Formação

São Tomé, Jesus e os irmãos

São Tomé duvida e rejeita o testemunho de seus irmãos mais do que duvida da Ressurreição de Jesus. Crer na manifestação de Jesus feita em si mesmo é fácil, porém a manifestação de Jesus feita ao irmão, através do irmão, nem sempre nos parece tão verdadeira.

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Quem é da Comunidade Católica Shalom se sente muito próximo de São Tomé. Dele sempre falamos e, no jargão da Comunidade, este nome tem significado próprio, pois “buscar os Tomés do mundo”, indo ao encontro daqueles que perderam a fé, é nossa missão prioritária como evangelizadores que somos chamados a ser.

Muitas vezes nos consideramos ex-Tomés, pois fomos aqueles nascidos em lares católicos de tradição que nos tornamos frios e ritualistas, céticos e racionais. Em outras ocasiões, fomos vivendo uma vida totalmente à margem do Evangelho e dos Sacramentos e, sem muita programação, os caminhos da dor e do sofrimento nos levaram de volta à oração e a aceitar um convite para um retiro, uma missa, um show, uma leitura que nos levou novamente a introduzir na vida o frescor do amor e da presença viva de Deus.

O passo seguinte foi continuar um caminho consciente de amizade com Jesus. Muitos partiram até para um discernimento vocacional. Nunca será uma estrada plana e reta, monótona, mas será um caminho de conquista do coração – o mais longínquo de todos os territórios – e que durará a vida toda.

Essa amizade com Jesus vai se construindo na vida. E isso se traduz na oração, na liturgia, na Palavra, nos Sacramentos, na vida comunitária, na vida vivida consigo mesmo, com as pessoas, no trabalho, nos desafios, nas dores, nos amores, na solidão, nos bares, nas ruas, na vida pública e na vida privada, simplesmente em todos os momentos.

Somos todos Tomés

Seja como ex-rebeldes resgatados e amados que evangelizam céticos e descrentes, somos todos, de um jeito ou de outro, também Tomés. Mas, será que São Tomé – o original – de fato não tinha fé quando pediu para tocar o dedo no lado de Jesus e colocar sua mão na ferida, segundo relato do Evangelho de São João? Diz o texto:

“Se não vir nas suas mãos os sinais dos pregos, e não puser o meu dedo no lugar dos pregos, e não introduzir a minha mão no seu lado, não acreditarei!” (Jo 20,25b)

Por que será que o evangelista faz tanta questão de nos contar este episódio? Será que a dúvida de Tomé referia-se somente à Ressurreição de Jesus e que Jesus, por misericórdia, e para lhe dar uma lição, aparece no domingo seguinte, como que para lhe satisfazer um capricho? Creio que o texto bíblico tem mais a nos falar.

Tomé estava ausente naquele primeiro domingo após a Ressurreição. O Evangelho, Jo 20, 24 diz assim: “Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus”.

É claro que São Tomé nutria as mesmas dúvidas e os mesmos temores de todos os outros apóstolos, com exceção de São Pedro e de São João, que mereceram relato especial dos evangelistas, no contexto na Paixão do Senhor. É claro que em seu coração havia amor, grande amor por Jesus, pois foi ele o único a explicitamente querer subir a Jerusalém e morrer em Jerusalém com Jesus, se preciso fosse, como está no Evangelho de São João, acompanhando-O com os demais na aclamação do povo, no domingo de Ramos. Fugiu com todos e como todos na hora da Paixão, e circunstancialmente não estava presente naquele momento em que Jesus veio e se apresentou Ressuscitado, pela primeira vez, aos apóstolos, dizendo: Shalom!

Crer em Jesus é fácil, crer nos irmãos é muito difícil

Onde está a novidade da sua falta de fé? São Tomé duvida e rejeita o testemunho de seus irmãos mais do que duvida da Ressurreição de Jesus. Por inúmeras vezes, o Senhor havia falado da sua Paixão, Morte e Ressurreição, mas Ele nunca falara de que maneira Ele viria.

Crer em Jesus é fácil, crer nos irmãos é muito difícil. Crer na manifestação de Jesus feita em si mesmo é fácil, porém a manifestação de Jesus feita ao irmão, através do irmão, nem sempre nos parece tão verdadeira. Crer que Jesus haveria de ressuscitar era fácil para Tomé, mas acreditar que Ele se manifestara, na sua ausência, era dureza. E, acolher essa verdade significava acolher o testemunho dos irmãos, e não somente suas palavras.

Quantas vezes guardamos só as moções do Espírito Santo que nós recebemos, as palavras que nós sentimos, as imagens que nos são dadas, ou aquelas de quem selecionamos guardar! Em outras palavras: podemos estar em grupo, rezar em comunidade, mas não fazer comunhão e muito menos unidade.

Quebramos a unidade pela rejeição da manifestação de Jesus na pessoa do outro, do irmão, e do testemunho dele para mim, que exige de mim abertura, humildade e fé. Não estamos falando, obviamente, em falta de critério espiritual, mas em atitude interior de abertura e expectativa, de certeza de que Jesus vem quando somos comunidade orante, principalmente quando oramos com nossa identidade Shalom, inseridos no mistério de sermos Igreja de Cristo, Corpo de Cristo.

Por misericórdia, o Senhor se manifesta

Como o milagre da unidade na Vocação Shalom – e em qualquer aspecto da vida espiritual – é obra do Espírito Santo, vemos Jesus Ressuscitado aparecer a Tomé, soprar sobre ele, conversar com ele e fazer com que Tomé tivesse uma experiência de comunhão com o seu Corpo tocando o seu lado. Essa comunhão física seguramente se estendeu aos demais apóstolos.

Eles estavam juntos, como irmãos, como Corpo, como Igreja e também tocam o Senhor, comungam o Senhor. Fazem o mesmo que Tomé fizera. Dá para imaginar a emoção da cena? A alegria? O júbilo? E era Domingo. Quem faz questão de frisar é o evangelista ao dizer oito dias depois. Por misericórdia, o Senhor se manifesta comunitariamente e lhes restaura a fé, cura os relacionamentos, os une de modo sobrenatural, os ensina a ser Corpo, a ser Comunidade.

Enfim, o Tomé que começa cheio de empáfia e exigências se ajoelha humildemente diante de Jesus e dos irmãos e declara: “Meu Senhor e meu Deus”. Sua voz era a voz de todos. Até hoje sua voz ecoa na nossa voz, quando repetimos a mesma oração.

Estamos diante do querido São Tomé, nosso irmão. Que ele interceda por nós para que o mistério bíblico da nossa vocação seja cada vez mais vivificado pelo Espírito em nossos corações, em nossas vidas e Celebrações Eucarísticas, para que nós, shalomitas, cresçamos na unidade, confiemos no testemunho uns dos outros e sejamos parresia para o mundo como ele foi.

Na Fenda da Rocha

Um conto espiritual que se inicia no Brasil e se desenvolve na Terra Santa. A viagem segue na busca da fenda do rochedo para contemplar o Senhor. Não é um livro de teologia nem um simples romance, é, ao mesmo tempo, realidade e ficção, teologia e mística, sonho e realidade.

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Elena Arreguy Sala


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