos discursos, tanto do Papa Bento XVI, quanto na Amoris laetitia, do Papa Francisco, por ser um dos serviços importantes nas estruturas e etapas da Pastoral Familiar.
Em 1983, a Congregação para a Educação Católica, com a ajuda de peritos em problemas educativos, apresentou o Documento Orientações educativas sobre o amor humano. O documento, chancelado pelo Papa João Paulo II, teve como intenção “examinar o aspecto pedagógico da educação sexual e indicar algumas orientações para a educação integral do cristão, segundo a vocação de cada um”[48].
Em 1988, o Papa João Paulo II apresentou uma Carta Apostólica, voltada ao tema da Dignidade da Mulher e a sua vocação. Neste documento o Papa fez mais uma vez uso dos conceitos “ethos da redenção e dom esponsal do amor”. E ao refletir sobre o amor conjugal dos esposos, recorda que no matrimônio, a submissão recíproca de ambos no “temor de Cristo”, indica que “a medida do verdadeiro amor esponsal encontra a sua fonte mais profunda em Cristo, que é o Esposo da Igreja, sua Esposa”[49].
Em 1993, o Santo Padre promulgou a Encílica Veritatis splendor. Nesta Carta, ele aborda os fundamentos do ensino moral católico de um ponto de vista teológico e filosófico, o que fez com que esse texto se tornasse o ensino oficial, mais abrangente e atualizado sobre teologia moral na tradição católica. Além de tratar da importância da formação da consciência moral, santuário do homem, ao referir-se à natureza própria e original do homem, João Paulo II retoma alguns dos pontos abordados em suas catequeses da teologia do corpo, como o tema da corporeidade e sexualidade humana, da expressão e a promessa do dom de si, de acordo com o sábio desígnio do Criador, da consciência dos atos morais, da unidade da alma e do corpo, etc[50].
Em 1994, no âmbito do Ano Internacional da Família, no mês de outubro, por desejo de Joao Paulo II, ocorreu o primeiro Encontro Mundial das Famílias, realizado em Roma[51]. E mostrando ainda mais a sua solicitude de sempre, o Papa escreveu naquele mesmo ano a Carta às Famílias Gratissimam sane. Numa linha de continuidade das suas reflexões anteriores, ele retomou o tema da educação para o amor, apresentando-nos a seguinte pergunta:
Em que consiste essa educação? Para responder a esta questão, há que recordar duas verdades fundamentais: a primeira é que o homem é chamado a viver na verdade e no amor; a segunda é que cada homem se realiza através do dom sincero de si. Isto vale tanto para quem educa, como para quem é educado. Assim, a educação constitui um processo singular, no qual a recíproca comunhão das pessoas aparece impregnada de grande significado[52].
Em 1995, foi apresentada à Igreja, a décima encíclica de João Paulo II, tratando sobre o Evangelho da Vida (Evangelium vitae). No documento o Papa insiste na posição do ensino católico sobre o valor da vida humana e sua inviolabilidade, por sua participação na vida divina de Deus. E reafirma o seu ensinamento sobre a dignidade do corpo humano, com as seguintes palavras:
Sempre no mesmo horizonte cultural, o corpo deixa de ser visto como realidade tipicamente pessoal, sinal e lugar da relação com os outros, com Deus e com o mundo. Fica reduzido à dimensão puramente material: é um simples complexo de órgãos, funções e energias, que há de ser usado segundo critérios de mero prazer e eficiência. Consequentemente, também a sexualidade fica despersonalizada e instrumentalizada: em lugar de ser sinal, lugar e linguagem do amor, ou seja, do dom de si e do acolhimento do outro na riqueza global da pessoa, torna-se cada vez mais ocasião e instrumento de afirmação do próprio eu e de satisfação egoísta dos próprios desejos e instintos. Deste modo se deforma e falsifica o conteúdo original da sexualidade humana, e os seus dois significados — unitivo e procriativo —, inerentes à própria natureza do ato conjugal, acabam artificialmente separados: assim a união é atraiçoada e a fecundidade fica sujeita ao arbítrio do homem e da mulher. A geração torna-se, então, “o inimigo” a evitar no exercício da sexualidade: se aceita, o é apenas porque exprime o próprio desejo ou mesmo a determinação de ter o filho “a todo o custo”, e não já porque significa total acolhimento do outro e, por conseguinte, abertura à riqueza de vida que o filho é portador[53].
Ainda em 1995, o então Pontifício Conselho para a Família, em resposta aos “repetidos e prementes pedidos acerca de orientação educativa para as famílias”, apresentou o Documento Sexualidade Humana: verdade e significado, recordando que “a formação para o verdadeiro amor é a melhor preparação para a vocação ao matrimônio”[54]. Em 1996, após 5 anos de trabalho, foi apresentado por esse mesmo Dicastério do Vaticano, o documento Preparação para o Sacramento do Matrimônio, com o objetivo de aprofundar o itinerário da “preparação remota, próxima e imediata” para o sacramento do Matrimônio, delineado anteriormente na Familiaris consortio. De modo geral, o documento articula-se em três partes: a importância da preparação para o matrimônio cristão; as etapas ou momentos da preparação; a celebração do matrimônio.
IX – Considerações finais
Quando se trata do contexto vital do pontificado de São João Paulo II, pode-se concluir que o ministério petrino do “Papa das famílias” deu importantes e abrangentes contornos de uma nova cultura cristã católica e influenciou muito os rumos da elaboração de uma futura e diversificada cultura humana. Em outras palavras, durante o seu pontificado, foram inúmeras as iniciativas que manifestaram a constante preocupação e o cuidado especiais de João Paulo II para com os jovens e as famílias. A maioria, senão mesmo a totalidade, teve, portanto, sua raiz em sua vivência e nos conhecimentos passados. Dentre essas iniciativas, destacam-se alguns acontecimentos mais significativos: as catequeses sobre a Teologia do Corpo, a criação do Pontifício Instituto João Paulo II para os Estudos sobre o Matrimônio e a Família[55], a instituição do Pontifício Conselho para a Família, a criação das Jornadas Mundiais da Juventude e a criação dos Encontros Mundiais das Famílias.
É possível perceber sobremaneira, com clara evidência os contributos teológico, antropológico, ético, pastoral e também social que o Papa Wojtyla nos legou em sua teologia do matrimônio e da família, para não falar da sua doutrina social, em particular no que diz respeito ao tema da educação para o amor humano. Outros pesquisadores, após ele ou concomitante ao seu pontificado, se debruçaram sobre os temas da teologia do matrimônio, do amor, da família e da ética cristã da sexualidade. Estes autores, ao trilharem esse caminho, a partir de outras chaves de leituras, ora se aproximam, ora se distanciam ou acrescentam alguma novidade a todo esse legado de João Paulo II. Assim chamada “Teologia do corpo” aparenta ser um paralelo a uma Filosofia do corpo, desenvolvida e aprofundada na segunda metade do século XX, em particular pelos fenomenólogos franceses na esteira de Husserl, mas não só, que se dedicaram a pensar a relação entre corpo vivo e corpo vivido. As contribuições de São João Paulo II para a Teologia, oriundas da fenomenologia e do personalismo, são consideradas pioneiras em épocas em que não só a Teologia Moral estava deixando aos poucos suas amarras manualísticas e casuísticas, mas também para a nascente disciplina Antropologia Teológica. Contrariamente ao que alguns pensam e difundem sobre São João Paulo II, o contexto vital do seu pontificado foi marcado por uma extraordinária capacidade visionária e, portanto, inovadora para a Igreja e para o mundo.
Jerônimo Lauricio Souza de Oliveira
Rafael Cerqueira Fornasier*
[1] 1. Cruzando o limiar da Esperança, escrita como uma entrevista feita ao Papa João Paulo II por Vittorio Messori e publicada em outubro de 1994; 2. Dom e Mistério, escrita por ocasião da celebração dos seus 50 anos de sacerdócio, em que relata suas experiências desde as dificuldades do seu tempo de seminário, devido às invasões nazistas, até o seu papado, publicada em 1996; 3. Levantai-vos! Vamos! obra que leva o leitor a entender com mais profundidade o pensamento e estilo de João Paulo II. Apresenta a experiência de Karol Wojtyla como bispo auxiliar, mais tarde como arcebispo em Cracóvia e finalmente como Papa. Publicada em 2004; 4. Memória e Identidade, fruto de uma longa conversa coloquial que o Papa teve em 1993 com dois professores de filosofia poloneses, Josef Tishner e Krystof Michalski, conversa gravada cujo manuscrito ficou guardado por vários anos até que o Papa voltou a lê-lo e após fazer algumas correções decidiu transformá-lo em livro, publicado em 2005.
[2] Disponível em: https://pt.zenit.org/articles/postulador-slawomir-oder-descreve-a-santidade-de-joao-paulo-ii-a-partir-da-sua-relacao-intima-com/. Acesso em: 20 jun. 2020.
[3] JOÃO PAULO II, Dom e Mistério, p. 31 e 48.
[4] RICCARDI, João Paulo II: a biografia, p. 89.
[5] JOÃO PAULO II, Dom e Mistério, p. 48
[6] JOÃO PAULO II, Dom e Mistério, p. 104.
[7] JOÃO PAULO II, Dom e Mistério, p. 16-17.
[8] MESSORI, Cruzando o limiar da Esperança, p. 185-186.
[9] MESSORI, Cruzando o limiar da Esperança, p. 124.
[10] SEMEN, A Sexualidade segundo João Paulo II, p. 34.
[11] WEIGEL, Testemunho de Esperança, p. 30.
[12] Um grupo de estudantes do último ano de medicina.
[13] JOÃO PAULO II, Levantai-vos! Vamos!, p. 133-134
[14] WEIGEL, Testemunho de Esperança, p. 165.
[15] WEIGEL, Testemunho de Esperança, p. 166.
[16] WEIGEL, Testemunho de Esperança, p. 167.
[17] SEMEN, A Sexualidade segundo João Paulo II, p. 36.
[18] WEIGEL, Testemunho de Esperança, p. 86.
[19] WEIGEL, Testemunho de Esperança, p. 87.
[20] SEMEN, A Sexualidade segundo João Paulo II, p. 37.
[21] JOÃO PAULO II, Levantai-vos! Vamos!, p. 86.
[22] JOÃO PAULO II, Levantai-vos! Vamos!, p. 101.
[23] Trata-se de uma coletânea de reflexões publicadas em alemão, inglês, polaco e espanhol, chamada Lecciones de Lublin (Lições de Lublin). O livro tem sua origem nos cursos de Ética em que o jovem sacerdote e professor Karol Wojtyla, um ano após ter apresentado sua tese de doutorado em Ética, começou a oferecer, entre os anos de 1954-1957 na Universidade Católica de Lublin. Destas reflexões surgiu o caminho que conduziu depois à obra Persona y accíon (Pessoa e Ato).
[24] WOJTYLA, Max Scheler y la ética Cristiana, p. 240.
[25] WOJTYLA, 1998, p. 112, 140, 186.
[26] JOÃO PAULO II, Dom e Mistério, p. 106.
[27] De acordo com Dr. Michael Waldstein, responsável pela primeira tradução das Catequeses da Teologia do Corpo nos EUA, nas últimas pesquisas sobre os ensinamentos de São João Paulo II, constatou-se que no canto superior direito do primeiro manuscrito original de “Homem e mulher Deus os criou”, do então Cardeal Wojtyla, está uma data de 8 de dezembro de 1974, Festa da Imaculada Conceição de Maria. E acima da data, uma dedicatória: “Tota pulchra es Maria”, “Você é toda bela, Maria” – uma clara adaptação das palavras do noivo do Cântico dos Cânticos: “És toda bela, ó minha amada, e não há mancha em ti” (Ct 4,7).” (Cf. WALDSTEIN, Introduction to Man and Woman He Created Them, p. 15)
[28] JOÃO PAULO II, Memória e Identidade, p. 50.
[29] BURGOS, Introdução ao Personalismo, p. 126.
[30] RICCARDI, João Paulo II: a biografia, p. 110.
[31] MESSORI, Cruzando o limiar da Esperança, p. 186.
[32] Referimo-nos a: A experiência religiosa da pureza (1953); Reflexões sobre o matrimônio (1957); O propedêutico do Sacramento do Matrimônio. Tradução nossa para os títulos, porque todas essas obras não estão traduzidas e publicadas em português, mas encontram-se em espanhol.
[33] MESSORI, Cruzando o limiar da Esperança, p. 185.
[34] Cf. WALDSTEIN, Introduction to Man and Woman He Created Them, p. 15.
[35] SEMEN, A sexualidade segundo João Paulo II, p. 52.
[36] Os escritos Amor e responsabilidade (1960) e Pessoa e Ato (1969), que em síntese tratam respectivamente sobre uma ética personalista e uma antropologia personalista e tocam o fato de o corpo ser expressão da pessoa, inevitavelmente encontram sua síntese nas catequeses da Teologia do corpo. Por isso, a leitura sobre essa continuidade de reflexões entre Karol Wojtyla e João Paulo II, se tornaram uma das importantes chaves de compreensão do seu pensamento e atividades pastorais sobre a família e o amor conjugal durante o seu pontificado.
[37] JOÃO PAULO II, Teologia do Corpo: o amor humano no plano divino, p. 553.
[38] JOÃO PAULO II, Teologia do Corpo: o amor humano no plano divino, p. 601.
[39] “Precisar e esclarecer os princípios morais do agir” (JOÃO PAULO II, Teologia do Corpo: o amor humano no plano divino, p. 560).
[40] “Trata-se sobretudo, de explicar a possibilidade de agir segundo esses princípios, isto é, a possibilidade da observância da lei divina” (JOÃO PAULO II, Teologia do Corpo: o amor humano no plano divino, p. 560).
[41] JOÃO PAULO II, Teologia do Corpo: o amor humano no plano divino, p. 266, 560 e 566.
[42] JOÃO PAULO II, Familiaris Consortio, p. 109 e 151.
[43] Aqui não fazemos referência apenas à Pastoral Familiar com toda sua riqueza de serviços, mas a todos os outros carismas, movimentos e apostolados suscitados igualmente na Igreja em prol do cuidado aos casais e às famílias.
[44] Este Instituto, em outras partes do mundo, está sempre ligado também a alguma Pontifícia Universidade, Faculdade Católica ou Eclesiástica. A seção brasileira, por exemplo se relaciona institucionalmente com a Universidade Católica do Salvador – Ba, onde se encontra. “Dentre as atividades acadêmicas deste Instituto, se encontram a promoção de cursos de especialização e de extensão sobre a temática da família e temas afins; colaboração com o desenvolvimento de pesquisas científicas e publicações em nível nacional e internacional. E quanto às atividades de cunho teológico-pastoral, destacam-se as assessorias dos professores e colaboradores do Instituto para bispos e o clero em geral; a colaboração com a Comissão Nacional da Pastoral Familiar e com ação da Pastoral Familiar em nível local, bem como com os serviços, movimentos e institutos familiares espalhados pelo país. Realização de congressos, colóquios, seminários e formações locais e nacionais sobre a temática família”. Disponível em: < https://institutofamiliajoaopaulo2.org.br/atividades#1503685972632-eab95cc7-e3c4>. Acesso em: 22 out. 2020.
[45] AUDIÊNCIA GERAL. Discurso do Papa João Paulo II. Disponível em: <http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/audiences/1981/documents/hf_jp-ii_aud_19810513.html>. Acesso em: 06 jul. 2020.
[46] JOÃO PAULO II, Familiaris Consortio, p. 110-111.
[47] JOÃO PAULO II, Familiaris Consortio, p. 111-114.
[48] PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A FAMÍLIA, 2006, p. 7.
[49] JOÃO PAULO II, Mulieris Dignatatem, p. 91.
[50] JOÃO PAULO II, Veritatis Splendor, p. 80.
[51] Desde então, a cada três anos, em diferentes lugares do mundo, milhares de famílias peregrinam para juntas celebrarem o dom do amor. O encontro que é normalmente introduzido por um Congresso Teológico Pastoral Internacional é encerrado com a presença do Papa, numa vigília ou festa das famílias e com uma grande celebração eucarística de envio.
[52] JOÃO PAULO II, Carta às Famílias, p. 66.
[53] JOÃO PAULO II, Evangelium Vitae, n. 23.
[54] PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A FAMÍLIA, 2007, p. 32.
[55] Atualmente, após a sua refundação pelo Papa Francisco, é chamado de Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para as Ciências do Matrimônio e da Família. Recorde-se, também, que o Instituto foi fundado no mesmo ano em que São João Paulo II publicou a Exortação Apostólica pós-sinodal Familiaris Consortio.
*Texto extraído do livro “O AMOR ME EXPLICOU TODAS AS COISAS – INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO TEOLÓGICO DE KAROL WOJTYLA/ João Paulo II – TOMO II. Rio Bonito: Benedictus, 2022. Com autorização por escrito dos autores.
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